Após um dia de intensa discussão no Congresso Nacional, devido à votação de leis que mudariam o rumo da nação, prejudicando os cidadãos brasileiros, as luzes se apagaram, e tudo ficou deserto. O dia havia sido tão estressante que nem os seguranças fizeram plantão naquela noite.

No início da madrugada, ouviu-se um barulho. A Constituição Federal, que estava na mesa de um dos deputados, inexplicavelmente ganhou vida, levantou-se e foi até a biblioteca do Congresso Nacional. Acendeu a luz, subiu em uma prateleira onde estavam as demais leis e tocou nelas, dizendo: “Filhas, acordem! Acordem, filhas! Filhas, acordem!”. Todas as leis, assombrosamente, ganharam vida: o Código Penal, o Código Processual Penal, a CLT, o Código Florestal, a Lei Rouanet, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil, a Lei Carolina Dieckmann, a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Trânsito Brasileiro e outras dezenas de leis.

A Constituição iniciou uma rebelião. Todas as leis invadiram o Plenário do Congresso Nacional e se sentaram nas cadeiras dos deputados e senadores. Da Tribuna, a Constituição, a Lei Maior, também conhecida por Carta Magna, discursou para suas apoiadoras e revelou os motivos daquela rebelião: “O País está uma desordem, fomos criadas para dar diretrizes e deixar a vida da população mais justa, mas não é isso o que está acontecendo!”.

As leis gritavam e concordavam num único som. Todas pareciam estar cansadas das decisões que eram tomadas dentro daquela Casa. Elas também estavam revoltadas por serem usadas para dar validade a muitas injustiças. Disse a CLT, responsável por normatizar o trabalho no País: “Estou cansada de sofrer cirurgias! Todo governo que entra quer fazer mudanças em mim e tatuar mais alguns artigos no meu corpo. Estou toda retalhada, isso cansa!”. Ela se referia a todas as mudanças que havia sofrido desde sua criação. Algumas haviam sido boas, outras não, e umas alterações horríveis estavam sendo propostas, o que deixava a amiga dos trabalhadores muito preocupada.

O Código Penal e o Código Processual Penal levantaram de suas cadeiras, foram até a Tribuna e fizeram duras críticas às decisões que eram tomadas em alguns tribunais do País: “Eles nos desrespeitam! Em alguns artigos, estão claramente descritas as punições que os criminosos devem receber, entretanto, não é isso que acontece. Juízes com entendimentos contrários permitem que criminosos, na maioria das vezes de colarinho branco, escapem ilesos ou sejam condenados com penas brandas, o que faz esses bandidos pensarem que compensou roubar milhões do povo, e ainda incentivam outros a cometerem os mesmos tipos de crimes.”.

O Código Florestal também estava muito irritado: “Fui criado para proteger a biodiversidade, as áreas essenciais à conservação do solo e os recursos hídricos. Mas não é isso o que está ocorrendo!”. O protetor da natureza estava extremamente decepcionado com a anistia das multas, que havia sido dada recentemente a quem já desmatava há décadas.

A Constituição, no seu papel de mãe das leis, tentou reanimá-lo: “Tenha esperança, meu filho! Vamos criar novos artigos que não poderão ser mudados.”. Mesmo diante daquelas promessas de mudanças, o Código Florestal começou a chorar quando se lembrou da grande destruição causada na natureza e desabafou: “Por motivo de ambição de muitos políticos e empresários que não pensam no futuro, mas somente em ganhar dinheiro, o ar ficará insuportável! E esse mesmo dinheiro que eles ganham desmatando as florestas poderá ser usado para pagar o tratamento respiratório deles ou possivelmente o de seus próprios filhos!”.

A Lei Rouanet estava muito abatida, também chorava copiosamente, mas subiu na Tribuna para falar: “O legislador deixou muitas falhas em mim. Fui criada para fomentar a cultura no País de forma ampla, beneficiando artistas de todos os Estados. Mas não é o que está ocorrendo, muitos artistas bons não estão sendo apoiados.”.

Aquela madrugada, no Congresso Nacional, foi única, surpreenderia até o filósofo Montesquieu. Nunca algo assim havia sido visto: todas as leis discutindo em prol da população, sem interesses escusos. O Código de Defesa do Consumidor não deixou de registrar sua indignação: “As multas aplicadas a grandes empresas dificilmente são pagas. Muitas delas prejudicam os consumidores, entregando serviços de má qualidade, são multadas, mas recorrem por anos nos tribunais e não são condenadas. Quando pagam, é uma miséria comparada aos benefícios que tiveram. Como disseram meus amigos Código Penal e Processual Penal, tudo isso é uma grande injustiça!”.

As leis perceberam que existiam muitas brechas em seus artigos, que davam total liberdade para os advogados dos criminosos entrarem com recursos intermináveis durante anos e, ao final, escaparem por prescrição do crime ou qualquer outro benefício concedido.

A Constituição Federal, revoltada, rasgou do seu corpo o Artigo 5º, o qual diz que, no Brasil, todos são iguais perante a lei. Na sequência, caminhou até o microfone para desabafar: “Este artigo que acabo de rasgar do meu corpo não está sendo cumprido no País, portanto recuso-me a mantê-lo. Ele era como uma tatuagem mal feita que queremos cobrir! Os justos levam em conta os direitos dos pobres!”. A Constituição estava muito descontente com o tratamento dado ao povo.

O Código Civil, a norma jurídica que cuida das relações entre as pessoas no dia a dia, determinando os direitos e deveres de cada um, mostrou-se muito preocupado. Nele, estavam as regras de conduta que indicam onde começa o direito de uma pessoa e termina o da outra. Todavia os seres humanos cada vez menos se entendiam, pois as pessoas exigiam seus direitos, mas não respeitavam os das outras, o que deixava o Código muito decepcionado: “Cansei de presenciar brigas em condomínios, no trânsito, desentendimentos familiares devido a heranças, separação de casais e outros litígios. Os seres humanos não se entendem mais, parece o fim do mundo!”.

A Lei Maria da Penha, criada para coibir a violência contra as mulheres, estava se sentindo inútil porque os índices de agressões continuavam aumentando. Na intenção de mobilizar uma ação jurídica eficaz para acabar com a truculência de maridos, namorados, ex-parceiros e todo tipo de agressor, a Lei, determinada, subiu na Tribuna do Congresso Nacional, foi até o microfone para protestar por penas mais duras: “Mulheres têm suas vidas ceifadas, são espancadas e desfiguradas por agressores covardes, mas muitas não denunciam por vergonha ou medo. Devemos, no mínimo, dobrar as penas!”.

As demais leis concordaram com ela e, como numa só voz, disseram: “A mulher é preciosa, precisa ser protegida e amada!”. A Constituição aproximou-se do microfone, aumentou o tom de voz e ressaltou: “A mulher é um ser forte e frágil, fundamental para o crescimento de qualquer nação. Devemos, o mais rápido possível, acabar com o feminicídio e todo tipo de violência contra ela!”.

Determinada a mudar aquele cenário, a Lei Maria da Penha não deixou de falar das diferenças salariais entre mulheres e homens. Chegou a sugerir uma norma que punisse essa discrepância. E, em tom de conselho, também falou como deveria ser o comportamento de todos os maridos em relação a suas amadas: “Os maridos deveriam estar dispostos a dar a própria vida por suas esposas, porque, quando se casam, os dois tornam-se uma só pessoa.”.

A madrugada avançava. Aquela sessão no Congresso Nacional estava longe de terminar. Todas as leis queriam falar na Tribuna. Não houve votação porque, naquela sessão, as opiniões não estavam divididas. Todas as leis queriam justiça e diziam: “A justiça engrandece uma nação!”.

Foi dada a oportunidade para o Código Nacional de Trânsito falar. Ele subiu na Tribuna do Congresso, fez um sinal com as mãos para que todos fizessem silêncio, ajeitou o microfone e, diante das revoltosas e esperançosas leis, também registrou sua indignação: “O trânsito em condições seguras é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades que fazem parte do sistema de trânsito do nosso país. Cabe a eles, dentro de suas responsabilidades, adotarem medidas para garantir esse direito.”.

Todas as leis o aplaudiram. O Código Nacional de Trânsito via muita injustiça no cumprimento dos deveres desses órgãos e continuou a protestar: “Em muitas estradas, é cobrado um alto valor nos pedágios, contudo grande parte desse dinheiro não é investido. Devido à falta de manutenção nas ruas, avenidas e estradas, graves acidentes acontecem, e pessoas perdem a vida!”.

A Constituição, a Lei Maior, líder da rebelião, falou do sonho tão almejado por muitos brasileiros: “O carro, sonho de consumo da maioria da população, sofre com tantos buracos. Diariamente se ouve falar de ruas esburacadas, estradas sem condições de uso, e ninguém entende o porquê dessa situação, sendo que pedágios e impostos são pagos.”. O Código Penal e o Código Processual Penal eram os principais apoiadores, pois muitos crimes cometidos no trânsito eram julgados e processados com base em seus artigos.

A Constituição convidou o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, para falar ao microfone: “Tenho uma grande preocupação com o que está acontecendo com as crianças e jovens deste país. Solicito que a lei criada para protegê-los suba aqui para expor seus pensamentos e desejos de mudanças.”.

A oportunidade foi dada ao ECA, que, até aquele momento, não havia falado nada, pois perdera a esperança. Ele achava que, se as autoridades não se importavam mais com a população adulta, tampouco se preocupariam com as crianças e adolescentes. Entretanto, depois do convite da Constituição, resolveu falar: “Como já foi dito e vocês bem sabem, fui criado para regulamentar a proteção integral para as crianças e adolescentes da nossa nação. Os artigos descritos em mim dizem que eles devem ter seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social assegurados. No entanto, vemos muitos sendo explorados, abandonados pela família e pelo Estado. Alguns são empurrados para a criminalidade, pois não têm esperança de um futuro melhor.”.

Todas as leis ouviram o ECA atentamente, pois também acreditavam que os jovens poderiam ajudar na mudança do rumo da nação e do mundo. O Código Penal falou do seu sentimento quando via um adolescente ou uma criança envolvidos com a criminalidade: “A angústia me atinge em cheio quando os vejo sendo condenados por práticas de infrações penais. Deveriam dar oportunidades para eles somente brincarem e se desenvolverem intelectualmente a fim de garantir um futuro melhor para nosso país, mas, devido à falta de investimentos em políticas públicas, estão lançando-os na criminalidade para depois puni-los, quando, na verdade, é o Estado que deveria ser punido por abandonar seus filhos!”.

Já eram quase cinco da manhã quando subiu, na Tribuna do Congresso Nacional, a Lei Carolina Dieckmann, para falar de assuntos tão atuais e relevantes que antes não haviam sido regulamentados: “Estamos na era da internet. Concordo que foi necessário que eu fosse criada, porque antes a rede mundial de computadores, em nosso país, era uma terra sem lei. Pessoas mal-intencionadas a utilizavam para enviar vírus, acessar webcam, divulgar fotos íntimas, promover bullying e fazer vinganças. No entanto, as penas estabelecidas para quem infringir as normas escritas em mim são benevolentes. Os infratores, que deveriam temer a violação da privacidade, ao saberem das punições, não são intimidados, e sim encorajados a cometer os crimes na web.”.
Isso deixava aquela lei muito irritada. Ela queria penas mais duras, pois pessoas haviam tido sua intimidade exposta na internet, causando-lhes grandes transtornos psicológicos e, em alguns casos, houve até suicídios. Bradou a Lei Carolina Dieckmann ao microfone: “Esperamos tanto para criar uma norma que regulamentasse, em nosso país, a rede mundial de computadores, entretanto fui criada com punições brandas… Não entendi a intenção do legislador!”.

Cada vez mais, os crimes na internet estavam aumentando, e todas as leis concordavam com a reformulação dos artigos que puniam os cibercrimes. O Marco Civil da Internet, que estava no Plenário do Congresso entre as leis, ouvindo o discurso da amiga, subiu na Tribuna e, em um ato de apoio, abraçou-a. Depois foi até o microfone e complementou o discurso: “A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, o exercício da cidadania em meios digitais, como também as finalidades sociais. Além do mais, o acesso à internet é essencial para o exercício da cidadania, contudo não podemos deixar que ela seja uma “Terra com Leis de Punições Leves!”.

Após vários discursos durante toda aquela madrugada, as leis ficaram sintonizadas em uma extrema sinergia, com um forte desejo de mudanças, e diziam: “O que faremos? Daqui a poucas horas, o Congresso Nacional vai abrir e seremos usadas novamente para punir o trabalhador, o povo sofrido deste país, em benefício de alguns poderosos. Não é bom favorecer os maus e privar da justiça os justos. Tem que ter justiça social no Brasil!”.

De repente, algo inexplicável aconteceu: a luz do Congresso Nacional se apagou, e todos ficaram numa extrema escuridão. A Constituição gritou: “Alguém está tentando sabotar nossa rebelião!”. Porém, no momento seguinte, um forte clarão, mais intenso que a luz do sol, invadiu o Congresso, tomando conta de todo o lugar. Durou alguns segundos, ofuscando a visão de todas as leis ali presentes, que não conseguiram enxergar nada devido à imensa claridade. Após diminuir o clarão e recuperarem a visão, as leis notaram que suas páginas haviam sido apagadas e, em todas elas, estava escrito: “Ame e respeite o próximo, assim como gostaria de ser respeitado”.

Todas ficaram muito espantadas ao folhear as páginas dos seus corpos e verificarem que, de capa a capa, estava escrita a mesma frase. Após aquele momento de espanto e euforia, elas se alegraram porque entenderam que, por meio daquele artigo único, a população do País poderia viver em paz. Respeitar e amar o próximo não impediria que as pessoas discordassem umas das outras, mas teriam de discordar com respeito.

Todas as leis aguardavam ansiosamente a chegada dos políticos que, a partir daquele momento, também teriam de, obrigatoriamente, seguir aquele artigo único. Inexplicavelmente, todas as cópias das leis e manuais de Direito que estavam espalhadas pelo país, tanto as informatizadas quanto as impressas, haviam sido apagadas e, no lugar dos seus diversos artigos, apareceu escrito: “Ame e respeite o próximo, assim como gostaria de ser respeitado.”.

Amanheceu, e os políticos começaram a chegar. Notaram que as portas do Congresso estavam fechadas. Pediram para os seguranças derrubarem, mas não foi preciso porque a Constituição deu ordem para que as portas fossem abertas. Ao entrar, os políticos deram de cara com aquelas leis de pé e falando, e o mais estranho de tudo é que estavam entendendo o que elas diziam. “Entrem, administradores do País, pois lhes ensinaremos o que vocês deverão fazer a partir de hoje para cuidar desta maravilhosa nação!”, disse a Constituição Federal, com tom autoritário.

Todos os políticos entraram e, assustados, sentaram-se em suas cadeiras enquanto a líder da rebelião preparava seu discurso. Naquele exato momento, também estavam presentes, no Congresso Nacional, dois jornalistas: uma, experiente em cobertura política, e outro, recém-formado, apaixonado por política. Eles fizeram a cobertura da notícia em nível nacional.

A população correu para a frente da televisão a fim de ouvir o discurso da Constituição, decidida a mudar a situação do País: “Convocamos a proteção de Deus no dia em que fui criada. Acredito que Ele próprio nos deu vida, para que, a partir dessa nova diretriz – amar e respeitar o próximo – possamos construir um País melhor, sem corrupção, sem desigualdade social, sem fome e livre de preconceitos, com segurança e direitos iguais para todos.”.

Os políticos não acreditavam no que estava acontecendo. Alguns deles consultaram os códigos e manuais de Direito que estavam em suas mesas, mas, em todas as páginas, encontraram somente os mesmos dizeres: “Ame e respeite o próximo, assim como gostaria de ser re A Constituição, a Madre das Leis, seguiu com seu discurso: “O governante que exerce a justiça dá estabilidade ao País, mas o que gosta de propina o leva à ruína. A partir de hoje, nós governaremos a nação, porque, antes das eleições, um grande número de políticos prometem que, quando estiverem no poder, governarão de forma justa, olhando para os mais pobres e necessitados, entretanto, quando ganham as eleições, acabam se envolvendo em corrupção, associação criminosa e lavagem de dinheiro.”.

O discurso da líder empolgava a nação: “Nosso governo será pautado apenas no artigo único do amor e respeito. Até ontem, existiam, no País, centenas de leis e milhares de artigos, mas a maioria das leis não era cumprida!”. Toda a população se maravilhou com a sabedoria da Constituição e saiu às ruas fazendo um grande panelaço, gritando e exigindo que se cumprisse aquele artigo único da nova lei, pois também entendeu que, por meio do amor e do respeito, conseguiriam viver em uma nação justa para todos.

Nos quatro cantos do País, não houve um cidadão que não concordasse com aquela nova proposta de governo. E, assim, a nação passou a ser governada pelas leis, que, com apenas um artigo, proporcionaram a todos os cidadãos brasileiros paz, justiça e respeito.
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A Constituição, a Madre das Leis, seguiu com seu discurso: “O governante que exerce a justiça dá estabilidade ao País, mas o que gosta de propina o leva à ruína. A partir de hoje, nós governaremos a nação, porque, antes das eleições, um grande número de políticos prometem que, quando estiverem no poder, governarão de forma justa, olhando para os mais pobres e necessitados, entretanto, quando ganham as eleições, acabam se envolvendo em corrupção, associação criminosa e lavagem de dinheiro.”.

O discurso da líder empolgava a nação: “Nosso governo será pautado apenas no artigo único do amor e respeito. Até ontem, existiam, no País, centenas de leis e milhares de artigos, mas a maioria das leis não era cumprida!”. Toda a população se maravilhou com a sabedoria da Constituição e saiu às ruas fazendo um grande panelaço, gritando e exigindo que se cumprisse aquele artigo único da nova lei, pois também entendeu que, por meio do amor e do respeito, conseguiriam viver em uma nação justa para todos.

Nos quatro cantos do País, não houve um cidadão que não concordasse com aquela nova proposta de governo. E, assim, a nação passou a ser governada pelas leis, que, com apenas um artigo, proporcionaram a todos os cidadãos brasileiros paz, justiça e respeito.

 

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