O número de mortes em rodovias federais que cortam Minas Gerais aumentou desde a política de desligamento de radares, que teve início em abril de 2019.

De acordo com o levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT), a quantidade de acidentes com vítimas fatais nas rodovias do Estado saltou de 677, em 2019, para 693, em 2021, um crescimento de 2,3%.

Para a especialista em trânsito Roberta Torres, o aumento de acidentes com vítimas mortas durante o período de pandemia, em que mais pessoas passaram a ficar em casa e trabalhar em home office, tendo como consequência a redução na circulação de veículos, é um motivo de preocupação e exige estudos quanto às causas.

Segundo a especialista, vários podem ser os motivos que colaboraram para o aumento, mas a falta de fiscalização pode ser uma delas. “Menos fiscalização nas vias públicas, retirada dos radares e também essa sensação de que as vias estão mais livres com menos carros e, consequentemente, a sensação de que agora há mais liberdade para correr podem ser alguns deles”, disse.

O Departamento Nacional de Trânsito (Dnit) não informa quantos radares foram removidos antes de 2019. Porém, nos últimos dois anos, foram 88 desligamentos de equipamentos no Estado. Em nota, o órgão diz apenas que está cumprindo um acordo judicial homologado em julho de 2019 pela Justiça Federal para a instalação de 1.140 radares eletrônicos em todo o país. Destes, 217 estão em rodovias localizadas em Minas Gerais, conforme o Programa Nacional de Controle Eletrônico de Velocidade do Dnit. No entanto, desde o acordo, apenas 59,4% estão em operação. São 129 em funcionamento, enquanto outros 74 ainda aguardam assinatura de contrato, outros sete estão em instalação, e sete estão totalmente paralisados.

A baixa quantidade de equipamentos em operação vai em caminho contrário ao anunciado pelo Dnit na apresentação do Programa Nacional de Controle Eletrônico de Velocidade de 2019. Na época, o órgão reforçou os resultados de estudos que apontaram vantagens da redução da velocidade para um trânsito mais seguro. “De acordo com dados da Conferência Global sobre o Uso da Tecnologia para Aumentar a Segurança nas Rodovias, realizada em Moscou em 2009, reduzir a velocidade em 1% leva a uma diminuição de 2% no número de feridos leves, 3% menos feridos graves e 4% menos mortos”, diz. O Dnit ainda mencionou as vantagens econômicas: “Uma pesquisa do Instituto de Pesquisas Rodoviárias do Dnit apontou que, em 2008, foram gastos aproximadamente R$ 6,4 bilhões com acidentes nas rodovias federais”, complementa.

A falta dos equipamentos preocupa especialistas por causa da imprudência e também pelas condições das rodovias. Para o especialista em trânsito Silvestre Andrade, estes instrumentos são colocados onde há um grande registro de acidentes e a retirada ou o não funcionamento deles favorece a insegurança. “Na medida em que ele deixa de funcionar, tem o estímulo a velocidade. Como esses locais já eram considerados perigosos, a consequência é o aumento de acidentes”, alerta.

Rodovias com menor número de radares entre as mais perigosas

O maior aumento de acidentes com vítimas mortas foi na BR–381. O número de óbitos saltou de 144, em 2019, para 162, em 2021. A BR050 foi a segunda em relação a crescente no número de acidentes com mortes; um salto de 12 para 26 em apenas dois anos. Essas rodovias, conforme o Programa Nacional de Controle Eletrônico de Velocidade, possuem baixo número de radares em operação. O documento aponta apenas um em operação e outros 13 aguardando assinatura de contrato na BR381. Na BR050, todos os 12 ainda aguardam assinatura de contrato.

Roberta Torres questiona a política de desligamento dos radares e a falta destes equipamentos em operação nas rodovias. “A fiscalização tem um papel fundamental na redução da mortalidade, da mobirdade e no funcionamento do trânsito. Então, quando você retira a fiscalização com base em um discurso de desburocratização, você esquece que essas medidas acabam impactando diretamente as nossas vidas”, alerta.

A especialista lamenta ainda o não cumprimento do artigo 76, do capítulo VI, do Código de Trânsito Brasileiro, que prevê educação para o trânsito na pré-escola e nas escolas de primeiro a terceiro grau. “Infelizmente, quando você não tem esse processo educativo muito claro, você precisa do aparato legal, da fiscalização”, completa.

Com menos radares em operação, BR-381 tem mais acidentes com vítimas mortas que as demais rodovias

O luto ainda é parte da rotina da alagoana Daiane dos Santos. O sentimento é pela morte do primo, vítima após a queda de um ônibus do viaduto conhecido como “Ponte Torta”, na BR-381, entre Nova Era e João Monlevade, na região Central de Minas Gerais, em dezembro de 2020. O ônibus havia saído do interior do Estado de Alagoas com destino a São Paulo quando despencou do viaduto, de uma altura de cerca de 30 m, e caiu ao lado da linha férrea. No acidente, 19 pessoas morreram e 20 ficaram feridas. 

“Ainda é um assunto muito sensível para os meus tios e toda a família”, relata. O primo de Daiane dos Santos é mais uma das vítimas mortas em um acidente de trânsito na BR381, a rodovia com o maior registro de óbitos em todo o Estado. Somente no ano passado, 162 pessoas morreram nos 940 km da rodovia que estão em Minas Gerais. O número é superior aos 144 registrados em 2019, período pré-pandemia, em que menos veículos circulavam pelas rodovias e que mais radares estavam em operação.

A quantidade de óbitos na BR381 é 33% maior que os 108 registrados na BR-116, rodovia que possui o maior número de radares em operação em todo o Estado. Enquanto a BR-381 possui um radar em operação, a BR-116, que possui 409,60 km em Minas Gerais e conta com 62 radares em funcionamento. É a rodovia no Estado com mais instrumentos de fiscalização em operação, conforme o Programa Nacional de Controle Eletrônico de Velocidade. Em comparação à BR–381, são mais radares em um trecho com 530 km a menos.

Para o especialista em trânsito Silvestre Andrade, a letalidade dos acidentes está diretamente associada à velocidade. “O que a gente percebe é que os casos de maior gravidade estão, em sua maioria, associados às altas velocidades. Com a falta de fiscalização, essa é uma consequência natural”, pontua. O especialista ainda completa que a falta de condições de tráfego nas rodovias, impulsionada principalmente pela falta de manutenção, também colabora para o aumento desses números. “Aparecem buracos, desníveis, trechos com alagamentos. Nessas condições, os motoristas fazem manobras mais perigosas, o que aumenta a possibilidade de interação entre um veículo e outro”, explicou.

Fonte: O Tempo

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