A cada estação do ano, o Brasil ganha um carimbo. Neste momento, a marca aponta para cerca de 650 mil mortos da pandemia, quase 30 milhões de contaminados e mais de 130 mortos na tragédia de Petrópolis, RJ. As intempéries do ciclo de chuvas, crateras, devastação e mortes, típicos dos meses de janeiro e fevereiro na região Sudeste, cedem lugar à descontração, por ocasião do período carnavalesco, na cabal demonstração de que o slogan pátrio nunca foi ordem e progresso, mas o eterno recomeço que a ampulheta do tempo, vira e mexe, impõe como o nosso conceito de devir.


Mas nesse ano, face à pandemia do coronavírus, o tempo de dor e tristeza se prolongará, pois o carnaval não será a festa da descontração e alegria que tanto faz a fama do Brasil no mundo.


O fato é que nossas tropicais plagas veem agravadas suas mazelas de início de ano, com os cemitérios lotados de pessoas que não resistiram ao furor de um vírus e à ausência de políticas públicas voltadas para a prevenção de catástrofes. Entoamos nesse momento o canto das mortes anunciadas. E as tragédias que se abatem sobre milhões de famílias se multiplicam aqui e ali, a exibir as contradições de um território continental, farto de chuvas em alguns espaços e carente em outros.


A falta de quase tudo estampa sua face horrenda pelos logradouros de todos os quadrantes. Pedintes se amontoam em seus farrapos por baixo de pontes e viadutos. A criminalidade, particularmente na forma de assaltos à mão armada, se expande. Muitos morrem de inanição por falta de alimento adequado. Mas o estouro das verbas públicas daqui a pouco abrirá os currais eleitorais, irrigando mandatos e escancarando os buracos do Estado.


A estética da miséria desfila gritos de horror e comoção, com as ruas superlotadas por águas de inundação e os objetos que sobraram das casas que desmoronaram nas enchentes.


As forças naturais recebem as críticas, mas a mãe natureza não tem tanta culpa. A obra de devastação a cargo do homem, em sua incessante obstinação para apressar o fim do planeta, é a principal responsável por catástrofes. E no Brasil, basta olhar para os orçamentos para percebermos que os recursos acabam sendo desviados para outros fins que não os da prevenção contra catástrofes.


Os homens públicos deveriam ir ao paredão da vergonha por não construírem barreiras preventivas nos espaços que administram. Deixam-se levar por um obreirismo que confere visibilidade e votos, incrementando o Custo Brasil, e frequentemente se esforçando para apagar rastros de antecessores e motivar comparações que os favoreçam.


A lama tóxica invade cidades mineiras e regiões fluminenses. O trabalho voluntário mostra a solidariedade de brasileiros, mas não evitam a maré de improvisação que grassa na administração de Estados e municípios, onde interesses de máfias do poder público se unem aos interesses de grupos privados.


Em São Paulo, gigantesca cratera se abre no caminho do metrô, a sinalizar a incúria de administradores e consórcios formado por empreiteiras. A pecúnia desempenha papel central na tragédia. No País da improvisação, qualidade se confunde com quantidade. Para arrematar o mosaico de desleixo, competências constitucionais são distribuídas de maneira irregular entre os entes federativos.


União, estados e municípios repartem áreas comuns como serviços sociais, meio-ambiente e habitação etc. O resultado é uma sobreposição de ações, particularmente nos palanques midiáticos, aqueles que impressionam eleitores. Enquanto isso, projetos escondidos, como os de saneamento, são relegados ao segundo plano. Um governo eficaz é aquele com aptidão para prever problemas e antecipar soluções. Onde estão esses governos? A ausência de planejamento se faz ver em toda a parte.


Os fatos de hoje se repetiram no passado e se multiplicarão no amanhã. Um eterno retorno, ou, se preferirem, um eterno recomeço. Uma luzinha de esperança se acende no meio da escuridão, sob o clamor de contingentes cada vez maiores que saem de seus barracos, nas margens, para exigir dos mandatários o atendimento de suas demandas. Sob pena de os governantes não terem o benefício de uma segunda vez em seus feudos de poder.

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