O saneamento básico, classificado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como direito humano essencial, ainda está distante de alcançar toda a população brasileira. Dados do Instituto Trata Brasil revelam que 16,9% dos brasileiros não têm acesso à água potável e 44,8% vivem sem coleta de esgoto. Mesmo após cinco anos da implementação do Marco Legal do Saneamento, os avanços permanecem mínimos.
Segundo informações do Sistema Nacional de Informações em Saneamento (Sinisa), entre 2019 e 2023 o país registrou retrocesso de 0,5% no fornecimento de água e apenas pequenas melhorias nos serviços de coleta e tratamento de esgoto: alta de 2% e 5,5%, respectivamente. Pela legislação, até 2033 99% da população deve ter acesso à água e 90% deve estar conectada à rede de esgoto — cenário considerado distante por especialistas.
Atraso nos investimentos e lentidão nos projetos
Para o professor Alexandre Ganan de Brites Figueiredo, da FEA-RP/USP, o ritmo de desenvolvimento do setor está aquém do necessário. “O avanço ainda é pequeno e o maior desafio é o alto volume de investimentos. Diria que, no ritmo que estamos, não chegaremos a 2033 com essa meta legal cumprida”, afirmou ao Jornal da USP.
Ele também atribui parte da lentidão ao longo tempo de preparação dos projetos. “As parcerias público-privadas estão sendo celebradas recentemente. Os projetos passam por um processo de estudo e elaboração que é bastante longo, de um a dois anos”, explicou.
Setor privado como alternativa — mas não solução completa
A ampliação do saneamento no Brasil depende, em parte, da participação privada, que ganhou força após a reformulação da Lei do Saneamento em 2007, marco inicial do atual modelo regulatório. A mudança extinguiu contratos diretos com estatais e tornou obrigatória a licitação para prestação do serviço. Apesar disso, Figueiredo destaca que o principal entrave permanece sendo financeiro.
De acordo com ele, o Plano Nacional de Saneamento Básico (2022) estimava necessidade de cerca de R$ 600 bilhões para atingir a universalização até 2033, enquanto cálculos do setor privado elevam esse valor para R$ 900 bilhões.
A participação privada pode ocorrer por vários modelos, desde privatizações — como a recente venda da Sabesp — até parcerias público-privadas (PPPs), hoje as mais adotadas. Mas o professor ressalta que, mesmo com a entrada do capital privado, a responsabilidade final permanece sendo do Estado.
“Um serviço público não deixa de ser público, mesmo quando é concedido a um agente privado. A responsabilidade, em primeira instância, sempre é do Estado”, afirmou.
Saneamento: serviço essencial e direito humano
Figueiredo também destaca o dilema entre o caráter essencial do saneamento e sua inserção no mercado. “O saneamento básico é tanto um bem que pode estar no mercado, pelo qual você cobra uma tarifa, como um direito humano básico e essencial”, disse.
Diante dos desafios financeiros, estruturais e regulatórios, o professor avalia que o país dificilmente atingirá a meta de universalização em 2033, mesmo com o avanço da participação privada. Para ele, a estratégia deve combinar regulação forte, atração de capital privado e revisão dos limites que impedem estatais de ampliar investimentos.
O cenário descrito reforça que o direito humano ao saneamento básico segue distante para milhões de brasileiros — e que o ritmo atual de expansão não é suficiente para reverter essa realidade até a próxima década.









