Especialistas em saúde já estão tratando como epidemia o vício do crack no Brasil. A droga, antes considerada marginal e restrita a moradores de rua, hoje avança sobre outras classes sociais. Segundo a Associação Brasileira do Estudo do Álcool e Outras Drogas, 40% dos dependentes no Brasil são da classe média.
Como consequência desse aumento no consumo de crack, as clínicas de reabilitação estão lotadas e as famílias, em desespero, tentam fugir do vício. Você acaba fazendo dívidas. Você pega uma e fala que vai pagar. No dia seguinte, você vai pagar três. Esse é o depoimento de um estudante de direito que largou a faculdade por causa do crack.
O perfil do consumidor desse tipo de droga mudou no Brasil. Antes marginalizada e quase exclusiva dos moradores de rua, o crack ganhou, agora, espaço em todas as classes sociais.
Eu perdi a vontade de viver, perdi o emprego, um pouco da amizade da minha avó. Perdi o contato com meu irmão, com alguns amigos, com parentes, conta um dependente químico.
Há uma década, a maioria da pacientes que se internava em uma clínica, em Campinas, era dependente de cocaína. Hoje, a cada dez dependentes, nove são viciados em crack. Números que se repetem em quase todo o país.
Em Goiânia, a epidemia de crack já é um problema nos hospitais públicos. Lá, um dos maiores hospitais que atendem pelo SUS dependentes de drogas viu triplicar, nos últimos três anos, o número de pacientes dependentes de crack.
Antes, eles representavam 20% das internações, hoje são 60%. A maioria não quer se tratar e abandona a clínica, em média, duas semanas depois de dar entrada no hospital.
Foi o que aconteceu com o filho de uma dona de casa. O adolescente, de apenas 15 anos, se viciou em crack e não aceitou o tratamento. Hoje, ele está detido em uma unidade para menores infratores e deve ficar lá por 45 dias. Ele foi denunciado pela própria mãe por roubo e até por agressão.
Eu acho que o certo seria ter uma forma de a gente, pai e mãe, assinar e obrigá-los a se tratar. Não tem. Então, a solução foi denunciar meu próprio filho. Se eu não denunciasse, ele ´matava eu´ e minha mãe, ou ia se matar no crack, ou morrer na mão de traficante, diz a mãe.
Os especialistas dizem que essa mudança no perfil das internações tem relação com os efeitos do crack, a chamada sensação instantânea. De acordo com os médicos, o crack vai direto para o pulmão e, de lá, chega ao cérebro em apenas oito segundos. A cocaína, por exemplo, demora até 20 segundos para fazer efeito.
As consequências do crack são tão avassaladoras que, em apenas um ano de consumo, os usuários podem sofrer danos irreversíveis. A dificuldade é ainda maior na hora de abandonar o vício.
Foi o que nossa equipe flagrou em Sergipe. Uma jovem de 21 anos teve uma crise nervosa por ficar sem a droga. Com uma vassoura, ela destruiu parte da casa. Tudo acompanhado pelo filho, de apenas quatro anos de idade. Sem força para lutar contra o vício, a jovem pede ajuda:
Eu preciso de ajuda, urgente. Do jeito que eu estou indo, vai dessa para a pior, diz.
Para os especialistas, as famílias que vivem esse drama precisam de ajuda de políticas públicas.
Nós não temos a regulamentação dessas políticas e a prática para oferecer os serviços necessários. Então, por exemplo, não existem internações involuntárias, para pessoas que precisam de tratamento e que não querem esse tratamento. Ao mesmo tempo, as que existem voluntariamente têm pouca ajuda do governo, diz Maurício Landri, especialista em tratamento de droga.

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