Vou entrar em algumas considerações sobre a política brasileira de combustíveis devido à urgência de tentar barrar um avassalador e cínico aumento deles. A Petrobras comunicou internamente, na quinta-feira, que no fim de semana os combustíveis teriam mais um aumento, de 24%, para equiparar preços internos aos praticados no mercado internacional, com o barril a US$ 112. Isso ao arrepio da produção interna, que deveria garantir a autossuficiência nacional de combustíveis. Entretanto, a Petrobras, de tanto ter sido roubada no passado, dos mais de 3 milhões de barris por dia que extrai, tem capacidade de refinar apenas 1,8 milhão. Precisa importar derivados e exportar petróleo bruto.

No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro definiu os lucros da estatal como “um estupro”, já que registraram no último trimestre 3.718% de aumento. Pularam de R$ 1,2 bilhão no mesmo período de 2021 para R$ 44,5 bilhões no de 2022. O “lucro-estupro” atingiu o lado mais vulnerável da sociedade: a população brasileira, especialmente a mais carente, que paga com o encarecimento da cesta básica os lucros da Petrobras. Significa diretamente aumento de privações, fome e sofrimento.

Um monopólio estatal não está a serviço de lucros exorbitantes e despudorados que castigam a nação inteira, dona da própria estatal.

Usa-se o “dogma” econômico de paridade internacional de preços para encher de lucros desproporcionais a estatal, que em tese deveria estar protegendo uma nação, e não a violentar, devastando a economia inteira do país.

De fato, usa-se uma meia-verdade para o aumento indecente; importamos derivados e exportamos petróleo bruto. Aumentaram os lucros das exportações que ficam no cofre da Petrobras, e os aumentos dos derivados são pagos pelo consumidor. Não se faz uma compensação de lucros com despesas, ambos extraordinários. A que serve o monopólio?

Como chegamos a esse ponto? Cerca de 14 anos atrás, deu-se início ao maior roubo já visto no planeta, o caso petrolão. E o pretexto da roubalheira era essencialmente a autossuficiência do refino, construindo novas refinarias. A maior delas era em Pernambuco, Abreu e Lima, terra do presidente Lula. O plano propinoduto, nunca visto, associou organizações criminosas, empreiteiras e partidos políticos.

Os culpados, grandes empreiteiros e políticos, estão soltos, enquanto um batedor de carteira fica preso por dez anos.

Espantosamente, as condenações foram transformadas em perdão, por meio de atos de leniência ridículos em seus valores.

Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e outras confessaram parte dos crimes e retomaram de imediato as condições de paridade com quem nunca se apropriou de um real.

Se a palavra “obras” gera suspeitas, hoje, as empreiteiras do petrolão levaram suas mesas de bandidagem para Paris, os negócios agora se chamam “concessões públicas”, uma forma mais sofisticada de assaltar os cofres públicos e a população. O Rodoanel de BH é a sua demonstração debaixo do nosso nariz, espantosamente defendida pelo governo de Minas!

Uma nação inteira paga por um monopólio estatal que deveria estar a seu serviço.

É preciso retornar a 23 de abril de 2017 para compreender melhor os fatos atuais. Naquele dia, informações da delação do executivo da Odebrecht Márcio Faria da Silva à PGR revelaram que as obras realizadas na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, a mesma que resolveria os nossos problemas de refino, renderam R$ 90 milhões em propinas para ex-executivos da Petrobras ligados ao PP, ao PT, ao PSB. Segundo ele, as maiores empreiteiras do país se reuniram previamente para combinar a forma de atuação na licitação. As obras ficaram com Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão. Em dezembro de 2009, o valor de R$ 1,485 bilhão e outro, de R$ 3,19 bilhões, selaram os contratos para a construção da maior refinaria do país. Com valor inicial de R$ 7,5 bilhões, as obras não foram totalmente concluídas e custaram R$ 58,6 bilhões, cerca de 800% a mais do que o previsto para a obra total.

Apesar do custo, a capacidade de refino foi reduzida de 230 mil barris por dia (70% destinados à produção de óleo diesel) para 115 mil barris por dia. Isso com “tecnologia brasileira” (grande fanfarronice para justificar corrupção colossal). Digo fanfarronice porque nem uma inteligência mediana aceitaria a tecnologia brasileira; enquanto uma refinaria na Coreia do Sul custou US$ 4,5 bilhões para processar 800 milhões de barris de petróleo por dia, a Abreu e Lima, em Pernambuco – que ficou pela metade do previsto –, consumiu US$ 18,5 bilhões para processar 115 mil barris por dia. Uma verdadeira orgia de corrupção.

Ora, na Coreia se implantou uma refinaria por US$ 5.625 em capacidade de refino de barril por dia, e a Petrobras gastou “com tecnologia brasileira” (Odebrecht e outras) US$ 160.870 por barril por dia. Isso quer dizer um superfaturamento de 28,5 vezes, 2.850%. E hoje, mais do que nunca, dependemos da importação de diesel, paradoxalmente tendo gastado muito mais do que o necessário para conseguir a nossa autossuficiência e ainda assistir a predadores e bandidos preparando outros golpes.

O mecanismo da podridão é uma fênix, que voltou a levantar voo das cinzas.

  • No artigo acima, Vittorio Medioli resumiu com maestria o tema que, certamente, refrescará a memória de muitos de nós que buscamos melhor desvendarmos este importante assunto que nos últimos dias atormenta a nação brasileira.  A coluna em questão, aqui transcrita, foi publicada no dia 8 de maio, pelo jornal “O TEMPO”.

 

 

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