A Lei Ficha Limpa vai completar quatro anos em junho e, pela primeira vez, terá plena efetividade em uma eleição geral. Cercada de polêmicas e controvérsias quando criada, a legislação representa, agora, a proibição da candidatura de políticos que tenham sido condenados por órgão colegiado em processos criminais ou por improbidade administrativa, e daqueles que renunciaram ao cargo eletivo para escapar da cassação. Juristas ouvidos pelo Estado de Minas asseguram que não haverá brecha para os chamados fichas-sujas nas eleições de outubro.
Fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o juiz Márlon Reis alerta que os partidos e os candidatos que tentarem driblar a norma, diferentemente de 2010, sairão frustrados das eleições. Há três anos, dezenas de postulantes a cargos legislativos concorreram em situação sub judice, quando o registro não é concedido pela Justiça Eleitoral, mas o candidato insiste em disputar, mesmo sabendo que os votos poderão não ser contabilizados.
Em 2010, os senadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Jader Barbalho (PMDB-PA) e João Capiberibe (PSB-AP) foram barrados com base na Lei Ficha Limpa. Nas urnas, os três conquistaram votos suficientes para serem eleitos, mas não foram diplomados porque os registros das respectivas candidaturas haviam sido rejeitados. Eles tomaram posse no ano seguinte, graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a legislação não poderia ter sido aplicada naquele pleito, uma vez que a norma foi criada menos de um ano antes da eleição. O artigo 16 da Constituição estabelece que as leis que alteram o processo eleitoral só têm validade um ano depois de entrar em vigor.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro do STF Marco Aurélio Mello observa que o Supremo nem sequer chegou a analisar se os políticos acima mencionados estavam ou não elegíveis. ?O Jader Barbalho, por exemplo, foi salvo pelo gongo, pelo artigo 16. Mas o tribunal não proclamou a inaplicabilidade da Lei Ficha Limpa. Proclamou apenas que ela não se aplica às eleições de 2010, mas, a rigor, ele está exercendo o mandato com a condição de inelegível, porque o Supremo concluiu que a lei se aplica a atos e a fatos pretéritos?, destacou o magistrado, lembrando que, em fevereiro de 2012, o STF declarou a constitucionalidade da lei.
Poucos aventureiros Márlon Reis considera que neste ano poucos vão se aventurar a desafiar a Justiça Eleitoral, pois, segundo ele, as chances de sucesso em um eventual recurso serão praticamente nulas. ?Nas eleições de 2014, a Lei Ficha Limpa vai atingir um grande número de pessoas. Os fichas-sujas que se candidatarem serão apenas aqueles que desafiam o sistema, o que é um desserviço que os partidos prestam ao eleitor e a si próprios. Mas esse número deve ser pequeno, pois a maior parte dos atingidos são aqueles que nem tentam (se candidatar)?, sintetizou o juiz, que atua na Comarca de Imperatriz, interior do Maranhão.
Ele observou que a Ficha Limpa foi ?plenamente aplicada? às eleições municipais de 2012, mas, na ocasião, ainda havia muitas dúvidas. As brechas em relação à lei embaralharam o jogo eleitoral e prejudicaram inúmeros municípios do país, que até hoje enfrentam mudanças na chefia do Executivo por conta de pendências de candidatos na Justiça Eleitoral. ?Há algumas semanas, foi tirado o mandato do prefeito de Barra do Garças (MT), em processo ainda relacionado à Lei Ficha Limpa. A culpa é dele próprio e do partido que indica o nome de um candidato inelegível?, afirmou. Reis se referiu a Roberto Ângelo Farias (PP), condenado pelo TSE por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação quando candidato a deputado federal nas eleições de 2010.
O ministro Henrique Neves, do TSE, resume a situação da Lei Ficha Limpa. ?Em 2010, havia uma dúvida sobre a aplicabilidade da lei. No ano seguinte, o Supremo considerou que ela não seria aplicável, pela regra da anualidade. A Ficha Limpa já valeu de fato em 2012, mas surgiram dúvidas por ter sido a primeira vez em que foi aplicada. Já em 2014, ela se aplicará integralmente sem que pairem dúvidas sobre as hipóteses de inelegibilidade?, disse.
Contas rejeitadas Uma das controvérsias da lei que poderá perdurar durante a campanha de 2014 é a dúvida quanto à aplicação da Ficha Limpa no caso de gestores que tiveram os balanços de suas administrações rejeitados por tribunais de contas. O TSE já interpretou que políticos nessa situação ficam inelegíveis, como também já considerou que somente o Legislativo tem o poder de rejeitar contas. Segundo Henrique Neves, quando se trata de contas anuais do governo, o entendimento é de que a palavra final é do Parlamento, enquanto em relação às contas de convênios basta uma decisão do Tribunal de Contas.
No entanto, diante das constantes mudanças na composição do tribunal, há uma dúvida quanto à interpretação que os ministros do TSE darão ao trecho da lei que trata da inelegibilidade decorrente da rejeição de contas. ?O que a gente observa é que a jurispridência do TSE ainda é vacilante sobre alguns entendimentos que se alteraram durante a própria eleição municipal?, disse a advogada eleitoral Maria Cláudia Bucchianeri.
Memória
Iniciativa popular
Fruto de um projeto de iniciativa popular que reuniu mais de 1,6 milhão de assinaturas, a Lei Ficha Limpa foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em junho de 2010. Poucos dias depois, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que a regra poderia ser aplicada nas eleições daquele ano. O autor do primeiro recurso contra a legislação foi o ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC). O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) ficou empatado e acabou suspenso sem a proclamação de um resultado. Roriz então desistiu de se candidatar ao governo do DF, indicando a mulher, Weslian, para concorrer. Somente em março de 2011, após dezenas de candidaturas serem barradas, o Supremo estabeleceu que a legislação não poderia ter entrado em vigor no pleito de 2010. Já em 2012, o STF julgou uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pedia que a regra fosse declarada válida. Os ministros definiram, por maioria, que a Lei Ficha Limpa é constitucional e que atinge renúncias ou condenações anteriores à data em que a norma foi publicada.

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