Os delegados do Grupo de Inquéritos (Ginq) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) enviaram um ofício ao diretor de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, Eugênio Ricas, no qual afirmam que não permitirão qualquer tipo de interferência no inquérito que investiga o presidente Michel Temer (MDB) e em outras apurações contra pessoas com foro privilegiado.

O ofício é uma resposta à entrevista concedida por Fernando Segovia à agência Reuters. Na ocasião, o diretor geral da PF afirmou que as provas contra o presidente Michel Temer na investigação sobre o Decreto dos Portos são frágeis e indicou que o inquérito deveria ser arquivado.

“Em face dos recentes acontecimentos amplamente divulgados pela imprensa, os delegados integrantes deste Grupo de Inquéritos junto ao STF vêm a Vossa Excelência dar conhecimento de que (…) não admitirão, nos autos do Inquérito 4.621 ou em outro procedimento em trâmite nesta unidade, qualquer ato que atente contra a autonomia técnica e funcional de seus integrantes, assim como atos que descaracterizam a neutralidade político-partidária de nossas atuações”, diz o ofício.

No texto, os delegados deixam claro que, caso haja algum tipo de interferência, o STF será acionado para adoção de “medidas cautelares”. Entre as ações possíveis, o ofício cita o artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP), que possibilita o afastamento do cargo público e até a prisão domiciliar.

O clima dentro da Polícia Federal ficou tão ruim com as declarações do diretor geral que em uma reunião entre os delegados que atuam em investigações especiais, na quarta-feira (14), chegou-se a cogitar a hipótese de pedir até mesmo a prisão do chefe da instituição, caso as interferências se confirmassem.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados Federais (ADPF), Edvandir Paiva, afirmou que o ofício enviado pelos delegados do GINQ expõe a crise de desconfiança que existe na PF e demonstra que, se houver algum tipo de interferência, os delegados vão agir.

Horas depois de receber o ofício, Eugênio Ricas divulgou um memorando no qual destaca ser prerrogativa da função do delegado reportar ao STF qualquer tentativa de intervenção em apurações em curso. E que essa medida antecede a gestão de Fernando Segovia, atual diretor geral da instituição. Ele afirmou que várias ações concretas estão sendo tomadas para que as ações avancem, “doa a quem doer”, e pediu “obediência estrita” dos agentes.

Ricas afirmou no documento que a carta dos delegados já foi encaminhada a Segovia e ressaltou, diante do questionamento sobre a atuação do diretor geral no inquérito, que a Polícia Federal goza de “enorme credibilidade junto à sociedade brasileira em razão da imparcialidade e qualidade técnica das investigações”.

O delegado ressaltou também o papel da Diretoria de Combate ao Crime Organizado (Dicor) no funcionamento das investigações e deixou o órgão à disposição para qualquer necessidade, reafirmando o compromisso da Dicor em disponibilizar os “meios necessários à atuação de todas as coordenações que lhe são subordinadas”. Por fim, Ricas ainda cobrou “obediência estrita aos normativos que regulamentam a atuação” do Ginq.

Em um dos itens do documento, Ricas lembra que o número de delegados à disposição do grupo especial de inquéritos “praticamente dobrou”, além da aquisição de equipamentos modernos, reforma do ambiente de trabalho e treinamento para qualificação de pessoal.

Randolfe pede saída à Justiça

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) entrou com uma ação na Justiça na qual pede a saída de Fernando Segovia do cargo de diretor geral da Polícia Federal (PF). O pedido foi feito na quarta-feira, na 22ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF), por meio de uma ação popular.

Além de citar a recente entrevista concedida por Segovia à agência de notícias Reuters, na qual o diretor indicou que a tendência é que as investigações contra o presidente Michel Temer sobre o Decreto dos Portos sejam arquivadas, o senador afirma que a nomeação por Temer e a permanência de Segovia no cargo configuram “ofensa à moralidade administrativa” e “desvio de finalidade”.

Randolfe argumenta que Temer nomeou Segovia “sob intensa suspeição a propósito de suas intenções nessa alteração de comando” da Polícia Federal. “Tal suspeição fundada se deu em razão de a cúpula do governo já não disfarçar sua insatisfação com o curso das investigações da chamada ‘operação Lava Jato’, chegando o seu líder no Senado a manifestar a intenção de ‘estancar a sangria’ e de fazer ‘um grande acordo nacional’”, disse o senador, referindo-se às declarações ditas entre o senador Romero Jucá (MDB-RR) e ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.

No pedido feito à Justiça, o senador Randolfe Rodrigues lembrou que o presidente da República, Michel Temer, recebeu Fernando Segovia em “agendas não públicas”.

Segovia promete ter mais ‘prudência’

Em reunião na quarta-feira com representantes de entidades de delegados e agentes, o diretor geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, fez mea-culpa sobre as declarações que concedeu à agência Reuters a respeito do inquérito que investiga o presidente Michel Temer.

“Ele se arrepende de falar da investigação sobre o presidente. E ele está abalado, abatido, com a repercussão toda que houve, mas deixa claro que houve certa distorção em relação ao que ele disse e que não houve nem haverá nenhum tipo de intervenção, nem interferência, nem pressão em cima dos investigadores”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva. Ele destaca que há uma crise de desconfiança na PF que não se resolve apenas com palavras.

Em encontro com o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Boudens, Segovia reconheceu que teria sido “espontâneo demais” ao falar do inquérito e concordou com a sugestão de não dar mais declarações sobre investigações que estão em andamento no órgão, além de ter “mais prudência” em futuras entrevistas.

PT pede apuração

O PT protocolou nessa quinta-feira (15) um pedido para que a Comissão de Ética Pública da Presidência abra um processo contra o diretor geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, e recomendou que ele seja exonerado do cargo.

Críticas. Na peça, assinada pelo líder do PT na Câmara Federal, deputado Paulo Pimenta (RS), o partido afirma que houve “conduta indevida” de Segovia e que as declarações recentes sobre o inquérito aberto contra o presidente Michel Temer (MDB) colocam “sob suspeição a própria lisura e efetividade da investigação”.

Guerra na PF

 “Os delegados integrantes deste Grupo de Inquéritos junto ao STF vêm a Vossa Excelência dar conhecimento de que, no exercício das atividades de Polícia Judiciária naquela Suprema Corte (…) não admitirão, nos autos do Inquérito 4.621 ou em outro procedimento (…), qualquer ato que atente contra a autonomia técnica e funcional de seus integrantes, assim como atos que descaracterizam a neutralidade político-partidária de nossas atuações. Uma vez que sejam concretizadas ações que configurem tipos previstos no ordenamento penal, dentre eles prevaricação, advocacia administrativa, coação no processo, obstrução de investigação de organização criminosa, os fatos serão devidamente apresentados ao respectivo ministro relator, mediante a competente representação, pleiteando-se pela obtenção das medidas cautelares cabíveis, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal.” Delegados do Grupo de Inquéritos do STF na Polícia Federal em carta à direção da corporação.

“(A corporação) tem adotado medidas efetivas para dar todas as condições para que o Grupo de Inquéritos do STF possa, cada vez mais, realizar sua missão de forma efetiva e eficaz. (…) Enfim, uma série de ações concretas está sendo tomada, a fim de que, cada dia mais, nossas investigações avancem, doa a quem doer.” Eugênio Ricas

Diretor de Combate ao Crime Organizado e número 2 da PF.

 

 

Fonte: O Tempo ||

COMPATILHAR: