Um estudo divulgado recentemente por pesquisadores da Universidade de Zhejiang, na China, repercutiu na imprensa e nas redes sociais ao apontar que o consumo frequente de frituras – em especial de batatas fritas, iguaria que faz sucesso nos lares, lanchonetes e bares Brasil afora – pode estar associado a um aumento no risco de depressão e ansiedade.

Segundo a pesquisa, que contou com a participação de 140.728 pessoas acima dos 11 anos, o consumo regular de frituras pode estar relacionado a um risco 7% maior de desenvolver depressão e 12% maior de desenvolver ansiedade.

Vale lembrar que os estudiosos excluíram os participantes diagnosticados com depressão nos primeiros dois anos da investigação científica para garantir que os resultados não fossem influenciados por fatores preexistentes. A partir daí, eles puderam observar um total de 8.294 casos de ansiedade e 12.735 casos de depressão entre aqueles que consumiam frituras regularmente.

Para o médico psiquiatra Rodrigo Cunha Braga, membro titular da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), as conclusões são preocupantes, mas não chegam a surpreender. “Já existem diversos estudos mostrando que dieta e saúde mental estão relacionadas, muitos dos quais destacando os efeitos deletérios de alimentos processados e com alto teor de gordura saturada para o equilíbrio emocional”, informa, acrescentando que, para além da descoberta em si, a pesquisa é importante por funcionar também como um alerta, levando-nos a refletir sobre a influência da alimentação sobre os transtornos mentais e emocionais.

“Acredito que a divulgação dessa pesquisa seja importante para conscientizar as pessoas sobre como uma alimentação inadequada pode afetar não só a saúde física, mas também a psíquica. Cabe a cada um de nós fazer escolhas mais saudáveis em relação à dieta e buscar informações sobre nutrição e bem-estar. O equilíbrio na alimentação é fundamental para nossa saúde geral e deve ser sempre uma prioridade”, garante.

Como o psiquiatra observa, embora ainda não exista uma resposta definitiva sobre o papel dos hábitos alimentares no desenvolvimento desses transtornos, há cada vez mais evidências de que a dieta pode afetar nossa saúde mental, afinal, nosso cérebro precisa de nutrientes para funcionar corretamente. Além disso, alguns alimentos são ricos em substâncias que podem afetar diretamente o nosso humor e nosso comportamento, seja para o bem ou para o mal.

Por um lado, por exemplo, há evidências de que alguns alimentos podem ser prejudiciais à saúde mental. Além das frituras, alimentos ricos em açúcar, como doces e refrigerantes, e em gordura saturada, como carnes vermelhas e queijos, assim como pratos ultraprocessados e bebidas alcoólicas, podem estar associados a um maior risco de transtornos mentais, causando prejuízo à cognição, dificuldade de concentração e de memória. Por outro lado, alguns estudos sugerem que o consumo de alimentos ricos em ômega-3, como peixes, nozes e sementes, pode ajudar a reduzir o risco de depressão e ansiedade.

“Bons hábitos alimentares podem, portanto, funcionar como uma barreira para o desenvolvimento desses transtornos. Isso inclui uma alimentação rica em frutas, legumes, verduras, proteínas magras e grãos integrais”, conclui Braga.

Transtornos são multifatoriais. 

Embora ainda haja muito a ser descoberto sobre a relação entre alimentação e saúde mental, o psiquiatra Rodrigo Cunha Braga lembra que a dieta é apenas um dos muitos fatores que influenciam o nosso bem-estar emocional. Outros fatores, como o ambiente, o estilo de vida e a genética, também desempenham um papel importante para o desenvolvimento de distúrbios psíquicos. Por essa razão, embora seja uma proteção, seguir uma rotina alimentar rigorosamente saudável não é uma garantia de que a pessoa não terá chances de sofrer com algum tipo de transtorno mental – um mal cujo tratamento exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo não só melhores hábitos alimentares, como também a psicoterapia, a prática de exercícios físicos e o uso medicamentos, quando houver prescrição médica.

Obsessão por dieta saudável também pode ser nociva

Na avaliação da nutricionista Ana Paula Lenoir, 43, a demonização de grupos alimentares sob o pretexto de se alcançar uma dieta ideal pode se revelar uma armadilha. “Não há nenhum problema em si permitir um prato que não é considerado saudável, desde que o consumo seja esporádico e em pequenas quantidades”, comenta. “A batata frita, por exemplo, vai se tornar uma questão quando a pessoa passa a usá-la como um suporte emocional, exageradamente na ingestão daquele alimento – o que, obviamente, vai ter consequências”, indica.

As ponderações de Ana Paula estão alinhadas com teses defendidas pelo médico norte-americano Steven Bratman, criador do termo “ortorexia nervosa”, que descreve um tipo de comportamento alimentar em que, ambicionando um ideal de saúde, passa-se a ter atitudes altamente restritivas e disfuncionais, que podem, inclusive, levar ao adoecimento.

“O problema mais visível associado a esse comportamento é o enfraquecimento de vínculos sociais causado pela recusa de participar de eventos e reuniões devido à preocupação excessiva com a alimentação. Mas há outros desdobramentos. A pessoa sujeita a crenças tão rígidas torna-se cronicamente ansiosa e tende a se sentir frustrada, uma vez que seria impossível cumprir todas as normas impostas para atingir aquele ideal utópico”, descreveu a psicóloga Michelle Verneque, especialista em comportamento alimentar.

Fonte: O Tempo

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