O que ocorreria se nunca mais chovesse? “Em pouco tempo, entraríamos em colapso, levando à extinção em massa da população e da biodiversidade. Os rios, que abastecem as cidades, secariam, afetando o fornecimento de água potável e a geração de energia hidrelétrica. A agricultura, que é uma das principais atividades econômicas do país, colapsaria rapidamente. Sem chuva, as plantações ficariam inviáveis, levando à escassez de alimentos e ao aumento dos preços”, introduz Lincoln Muniz Alves, pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

É um exagero imaginar um mundo totalmente sem chuvas, mas o cenário de estiagem prolongada é uma realidade no Brasil, onde o número de dias consecutivos sem precipitação aumentou 25% nos últimos 60 anos, segundo o Inpe. A agricultura é um termômetro sensível a essa mudança e acumula prejuízos. Só até outubro deste ano, perdeu R$ 4,1 bilhões devido à falta de precipitações, segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM). Um cenário futuro de estiagem intensa pode levar a perdas mais agudas e, por consequência, refletir nos preços no sacolão e no abastecimento da casa dos brasileiros. Por isso, um batalhão de agricultores, cientistas e técnicos tenta reverter, ou pelo menos mitigar, esse cenário.

“Só tem uma saída: tecnificar, tecnificar e tecnificar. É trazer a tecnologia para o campo”, apresenta o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Antônio de Salvo. A tecnologia tem várias faces e custos diversos. No arsenal disponível, estão desde soluções mais baratas, como uso de plantas de cobertura, a investimentos complexos de infraestrutura, como grandes sistemas de irrigação.

A raiz da mudança precisa estar no dia a dia dos agricultores, desde a escolha das sementes à colheita. “O que estamos preconizando é uma mudança de concepção muito grande”, inicia o coordenador técnico estadual da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), Bernardino Cangussu. “As técnicas antigas falavam que o solo tinha que estar limpo e sem concorrência. Hoje, falamos o contrário para o produtor, que o solo não pode ser limpo daquela forma”.

Ele é defensor do plantio direto, técnica em que não se revolve o solo antes do plantio e se mantém a matéria orgânica entre as novas sementes. Mais uma opção é o uso de plantas de cobertura, semeadas entre a plantação para diminuir a temperatura do solo — um problema adicional à seca — e abrir caminho para a água penetrá-lo. Com a Emater, Cangussu apresentou cerca de 700 unidades demonstrativas dessas técnicas em campo. “Os produtores vão desconfiados. Mas, quando veem na prática, vão adotando”.

A adaptação do agro significa também segurança para além do campo. Produtor rural de grãos e leite, presidente da Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto (FEBRAPDP) e da Comissão Técnica Pecuária de Leite do Sistema Faemg Senar, Jônadan Ma defende que ações no campo têm repercussões que o ultrapassam.

“Quando temos práticas sustentáveis, como o plantio direto, aumentamos a fixação do carbono e permitimos que o solo seja mais permeável para armazenar mais água. Isso melhora em todos os aspectos o lençol freático que abastece os rios para evitar falta d’água na cidade. Não quer dizer que a adoção dessas técnicas acabará com os problemas climáticos. Mas queremos nos tornar mais resilientes”.

Irrigação ganha lei para ser ampliada

Sem chuva na frequência habitual, irrigar torna-se uma alternativa mais urgente. Após anos de demanda do agronegócio, neste ano o governo de Minas sancionou uma lei que institui a Política Estadual da Agricultura Irrigada Sustentável. O objetivo é ampliar de 15% para 50% a área irrigada do Estado, o que ainda depende da regulamentação da nova lei.

A ideia é facilitar projetos de armazenamento e irrigação de água nas propriedades rurais, tornando as infraestruturas de irrigação uma utilidade pública, com acesso a planos setoriais para cada região do Estado e implantação de projetos públicos. É um avanço, avalia o coordenador técnico estadual da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), Bernardino Cangussu. Mas ele reforça a necessidade de uma fiscalização intensa dos projetos.

“O país ainda precisa ter sistemas mais acessíveis e menos burocracia para o produtor. Tem que ter uma fiscalização forte sobre isso, e a irrigação precisa ser feita tecnicamente. Se ela for bem planejada, acompanhada por um agrônomo e seguindo as regras, não há problema”, diz. “O problema é quando é feita de forma clandestina e sem acompanhamento técnico”.

O subsecretário de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável, Ricardo Peres Demicheli, projeta que a nova política viabilizará a expansão da agricultura irrigada em todo o Estado. “Ela permitirá criar uma nova fronteira de irrigação no Norte e na bovinocultura, que fica à mercê dos problemas climáticos. O Vale do Jequitinhonha pode ter pequenos perímetros irrigados e gerar riqueza. Essa lei permitirá tornar a irrigação como estrutura de utilidade pública e será mais fácil ter licenciamentos, dará mais agilidade aos processos”

Água também é dinheiro

A seca já custou 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil na última década. O pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) Bráulio Borges contabiliza uma perda média de 0,8% a 1,6% do PIB brasileiro por ano desde 2012 devido aos efeitos da estiagem. A agricultura ajuda a explicar parte do problema, pois responde por cerca de um quarto do PIB nacional.

Ele avalia que, à força, a economia brasileira tem encontrado caminhos para conviver com essa realidade, contudo precisa de mais do que isso para suportar as condições caso o cenário climático continue a se agravar. “Nossa economia está se adaptando, mas isso não é isento de custos, porque a adaptação nunca é instantânea e precisamos dela ainda mais”.

Ainda que alguns dos métodos de irrigação exijam altos investimentos, eles são um caminho para ajudar a suportar a crise, aponta ele. “A maior parte das lavouras depende da chuva, e a adaptação ainda é muito incipiente. Irrigar obviamente é mais caro do que contar com a chuva, então o ideal seria uma política pública para acelerar o percentual de terras e lavouras irrigadas no Brasil”.

Fonte: O Tempo

 

COMPARTILHAR: