Sete anos após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, que matou 19 pessoas e colocou em alerta as demais estruturas no Estado, outras 28 barragens estão em situação de emergência em todo o território de Minas Gerais. O levantamento da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), que foi atualizado pela última vez em 13 de outubro deste ano, indica que dezessete barragens estão em nível 1, sete em nível 2 e quatro em nível 3, que é considerada a classificação que indica a situação de colapso. Cenário este que preocupa especialistas e também quem mora próximo a estas estruturas. A chegada do período chuvoso – quando ocorreram os rompimentos de estruturas em Mariana e Brumadinho – é uma preocupação a mais, alertam especialistas.

Evandro Moraes da Gama, engenheiro de Minas e professor do Departamento de Geotecnia e Transportes da Escola de Engenharia da UFMG, explica que a chuva aumenta o risco de rompimento de barragens, assim como ocorre em outras obras de terra.  Para evitar outras tragédias no período, o engenheiro orienta que não se pode carregar as barragens, tampouco fazer obras de retiradas ou depositar materiais terrosos ou de rejeito.

Aquelas barragens inativas, entretanto, apresentam um nível menor desde que não haja essa remoção rejeitos, frisou. “Em períodos de chuva existe uma influência de mais água no sistema. Além disso, os vereadores podem não comportar a vazão. É muito mais perigoso”, alertou o especialista em segurança de barragens e professor na Universidade Federal de Itajubá (Unifei) Carlos Barreira Martinez.

O fato de as barragens serem classificadas por níveis também não é bem visto por especialistas. “Não tem que ter nível de emergência. Isso demonstra para a gente que existe uma falha no sistema de gestão”, aponta a engenheira geotécnica Rafaela Baldi Fernandes. Para ela, ainda que percentualmente os números sejam baixos, já que o Estado possui 534 barragens relacionadas à mineração e às indústrias, essa classificação só ocorre devido a uma sucessão de erros, que vão de falhas no projeto até no modelo de operação. “Para chegar no nível 3, um dia ela foi nível 2 e nível 1. Ou seja, teve uma negligência quando era um problema pequeno, fácil de resolver. Isso foi empurrado até chegar na condição atual”, completa Fernandes.

A avaliação da situação das barragens em Minas Gerais se intensificou em 2019, após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que causou 270 mortes e provocou destruição em parte da bacia do Rio Paraopeba. Em resposta a essa tragédia, ocorrida três anos após a de Mariana, um pente-fino foi feito nessas estruturas e muitas barragens perderam suas declarações de estabilidade. Essa reavaliação, que aponta os riscos de cada barragem, foi impulsionada pelos órgãos de fiscalização, como a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Ministério Público, que estabeleceram a Lei Estadual 23.291/2019.

Com isso, várias barragens passaram a ser classificadas com o nível 1 de emergência e tiveram que ser paralisadas. Nos casos mais graves, classificados pelo nível 2 ou 3, as empresas responsáveis tiveram que evacuar todo o perímetro que seria alagado em eventual tragédia e reparar a população. Foi o que ocorreu com Elida Geralda Couto, de 36 anos, moradora de Barão de Cocais, na região Central de Minas Gerais. A estagiária de medicina veterinária está fora de casa há três anos e quatro meses. Ela foi obrigada a deixar a residência onde vivia com os pais e uma tia, na comunidade de Socorro, depois da movimentação no talude da barragem Sul Superior da mina de Gongo Soco, em 2019.

“Saí de um lugar onde a gente tinha convivência, onde eu conhecia todo mundo. Se você me perguntar como chamam os meus vizinhos de hoje, eu não sei. Conheço de vista, mas de nome e de conversar, eu não sei. Ter a amizade, eu não tenho”, conta Élida. A estagiária de medicina vive, hoje, junto a sua família, em uma casa alugada pela Vale.

Em 22 de março daquele ano, a mineradora elevou o nível de alerta para o grau máximo, por considerar que havia risco iminente de estouro da estrutura. Dois meses depois, em maio, a mineradora informou que parte de uma parede (talude) iria cair e que a barragem, localizada a cerca de 1,5 quilômetro da mina, poderia ser afetada. O deslocamento, conforme a empresa, teria ocorrido para dentro da cava da mina, sem consequências para a barragem. No entanto, a estrutura continuou com a classificação em nível 3, considerado de risco iminente.

“A gente tinha muito medo do rompimento, mas parece que aprendemos a conviver. Hoje a gente só sabe que tem várias pessoas trabalhando na barragem”, desaba Élida, que aponta um outro problema: a falta de informações. Para ela, as famílias retiradas das comunidades de Socorro, Tabuleiro e Piteiras, que seriam atingidas por um possível rompimento da estrutura, estão abandonadas e sem esperanças de um dia poderem voltar ao local em que viviam. “Fica a impressão de que a Vale quer vencer as pessoas pelo cansaço. A gente vê a Vale fazendo vários trabalhos, mas o descomissionamento, que é bom, a Vale praticamente não iniciou”, questiona.

Além da barragem Sul Superior, em Barão de Cocais, a Forquilha III em Ouro Preto, B3/B4 em Nova Lima e a barragem de rejeitos em Itatiaiuçu também estão em nível 3. Conforme a Agência Nacional de Mineração, essas estruturas têm um dano potencial alto, o que significa que o seu rompimento pode causar prejuízos significativos para as comunidades localizadas ao seu redor.

Para o especialista em segurança de barragens e professor na Universidade Federal de Itajubá (Unifei) Carlos Barreira Martinez, esse levantamento não é feito da maneira mais adequada, já que não é possível classificar todas as barragens existentes, uma vez que, segundo ele, não existe uma estrutura organizacional e de fiscalização capaz de verificar todas as estruturas. “Hoje, o estado brasileiro consegue saber quantas barragens tem no país por causa de satélite, mas essa fiscalização em todas não é feita porque falta gente. E isso é complexo, já que é muito difícil de ser analisado porque são estruturas complexas, diferentes”, aponta.

Martinez acredita que mesmo diante da impossibilidade de fiscalizar todas as estruturas, foram muitos os ganhos desde a implantação da lei. “ Existem dois mundos: o real e o ideal. No ideal, o Estado teria que ter estrutura para fiscalizar, mas não é assim. O mundo real é aquele em que as mineradoras contratam empresas de consultoria, que fazem essas análises. Elas dão um laudo e esse documento é válido sim, já que elas fizeram uma série de estudos até a divulgação do resultado”, justifica.

A Lei 23.291/19 criada para avaliar a situação das barragens também determina o fim das estruturas que utilizam o método a montante, o mesmo das barragens do Fundão e de Brumadinho, que se romperam, respectivamente, em 2015 e 2019. O modelo, de baixo custo de construção, onde os diques de contenção se apoiam sobre o próprio rejeito, é considerado ultrapassado. Por isso, a norma aponta a necessidade da “descaracterização de todas as barragens de contenção de rejeitos e resíduos” no Estado.

O segurança de barragens e professor na Universidade Federal de Itajubá (Unifei) Carlos Barreira Martinez destaca o papel da lei e disse que se mantém otimista em relação à segurança das barragens. No entanto, ele aponta que a condição ideal dessas estruturas deve se tornar realidade apenas em longo prazo. O professor acredita que esse processo pode ocorrer em até mais oito anos. “Esse processo é demorado. Para desmontar uma estrutura, você tem que fazer isso devagar. Quem mora próximo tem que ficar em alerta”, sugere.

 

Barragens da Vale estão em nível de alerta máximo

Dos quatro empreendimentos em nível máximo de emergência no Estado, três são da Vale. As barragens Sul Superior em Barão de Cocais, Forquilha III em Ouro Preto e B3/B4 em Nova Lima são classificadas como nível 3 de risco de rompimento. Elas estão nesse nível desde março de 2019. A estimativa da mineradora é de que em três anos não exista nenhuma barragem com alto risco. O outro empreendimento em nível 3 é da Arcerlormittal Brasil. A Mina Serra Azul fica em Itatiaiuçu.

A Vale alega que aumentou a frequência de monitoramento das estruturas e as avaliações de seus estados de conservação, como forma de se adiantar a problemas por meio de medidas preventivas e corretivas. “Um exemplo desses esforços permanentes é a criação, desde 2019, de três Centros de Monitoramento Geotécnico (CMG), que monitoram as barragens 24/7 para garantir informações úteis à melhor tomada de decisão.

Ainda segundo o posicionamento da mineradora, as nove estruturas com protocolos de emergência ativos em níveis 2 e 3 tiveram as respectivas zonas de autossalvamento evacuadas em caráter preventivo, com a remoção e realocação das famílias localizadas à jusante das estruturas. “Nesses casos, a Vale adota medidas para o fortalecimento das condições de estabilidade e segurança, como a manutenção dos reservatórios secos, a redução do aporte de água e a implantação de canais de cintura. A Vale também mantém estruturas de contenção a jusante para as barragens em condições críticas para evitar que os rejeitos atinjam a zona secundária de segurança dos municípios em um cenário hipotético extremo de ruptura.

Procurada pela reportagem do portal O Tempo, a ArcellorMittal disse que em fevereiro deste ano o nível do empreendimento em Itatiaiuçu passou para 3 atendendo a resolução da Agência Nacional de Mineração. “A mudança ocorreu devido a ajustes nos critérios da ANM para determinação do nível de emergência de barragens de mineração. É importante ressaltar que a reclassificação em nada muda as condições de segurança da barragem de Serra Azul, que permanecem inalteradas desde o acionamento do Plano de Ação de Emergência de Barragem de Mineração (PAEBM), em fevereiro de 2019. A estrutura não apresenta risco de ruptura iminente e não há exigência de novas medidas ou ações adicionais de segurança. A reclassificação, portanto, se deu em estrito cumprimento do novo critério legal estabelecido pela ANM. A barragem está desativada desde 2012 e o monitoramento da estrutura é realizado 24 horas por dia, com atualizações diárias à ANM”, informou a empresa.

O que diz a Secretaria de Meio Ambiente

A reportagem procurou a Secretaria de Meio Ambiente do Estado, que respondeu por meio da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). Segundo a fundação, caso ocorra qualquer situação de emergência prevista em decreto de 2020, o empreendedor responsável por barragens deverá apresentar, imediatamente, comunicação ao Núcleo de Emergência Ambiental (NEA), que integra a Feam.  Após esse procedimento é iniciada a situação de emergência, a empresa tem de apresentar os relatórios, laudos, estudos técnicos e planos aos órgãos ambientais nas suas respectivas competências, conforme prazos previstos em uma resolução conjunta.

A Fundação do Meio Ambiente informou que “realiza fiscalizações rotineiras nas barragens cadastradas e acompanhadas pelo órgão, no âmbito do Programa Estadual de Gestão de Barragens, incluindo aquelas estruturas que se encontram com algum nível de emergência acionado”. “A fiscalização baseia-se na realização de inspeção visual nas barragens e em seus elementos, somada à verificação de execução das recomendações de manutenção elencadas pelo auditor independente que avaliou a estrutura. Na eventualidade de impedimento de acesso à barragem, podem ser utilizados equipamentos remotos para a visualização da estrutura”, explicou.

Sobre mudanças nos níveis de emergência, como ocorreu recentemente em uma barragem da Vale em Barão de Cocais que foi solucionado dias depois, a Feam diz que na ocorrência de qualquer anomalia na barragem, que coloque em dúvida a segurança da estrutura ou, ainda, quando há não conformidades relativas ao estado de conservação, é acionado o nível 1 de emergência. O nível 2 é acionado quando as ações adotadas pelo empreendedor para tratar as anomalias não têm sucesso em reduzir os riscos da estrutura e o nível 3 é colocado quando existe o risco iminente de rompimento.

 

 

Fonte: O Tempo

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