Parece que, finalmente, o slogan “Não é não” vem sendo entendido e – mais que isso – começa a ser respeitado pelos foliões no Carnaval de Belo Horizonte. Mulheres ouvidas pela reportagem de O Tempo, nos blocos de rua, observam que houve uma melhora significativa no assédio durante os desfiles. “Aconteceu em outros carnavais, mas neste não vi nenhum incidente. Inclusive, tenho gostado mais, porque a mulherada está se sentindo confortável para usar short curto e só um ‘tapa peito’”, afirma a publicitária Rúbia Gregória, de 30 anos, que participou do cortejo do bloco Garotas Solteiras nessa segunda-feira (20).

Oficialmente, a Guarda Municipal também não registrou nenhum caso de importunação sexual relacionado à festa e a Polícia Militar só divulga o balanço de ocorrências na Quarta-feira de Cinzas.

Apesar disso, houve três acionamentos de botão do pânico, desde a sexta-feira (20), em linhas de ônibus da capital, denunciando homens que teriam tentado beijar jovens à força ou passado, propositalmente, os órgãos sexuais em passageiras. Além disso, um homem foi preso por importunação sexual nessa segunda-feira (20) no bairro Cruzeiro. Uma mulher também procurou ajuda de guardas na praça da Estação, no sábado, porque um homem teria passado a mão nela. Ela foi atendida pelas autoridades, mas desistiu de dar prosseguimento à denúncia na delegacia especializada.

Além de toques indevidos e “beijos roubados” serem considerados crimes de importunação sexual desde 2018, neste ano pesou o fato da Prefeitura de BH ter reforçado a campanha contra o assédio por meio de um grupo especializado da Guarda Municipal.

A guarda civil Aline Oliveira dos Santos Silva, de 40 anos, representante dessa equipe, confirma o relato das folionas e acredita que as campanhas educativas e a divulgação dos mecanismos usados para monitorar os blocos são os grandes responsáveis pela redução dos casos de assédio em 2023. “O centro de monitoramento da prefeitura colocou mais de 2 mil imagens do percurso e dispersão dos blocos à disposição dos agentes. Há ainda voos de drones. Tudo isso pode inibir essas ações”, explica.

Além da campanha de prevenção, o grupo especializado da Guarda Municipal recebeu treinamento para que não ocorra a revitimização das mulheres que procuram ajuda. Perguntas como “o porquê de ela estar na rua sozinha” ou “o porquê de estar usando determinada roupa” estão proibidas. “Houve uma preocupação para preparar o efetivo para que se atenha aos fatos”, explica Aline. Segundo ela, a orientação é prestar atendimento adequado e encerrar a ocorrência na Delegacia das Mulheres.

A vendedora Solange Correia, de 44 anos, que aproveitou o desfile do Beiço do Wando, no domingo (19), também acredita que a mudança de comportamento dos foliões tem relação com a divulgação de campanhas de conscientização. “Elas são cada vez mais necessárias”, diz. Segundo ela, está tendo muito respeito na festa. “Já participei de outros carnavais e comparando com esse, teve uma melhor”, diz.

No bloco Baianeiros, que arrastou uma multidão no bairro Castelo no domingo (19), a turista Fabíola do Nascimento, de 43 anos, relatou que não sofreu assédio. “O pessoal está curtindo de boa”, disse.

 

Mulheres criam estratégias para ficarem mais seguras

Episódios de assédio no Carnaval de BH também vêm sendo rechaçados pelo próprio público. A pedagoga Jéssica Rodrigues Coutinho, de 27 anos, conta que um homem puxou o cabelo de uma amiga e falou coisas inapropriadas durante um desfile. A jovem se desvencilhou com um tapa no assediador e foi logo acolhida por foliões do entorno. “Outras pessoas chegaram perguntando se estava tudo bem, se ela precisava de ajuda e ele saiu”, conta Jéssica.

Uma tática que também vem dando resultado contra a violência sexual é fruto da sororidade. “Mesmo que não se conheçam, uma vai mais junta das outras. É algo que não acontecia. Estratégia de proteção”, explica a guarda-civil Aline Silva

O medo do assédio também fez com que as mulheres escolhessem blocos mais tranquilos e “familiares”. O Samba do Queixinho foi o bloco escolhido pela desenvolvedora de softwares Gabriela Guerra Guerra, de 30 anos, no domingo (20). “Me sinto mais segura. Posso ir ao banheiro desacompanhada, que nada acontece”, explicou.

 

Importunação sexual é crime

Desde 2018, a importunação sexual, ou seja: qualquer ato libidinoso, como toques em partes íntimas e beijos à força, passou a ser tipificada como crime pela Lei 13.718. A pena vai de um a cinco anos de prisão.

Em 2020, o último Carnaval antes do início da pandemia, o número de violência sexual chegou a aumentar 50%, segundo a Polícia Militar. No ano, foram então registrados 18 casos contra 12 na folia de 2019.

Em 2020, o que acontecia com muita frequência era o beijo roubado e passar a mão sem consentimento, propositalmente”, lembra a guarda-civil Aline Silva. Segundo ela, apenas três ocorrências foram registradas naquele ano, mas há a consciência de que o número pode ter sido muito maior. “Muitas vezes, a vítima acha que o assédio não vai dar em nada. Não tem conhecimento sobre o que pode implicar. É um crime tipificado e o desconhecimento fez com que não relatassem”, explica.

As vítimas podem denunciar os crimes com os agentes nas ruas, pelo telefone 153, da Guarda Municipal, e pelo 190, da Polícia Militar.

 

Fonte: O Tempo

 

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