Seis homens se tornaram réus por torturar e filmar um ladrão de carnes no hipermercado Extra em 2018, no Morumbi, Zona Sul de São Paulo. Um dos acusados, porém, morreu num hospital após passar mal no presídio no início deste mês. Deste modo, como o processo contra ele foi extinto, somente cinco réus responderão pelo crime de tortura. Dois deles continuam presos e outros três estão soltos (saiba mais abaixo).

O caso de tortura ocorreu em março do ano passado no supermercado, mas só repercutiu neste ano com a divulgação de um vídeo que foi compartilhado nas redes sociais e chegou à imprensa em setembro.

A filmagem feita por celular pelos próprios agressores mostra o homem de 37 anos apanhando com golpes de cabo de vassoura e levando choques elétricos de um taser, aparelho de defesa pessoal.

A vítima teve ainda a boca amordaçada por fio elétrico, sendo torturada por 15 minutos, segundo a acusação.

O homem que aparece apanhando nas imagens admitiu à polícia ter escondido 1 kg de carne na calça para alimentar a família porque estava desempregado. Ele já tinha outra passagem anterior na polícia pelo mesmo crime de furto. O produto furtado foi recuperado pelos agressores, que eram funcionários do Extra e seguranças de uma empresa terceirizada que prestava serviços ao supermercado.

Réus

Em outubro deste ano, a Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público (MP) contra os acusados pela tortura no Extra. A vítima não responderá pelo furto que fez no supermercado.

Os réus passarão por audiência em 20 de janeiro de 2020. Após essa etapa, será decidido se eles deverão ser condenados ou absolvidos pelo crime de tortura.

A pena prevista, no caso de condenação, é de no máximo 10 anos de reclusão. A punição, no entanto, pode ser convertida em outra medida que não seja a prisão, como, por exemplo, prestação de serviços.

Procurado pelo G1 para comentar o assunto, o promotor Alexandre Sprangin respondeu por meio da assessoria de imprensa do MP que “o caso está sob segredo de Justiça” e que “seis pessoas foram denunciadas” pela Promotoria.

Veja quem são os réus no caso da tortura no supermercado em 2018

RéusCargoAcusaçãoSituaçãoDefesa
Renato Cesar Galle Barbosaempregado do Extrafoi omisso ao ver a vítima ser torturadaresponde em liberdade pelo crimenão encontrada pelo G1
Antonio Soares Almeidaempregado do Extraparticipou da tortura à vítimaresponde preso preventivamente pelo crimenão encontrada pelo G1
Emanuel Ferreira dos Santosempregado do Extrafoi omisso ao ver a vítima ser torturadaresponde em liberdade pelo crimenão encontrada pelo G1
Ademir Ferreira dos Santosempregado do Extraparticipou da tortura: filmou e deu golpes com cabo de vassoura na vítimarespondia preso preventivamente pelo crime; morreu em 3 de dezembrodisse ao G1 que cliente sempre negou ter agredido a vítima
Waldeir Nascimento Santossegurança da G8participou da tortura: filmou, deu choques na vítima e aparece falando na gravaçãoresponde preso preventivamente pelo crimefalou ao G1 que não houve tortura
Marcelo Fernandes dos Santossegurança da G8foi omisso ao ver a vítima ser torturadaresponde em liberdade pelo crimenão encontrada pelo G1

Fonte: Apuração do G1

Réu morto

Quatro dos réus eram empregados do Extra: Renato Cesar Galle Barbosa, Antonio Soares Almeida, Emanuel Ferreira dos Santos e Ademir Ferreira dos Santos.
Ademir, porém, morreu no dia 3 de dezembro após ficar internado três dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP).

“Foi admitido no pronto socorro, entubado por rebaixamento do nível de consciência, sendo transferido a UTI [Unidade de Terapia Intensiva], onde faleceu durante o terceiro dia de internação”, informa o registro policial sobre Ademir.

Segundo sua defesa informou ao G1, antes de Ademir ser levado ao HC da USP, ele havia sido encaminhado ao pronto-socorro de outra unidade médica por passar mal na cela onde estava preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) 2 de Pinheiros, na Zona Oeste.

Ademir era acusado de ajudar a filmar a tortura e dar golpes com cabo de vassoura na vítima. A morte dele foi registrada na Polícia Civil como suspeita e “súbita, sem causa determinante aparente”.

Ainda segundo o boletim de ocorrência, a “causa possível do óbito” seria “endocardite com embolização” e, ou, “trauma cranioencefálico com hemorragia intraparenquimatosa”.

Segundo médicos ouvidos pela reportagem que aceitaram conversar sem se identificar, a endocardite é uma infecção que atinge o coração e a embolização pode estar relacionada a um aneurisma cerebral.

Os especialistas ainda disseram que o trauma cranioencefálico é chamado de lesão intracraniana e basicamente é um ferimento traumático no cérebro. Já a hemorragia intraparenquimatosa, de acordo com eles, é um sangramento que pode ser associado a acidente vascular cerebral, o AVC.

“O atestado de óbito do Ademir não saiu ainda, mas para mim ele morreu em decorrência de um AVC”, disse ao G1 o advogado Raul Antonio Feliciano, que defendia o preso acusado de tortura.
Ainda segundo o documento da polícia, somente os resultados dos laudos necroscópicos irão apontar a causa da morte.

A versão que circula entre os funcionários da unidade prisional é a de que Ademir teria morrido após ter apanhado e sido torturado por outros presos. Ficando desse modo com várias fraturas na cabeça.

SSP

Procurada pelo G1 para comentar o assunto, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa que “o caso é investigado pelo 14º Distrito Policial (Pinheiros). A autoridade policial aguarda o resultado dos laudos, que estão em elaboração.”

A pasta, porém, não respondeu à reportagem se apura a suspeita levantada por funcionários de que Ademir possa ter sido torturado por outros presos e morrido em decorrência das agressões que sofreu. Mas informou que aguarda o laudo necroscópico para saber o que matou o preso.

SAP

O G1 procurou ainda a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) para comentar o assunto, que informou por meio de nota que Ademir foi levado a uma unidade médica após passar mal na cadeia. A pasta, no entanto, não respondeu se irá apurar a suspeita levantada por funcionários do CDP 2 de que o preso teria sido torturado. Apesar disso, confirmou que irá apurar o que ocorreu com o preso e que aguarda o resultado do laudo com a causa da morte.

“A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informa que, no dia 29/11/2019, o preso Ademir Ferreira dos Santos, custodiado no Centro de Detenção Provisória II de Pinheiros, sentiu-se mal dentro da cela que habitava. Os demais presos que dividiam o cárcere com o reeducando solicitaram socorro aos funcionários da unidade. Santos imediatamente foi transferido para o setor de enfermaria do presídio, sendo avaliado e solicitado atendimento externo, ocasião em que foi removido ao Pronto Socorro da Lapa e, posteriormente encaminhado ao Hospital das Clínicas, na região de Pinheiros, onde faleceu em 03/12/2019. Ressaltamos que a causa da morte depende de resultado de laudo necroscópico. Foi aberto procedimento apuratório sobre o caso, como de praxe sempre que há o falecimento de uma pessoa presa sob custódia da SAP .”

Defesa do morto

Sobre o processo que seu cliente respondia, Raul alegou que “a participação de Ademir no caso foi a de pegar o rapaz furtando e levá-lo para uma sala. Ele alegava que não o agrediu”.
Além de Ademir, que estava preso e morreu, Antônio também está respondendo preso ao processo no qual é acusado de participar diretamente da tortura.

Renato e Emanuel respondem em liberdade pelo crime de tortura, mas por terem sido omissos. Segundo a acusação, eles viram as agressões e não fizeram nada para impedi-las.

A reportagem não encontrou a defesa de Antônio, Renato e Emanuel para comentar o assunto.

Dois seguranças

Outros dois réus no processo eram funcionários da G8, empresa terceirizada que fornecia seguranças ao Extra: Waldeir Nascimento Santos e Marcelo Fernandes dos Santos.

Desses dois, Waldeir responde preso ao processo por tortura, e Marcelo responde em liberdade pelo crime.
De acordo com a Promotoria, Waldeir também filmou a vítima, deu choques nela e ainda aparece falando na gravação. Ele é acusado de ter participado diretamente da tortura.

Procurado pelo G1, o advogado de Waldeir, Rael Artave, comentou que a divulgação dos vídeos deu uma falsa impressão de que os funcionários são torturadores e o ladrão seja vítima. Ele, no entanto, não informou se seu cliente admitiu ter agredido o homem que furtou a carne no supermercado.

“Repassam a imagem injusta de torturador que defende o patrimônio de pessoas ao passo que aquele que estava furtando e logo após provocações, apanhou se torna a mais ilibada vítima”, disse o advogado Rael. “A pessoa agredida possui histórico de crimes idênticos, porém, não se justifica a agressão, igualmente não se justifica imputar antecipadamente crime de tortura antes da sentença.”
Ainda segundo o advogado de Waldeir, “está claro para a defesa e para a sociedade que não se trata de crime de tortura e que será provado durante a instrução criminal.”

A reportagem não encontrou a defesa de Marcelo, que responde ao processo em liberdade. Ele é acusado de ter sido omisso ao não impedir a tortura.

Supermercado e empresa

Procurado pelo G1, o Hipermercado Extra informou por meio de nota que “proíbe categoricamente o uso de qualquer tipo de violência, por meio de suas políticas e normas internas e instruções de trabalho. Com relação ao caso, a empresa colaborou ativamente com as investigações conduzidas pelas autoridades policiais e, quanto aos citados que possuíam vínculo empregatício com a empresa, todos foram efetivamente desligados. Especificamente sobre os vigilantes envolvidos naquela ação, eles não atuavam mais nas operações do Extra desde 2018.”

Ainda de acordo com a nota, o Extra afirmou que “reitera, também, que situações como aquela são inadmissíveis e, de toda maneira, diante dos fatos, foram reforçadas com toda a liderança, os colaboradores das áreas de prevenção e as empresas prestadoras de serviço de vigilância as diretrizes quanto à proibição do uso da violência e a intolerância a qualquer ato dessa natureza.”

“Adicionalmente, também foram realizadas iniciativas como treinamentos presenciais e à distância, tanto com colaboradores quanto com prestadores de serviço, com foco em uma atuação segura nas lojas, incluindo temas relativos, inclusive, aos direitos humanos, em um processo contínuo e evolutivo aos procedimentos internos já existentes”, segundo o supermercado.

No comunicado, o Extra conclui que “possui canais formais de denúncia, inclusive em caráter anônimo, para a comunicação de atos que infrinjam valores, políticas e procedimentos da companhia.”
O G1 ainda entrou em contato com a empresa de segurança G8; assim que a empresa se manifestar, seu posicionamento será incluído na reportagem.

Outro caso

Caso semelhante, no qual vídeo mostra funcionários e seguranças de um supermercado torturando uma pessoa por ter roubado o estabelecimento, aconteceu no Ricoy, em agosto deste ano também na Zona Sul da cidade.

Dois seguranças estão presos preventivamente acusados de torturar um adolescente de 17 anos suspeito de ter furtado chocolate no mercado. David de OIiveira Fernandes e Waldir Bispo dos Santos são réus no processo no qual respondem por tortura, cárcere privado e divulgação de cenas de nudez.

 

Fonte: G1 ||
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