Quase um ano depois do esquema de fraudes na produção de leite, deflagrado no Sul de Minas em outubro de 2007, consumidores devem continuar atentos quanto à qualidade da bebida láctea que é vendida nos supermercados. O problema agora não é adulteração intencional com água oxigenada e soda cáustica, mas falhas na fabricação dentro das indústrias ou no acondicionamento nas gôndolas dentro dos supermercados e padarias. O cuidado deve ser redobrado, já que o laticínio é item básico da alimentação e, quando impróprio ao consumo, representa sério risco à saúde. Entidades de defesa orientam que fabricante e revendedor são responsáveis pelos danos causados aos clientes.
No último mês de abril, a dona-de-casa Maria de Lourdes Bezerra da Silva, de 52 anos, comprou uma caixa de 12 litros de leite UHT desnatado Marajoara em um supermercado no Bairro Funcionários, Zona Sul de Belo Horizonte, válida por mais algum tempo. A família chegou a consumir dois litros até que a filha percebesse um gosto estranho. ?Eu virei a caixa na pia e o fundo estava todo amarelo, o leite coalhado. Abri mais três, e estavam todas estragadas.? Dona Lourdes resolveu não reclamar. ?Mas é um absurdo. Poderia ter feito mal à minha família?, diz, cética, depois de ter trocado a marca do produto.
O analista de sistemas Alex Simonetti Abreu, de 33, também comprou, em um sábado do início de julho, o conjunto de 12 caixas de um litro de leite de marca igual, com validade entre 24 de maio e 24 de outubro de 2008, por R$ 1,70 a unidade, num supermercado em BH, e teve a mesma surpresa da dona-de-casa. ?Na terça-feira, quando abrimos a primeira caixa, o paladar estava ruim. Minha ex-mulher abriu por cima, e estava tudo estragado, coalhado, parecendo requeijão. Tentamos coar, mas o leite nem mexia.?
Prevenido, Alex guardou as caixas, a nota fiscal, e fotografou tudo. Depois de registrar reclamação no Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) do supermercado e anotar o lote, ficou estarrecido ao chegar ao supermercado e perceber que outras caixas da mesma série ainda estavam nas gôndolas. ?A funcionária nos disse que estavam recebendo muitas reclamações sobre esse leite, e a chance de outras pessoas comprarem era grande?, indigna-se, mesmo depois de ter conseguido trocar o produto, mas por outra marca mais cara. ?Foi um descaso com a saúde dos clientes. Fico aflito só de pensar que minha mãe poderia ter tomado esse leite.?

Mesmo lote
Em maio, o problema se repetiu em Brasília, com a vendedora Vivian Alexandra Wilke, de 27 anos, com o mesmo leite do lote 633755. Dos 12 litros comprados, consumiu duas caixas e jogou fora outras duas, depois de perceber o estado da bebida. ?Vi que estava estragado porque quando fervia, coalhava. Levei um susto, pois compro Marajoara há seis anos. Troquei no supermercado?, diz, apesar de continuar comprando o leite da marca, atraída pelo preço mais em conta.
Em Santo André, interior de São Paulo, a dona-de-casa Hidely Viola Masson, 58, costuma comprar três caixas de 12 unidades de leite por mês para a mãe. Coincidência ou não, foi a um supermercado da cidade, onde adquiriu, em abril, a quantidade necessária do leite Marajoara por R$ 1,10 o litro, na promoção. ?Quando fervemos, estragou, ficou azedo, com um cheiro fortíssimo. Tentei contato com o SAC da indústria, mas não consegui?, lembra. Procurada pela reportagem, a Marajoara Alimentos, que está há 34 anos no mercado lácteo e tem sede em Hidrolândia (GO), recusou-se a falar sobre o assunto.

Fabricante e lojas são responsáveis
A situação vivida com leite impróprio está enquadrada no que é chamado de acidente de consumo pelo Código de Defesa do Consumidor, que trata de tudo o que é englobado no âmbito da saúde e segurança e que pode atingir a integridade física das pessoas, como explica a coordenadora do Procon Municipal de Belo Horizonte, Stael Riani.
Na segunda seção da lei, sobre a responsabilidade pelo produto e serviço, o artigo 12 atribui ao fabricante, produtor, construtor, nacional e estrangeiro, e ao importador, independentemente da existência de culpa, a resposta sobre defeitos decorrentes da fabricação, manipulação, fórmulas, acondicionamento ou informações insuficientes sobre seus produtos.
?No caso do leite, tanto o fabricante quanto o supermercado são solidários na responsabilidade sobre os problemas causados ao consumidor. Instaura-se processo interno e, se entre eles fica provada a culpa, a parte prejudicada também pode entrar na Justiça. Para o cliente, as sentenças prevêem indenização por prejuízos materiais e danos morais para esses casos, como custos médicos, do próprio produto e possíveis constrangimentos?, explica Stael.
Ela orienta que, ao desconfiar do leite, o consumidor deve tentar contato rápido com o fabricante, para informar o lote defeituoso. Como afirma, empresas sérias instauram investigação para apurar vícios na produção e manuseio, suspendendo o lote, e podem até determinar seu recolhimento das prateleiras, como é obrigatório por lei. ?Caso não receba resposta satisfatória da empresa, a pessoa deve recorre aos Procons quando tiver os documentos comprobatórios dos prejuízos. Mas, se não houver como mensurar os danos, o juizado especializado em relações de consumo é uma opção. Em caso de doença causada pela ingestão do leite, o prazo é de cinco anos, mas, se o consumidor percebeu o estrago sem ter tomado a bebida, o tempo para entrada nos órgãos competentes é de apenas 30 dias?, coloca.

Desconfiança
Para evitar constrangimentos, o alerta é desconfiar de preços muito abaixo do mercado (para o leite, a média é R$ 1,98 o litro). O cadastro dos Procons, sites especializados e outras referências sobre o tempo de funcionamento dos laticínios são boas fontes de informação. ?Já que o alimento é tão essencial na nossa vida, é sempre bom verificar a procedência?, conclui Stael, ressaltando que os direitos são mais garantidos com a nota fiscal, o número do lote e demais documentos, como laudos médicos em caso de infecção.

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