Quando tinha cerca de 20 anos, a cientista contábil Camila de Paula Andrade sentiu uma dor muito forte no braço. No hospital, ela recebeu o diagnóstico de tromboflebite, uma espécie de trombose que ocorre em uma veia superficial. “Foi como se eu tivesse dormido em cima do braço. Eu fui para o trabalho, e começou a doer mais ainda. Tinha a sensação de braço cansado, a dor não passava e começou a ficar insuportável”, lembra.

Ela conta que tomava pílula na época e que foi orientada a rever o método contraceptivo, visto que a doença poderia ter ligação com os hormônios. “Foi um susto de um dia só, basicamente. Fiz tratamento com anticoagulante e estou curada, mas passei a ter medo de tomar anticoncepcional”, relata.

No caso de Camila, a doença foi superficial, porém formas mais graves, como a trombose venosa profunda, também podem atingir pessoas jovens. De acordo com o último levantamento da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, mais de 489 mil brasileiros foram internados para o tratamento da enfermidade entre janeiro de 2012 e agosto de 2023.

Segundo o Ministério da Saúde, em números, quando é avaliada apenas a faixa de 20 a 40 anos, a incidência de trombose é um pouco maior nas mulheres pela maior exposição a fatores de risco, como anticoncepcionais e gestações. O angiologista e cirurgião vascular Francesco Evangelista Botelho, professor da Escola de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que existe relação entre hormônios sexuais femininos e a trombose venosa profunda.

O principal fator que confere risco a essas pacientes é a história familiar. Se a mulher tem uma parente de primeiro grau (irmã ou mãe) com história de trombose venosa profunda, é um alerta, e ela deve evitar o uso de anticoncepcional. Mas existem outros fatores de risco, como obesidade, tabagismo e inatividade física. Nesses casos, a mulher é orientada de imediato a procurar outro método de anticoncepção”, explica.

E não são somente os hormônios femininos que causam risco. Botelho acrescenta que estão aparecendo no consultório mais casos associados ao uso de hormônio para melhorar o rendimento físico e para hipertrofia muscular. “É um fenômeno que está muito frequente nas academias. O uso desses hormônios confere um risco para trombose venosa profunda, e, geralmente, são tromboses situadas em territórios vasculares que não são comuns. O mais comum é ter trombose nas pernas, nos membros inferiores, e eu já atendi jovem praticante de halterofilismo, que usa hormônio masculino, com trombose na veia porta, que é uma veia que raramente dá trombose, ou na veia do cérebro, que é um quadro até mais grave”, afirma.

O que é trombose

O médico angiologista e cirurgião vascular Guilherme Jonas, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), explica que pequenos coágulos podem se formar de uma circulação deficiente, de má circulação, de uma lesão na parede interna daquela veia ou de condições que predisponham a isso, como em uma situação em que a pessoa fez uma cirurgia ou fica muito tempo acamada. “Quando junta essa imobilidade, essa lesão da veia e estados que possam aumentar essa coagulabilidade, tem-se o entupimento daquela veia ou daquela artéria, o que vai impedir que o sangue circule, parando a circulação local, que é o que a gente chama de ‘trombose’”, explica.

Segundo ele, os fatores que mais contribuem para o aumento de trombose em pessoas mais novas são sedentarismo e obesidade. “Os jovens estão cada vez mais sedentários, com mais sobrepeso, alimentando-se mal, ganhando peso – e isso, associado a hábitos ruins, como o cigarro e o estresse. Essas pessoas estão tendo doenças que eram mais comuns em pessoas mais idosas, principalmente as doenças da circulação”, alerta o especialista.

Ele destaca os principais sintomas aos quais os jovens devem ficar atentos, como dores persistentes na perna e inchaço assimétrico, ou seja, quando apenas um membro incha e dói e o outro não. “Aquela dor nas pernas pode também acontecer em qualquer lugar do corpo, mas é uma dor que piora progressivamente, que não melhora, não dá trégua, associada a um inchaço, dificuldade de andar, dificuldade de movimentar, de mexer com o joelho, com o tornozelo. Esse é o primeiro indício, e a gente precisa ficar atento para a pesquisa da trombose venosa”, aponta.

Jonas ressalta que o diagnóstico de trombose impacta a saúde, a qualidade de vida em geral e a saúde mental do jovem. “Quando a gente vai tratar a doença da hipercoagulabilidade do sangue, a gente usa um medicamento anticoagulante que diminui muito o risco de uma nova trombose ou evita que essa trombose piore, mas aumenta o risco de sangramento. Então, afeta a qualidade de vida com restrições de tipos de atividades e de exercícios físicos.

Por outro lado, impacta a questão psicológica do jovem, que pensa que pode perder uma perna, que pensa que aquilo pode virar uma coisa mais séria, que tem alguma doença mais grave. A grande verdade é que, aos mínimos sintomas, se você já tem um histórico familiar, procure um cirurgião vascular, faça suas consultas de rotina, porque dá para cuidar disso e, principalmente, prevenir, que seria o foco para o jovem”.

O especialista observa que todo jovem que tem um histórico familiar de trombose ou de varizes; que usa anticoncepcional há muito tempo; que está sedentário ou acima do peso; ou que é fumante precisa pensar em hábitos preventivos. “Eu diria, principalmente, exercício físico, sair do sedentarismo, beber bastante água, hidratar-se. Em casos mais específicos, acompanhamento com angiologista e cirurgião vascular é fundamental. As meias de compressão podem ajudar muito na melhora das dores e dos sintomas, mas elas devem ser prescritas por um médico especialista após o exame”, pontua.

Vacina contra Covid-19 x risco de trombose

Muito se fala, principalmente nas redes sociais, sobre a relação entre o risco de trombose e a vacina contra a Covid-19. Porém, o angiologista Francesco Evangelista Botelho explica que indivíduos infectados diretamente pelo coronavírus podem apresentar distúrbios de coagulação.

Nas formas graves da Covid, sim, mas não nas formas leves. As formas graves cursam com um aumento significativo na incidência de fenômenos trombóticos. Esse é um fator já bem-documentado. Agora, a trombose pode ser um efeito adverso da vacina, mas a incidência é muito baixa. Toda vacina tem efeitos adversos. A vacina contra a Covid tem, mas ela é muito segura. Então, a gente não deve evitar tomá-la com medo de ter uma trombose, porque a doença tem um risco muito superior do que a vacina”, adverte o especialista.

 

 

Fonte: Renata Abritta – O Tempo

 

 

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