A cultura de diálogo que fortaleça os valores democráticos nas escolas é um dos caminhos apontados por educadores para frear o aumento de ataques em escolas do país. Antes incomuns, os crimes têm exigido atenção das autoridades e gerado alerta entre famílias e estudantes.

Catarina de Almeida, professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), vê as instituições de ensino mais vulneráveis por motivos que não estão ligados à falta de instrumentos de segurança. “As escolas têm sido perseguidas quando tratam de temas como educação sexual, questões de gênero, racismo e misoginia“, aponta.

Segundo ela, muitos parlamentares expõem a figura do professor ou da professora. “Isso é uma questão muita séria para a saúde psíquica desses professores. Ainda passam para a sociedade a ideia de que qualquer pessoa pode entrar numa escola e dizer o que ela deve ou não fazer“, assinala.

Catarina avalia que a redução de componentes curriculares de ciências humanas e sociais aplicadas – como história, filosofia, sociologia e geografia — no ensino médio faz que os estudantes tenham dificuldade para compreender noções de justiça, solidariedade, respeito aos direitos humanos e combate a preconceitos de qualquer natureza. Ela defende a criação de políticas públicas para capacitar comunidades escolares e familiares a identificar alterações comportamentais em jovens e observar o conteúdo digital consumido por crianças e adolescentes.

Para a educadora Telma Vinha, coordenadora de pesquisa realizada pela Unicamp sobre casos de ataques em escolas por alunos e ex-alunos, é preciso desenvolver, por meio de políticas públicas, uma cultura de diálogo nas escolas que fortaleça os valores democráticos. Uma das opções é a criação espaços de expressão de sentimento, voltados para fomentar um clima positivo na convivência, e de espaços de mediação de conflitos que podem envolver assembleias coletivas e reuniões privadas onde os estudantes aprendem a usar o diálogo em substituição à violência.

Telma destaca que hoje os profissionais da educação só atuam depois que os conflitos entre alunos já estão ocorrendo na escola. “É preciso criar um clima positivo de convivência capaz de evitar que eles surjam. Isso só é possível capitaneado pelo Ministério da Educação, por secretarias estaduais de educação. Não dá para responsabilizar individualmente cada escola“, diz.

Segundo ela, quando ocorrem esses episódios, muitas das soluções apresentadas se baseiam apenas em medidas de segurança. “Nos EUA, o excesso de aparato de segurança nas escolas não resolve. Lá tem detector de metal, câmeras 3D e os casos continuam ocorrendo”, alerta.

Paralelamente aos projetos que envolvem a escola, a ampliação do trabalho de inteligência é considerada fundamental. Na semana passada, mensagens contendo ameaças de ataque a uma escola do Rio de Janeiro foram encontradas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) durante monitoramento na internet.

O conteúdo foi encaminhado à Polícia Civil, que apreendeu uma adolescente de 12 anos, órfã de mãe e, segundo as investigações, com problemas de relacionamento na instituição de ensino, onde seria vítima de bullying. De acordo com os policiais, ela admitiu ser a autora das mensagens. Em 2021, um jovem de 16 anos foi apreendido em Goiânia após a identificação de conversas em que ele admitia ser fã do nazismo e afirmava estar pronto para cometer um ataque em escola, pois teria facilidade em acessar material bélico.

Telma observa que hoje não há uma plataforma centralizada de denúncia, em que estudantes possam denunciar quando veem algo na internet ou em grupos privados. “Às vezes contam para o diretor, que não sabe o que fazer e faz um boletim de ocorrência na delegacia do bairro“, relata. Ela avalia que a criação de um canal unificado facilitará as denúncias e permitirá que elas sejam investigadas com inteligência.

 

Armas de fogo

Nem todos os episódios de violência em ambiente escolar estão relacionados a armas de fogo. Ainda assim, de acordo com o levantamento da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as armas de fogo foram usadas em mais da metade dos casos: 12 dos 22 ataques. Em seis episódios, o jovem teve acesso ao armamento em casa.

O documento produzido pelo grupo mobilizado por Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), compilou dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública para apontar os efeitos das políticas de flexibilização das normas para compra de armas adotadas durante o governo de Jair Bolsonaro, entre 2018 e 2022. No período, o número de registros de armas em mãos de caçadores, atiradores e colecionadores quase sextuplicou e alcançou a marca de 673.818.

Esses dados são fundamentais para a desconstrução da narrativa que coloca essa violência na conta das escolas e aponta soluções fáceis, que, geralmente, culpabilizam as instituições escolares”, apontam os pesquisadores. Eles cobram alterações normativas e legais que revertam esse quadro.

 

Mudanças na legislação

No documento, educadores defendem atualizações no Código Penal para tipificar condutas relacionadas à cooptação e ao recrutamento de crianças e adolescentes por grupos e ideologias de extremistas de direita. Também advogam pela tipificação da fabricação, comercialização, distribuição e veiculação de símbolos, emblemas, distintivos ou propaganda de teor supremacista que façam ou não uso da cruz suástica.

Outra mudança fundamental na ótica dos pesquisadores é a adoção de um novo marco regulatório para a internet que seja capaz de oferecer mecanismos contra a circulação de discursos de ódio e desinformação promovidos não apenas por grupos neonazistas, mas também por lideranças públicas políticas e sociais que ganharam visibilidade em diversos lugares do mundo onde a extrema-direita cresceu nos últimos anos. Fóruns virtuais, chats, redes sociais e aplicativos como Telegram, Whatsapp e Discord se tornaram espaços de disseminação desses conteúdos.

A responsabilização das plataformas pelas publicações dos usuários exige alterações no Marco Civil da Internet. O tema esteve em pauta em audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em março. Telma observa que fóruns de grupos neonazistas se encontravam anteriormente na deep web, que não é indexada em sistemas de busca e tem acesso mais restrito, a partir de navegadores específicos. “Nos últimos anos, eles passaram para a superfície da internet. É de fácil acesso pelas redes sociais”, afirma.

Os pesquisadores da Unicamp têm prints de mensagens ameaçadoras encontradas em redes sociais. Uma delas, em que o autor afirma já ter armas, vestimentas e um parceiro na escola, que topou executar seu plano, tinha 43 curtidas. A publicação ficou cerca de um mês no Twitter.

A forma de funcionamento dos algoritmos das redes sociais também preocupa: quando o usuário curte uma mensagem desse teor ou assiste a um vídeo com discurso de ódio, outros perfis e publicações similares são recomendados a ele. E, além de facilitar o acesso a esses conteúdos, muitos deles são monetizados a partir de publicidade direcionada pela própria plataforma.

 

Abordagem jornalística 

Cuidados que a mídia deve ter ao reportar um ataque foram discutidos em webinário promovido pela Jeduca, associação formada por jornalistas que acompanham educação. Pesquisadores consideram que determinados tipos de cobertura podem influenciar novos episódios. Para Catarina, é preciso uma abordagem jornalística que evite dar notoriedade ao autor do ataque, uma vez que esse é seu objetivo e a atenção da mídia é percebida como recompensa.

Ela considera inadequado mostrar imagens da ação e dar relevância à história de vida do autor. “A exposição aumenta o status social daquele que provocou o ataque, gerando uma notoriedade que é desejada por outros”, observa.

Em sua visão, o detalhamento da história de vida do autor individualiza o caso e pode, por exemplo, passar a ideia equivocada de que ele está unicamente relacionado a um quadro de depressão. Ela reitera que se trata de um fenômeno mais complexo. “Ficar dizendo que o autor estava se vingando por ter sofrido bullying e falar de suas origens pode fazer que outros jovens se identifiquem.”

Além disso, coberturas extensas com relato minucioso que revela o passo a passo do plano de ataque podem proporcionar disseminação de informação indesejada. “Os autores buscam observar aquilo que outros já fizeram. Como eles não se conhecem, onde eles buscam obter essas informações? Na mídia. Então a mídia pode influenciar a proliferação dos ataques realizados por jovens em escolas.”

A pesquisadora afirma que há projetos de lei em tramitação no Congresso inspirados em medidas adotadas na Nova Zelândia, onde é proibido noticiar informações sobre o autor do ataque e sobre os procedimentos utilizados. Ela observa que diretrizes já elaboradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para cobertura de casos de suicídio também podem ser válidas para reportagens sobre ocorrências de ataques em escolas. A entidade recomenda evitar o sensacionalismo, não mostrar vídeos e fotografias da ação, não fornecer descrição passo a passo dos métodos.

Para Catarina, é preciso reduzir o tempo de cobertura midiática dado aos ataques. De outro lado, ela acredita que a imprensa pode contribuir para o enfrentamento da situação se se concentrar nas punições, se retratar a ação como algo vergonhoso e se acompanhar e cobrar a implementação de propostas.

 

Fonte: Itatiaia

 

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