É delicado o quadro das cirurgias marcadas com antecedência, as chamadas eletivas, no Sistema Único de Saúde (SUS) de Minas Gerais. Os procedimentos, que em muitas especialidades enfrentam gargalos históricos, permanecem suspensos em Belo Horizonte, desde 1º de julho, para pacientes do interior. Somente aqueles inscritos antes dessa data têm sido atendidos. O cenário de crise no estado – que chegou a suspender na mesma data 60% das cerca de 20 mil operações/mês, ou 12 mil intervenções a menos –, começa a se equilibrar, depois que o Ministério da Saúde normalizou o repasse de uma verba de incentivo (Fundo de Ações Estratégicas e Compensação – Faec), criada em 2011 para ampliar a oferta, com remuneração diferenciada para prestadores de serviço. Mas ainda não há previsão para que a marcação desses procedimentos se estabilize. Mesmo com aporte de R$ 42,9 milhões, anunciado ontem pelo Secretaria de Estado da Saúde (SES), há garantia financeira para os procedimentos, em ritmo normal, apenas até o mês que vem. Em outubro, a pasta garante que vai rever a política de marcações. Apesar de garantir que não haverá restrições, informa que vai revisar protocolos e priorizar aqueles que forem realmente “indicados e necessários”.

O problema se agravou em julho, quando gestores estaduais e da capital anunciaram o fechamento das portas para a realização de procedimentos. A capital continuou promovendo operações em pacientes residentes no município, mas cortou procedimentos destinados aos do interior, que dependem de repasses federais, segundo o município. Entre as cirurgias mais realizadas na rede SUS da capital estão as de varizes, hérnia, ligadura de trompas e de retirada de pedra na vesícula. Mas entram também na lista das eletivas operações ortopédicas, além de urologia, otorrinolaringologia, oftalmologia, entre outras.

De acordo com a SES, os atrasos do Faec somavam em julho cerca de R$ 100 milhões, acumulados desde outubro de 2014. Já o Ministério da Saúde, responsável pelo repasse, afirma que não havia atraso, uma vez que os procedimentos devem ser pagos com recursos do limite financeiro de média e alta complexidade (teto MAC), também repassados pela União, e com verba própria de estados e municípios. “O Faec é um recurso extra, como incentivo à realização de cirurgias eletivas”, frisou a pasta. Ainda segundo o ministério, R$ 48 milhões foram repassados a Minas, o que quitou procedimentos feitos até fevereiro.

Essa liberação faz parte de um montante de R$ 143,3 milhões que o ministério repassou a 10 estados, por meio da Portaria 912, de 3 de julho. Para os valores a partir de março, o governo federal criou novas regras e, por meio da Portaria 1.034, de 23 de julho, determinou que a transferência dos recursos passaria a ser feita depois a realização dos procedimentos cirúrgicos nos hospitais. Além disso, formalizou no documento a destinação de R$ 143,2 milhões para todo o país, com reserva de R$ 16 milhões para Minas até o fim do ano. 

IMPACTO Mesmo com esse anúncio, as portas dos 19 hospitais que fazem eletivas em BH continuam fechadas para pacientes do interior porque, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, os valores repassados pelo ministério para a capital foram calculados com parâmetros inferiores ao que já foi autorizado e pago pelo município. A alegação de BH é de que o anúncio da União de padronizar do dinheiro do Faec, pagando até 100% acima da tabela SUS aos médicos especializados para realizar as eletivas, gerou um impacto de R$ 4,5 milhões mensais a menos para BH para as operações agendadas. Isso porque o “incentivo” recebido pela PBH girava em torno de 218% acima da tabela.

A secretaria municipal explica que, em relação ao pactuado, Belo Horizonte realizou até maio os mesmos procedimentos e valores investidos durante o ano de 2014. “Somente após o informe do Ministério sobre a redução, em maio, é que a secretaria passou a vetar novas demandas”, acrescentou. Por isso, até que o custeio seja resolvido entre as esferas de governo, Belo Horizonte não inscreverá novos pacientes do interior, como informou a secretaria, que sustenta manter diálogo com estado e União para retomar as marcações.

Dos R$ 42,9 milhões que o estado vai destinar para os procedimentos até agosto, R$ 2,5 milhões são para a capital, com expectativa de subsidiar 2,7 mil cirurgias eletivas, em média mensal, mas para pacientes já inscritos na fila. Ou seja, novas marcações para moradores de outros municípios permanecem suspensas, mesmo com o aporte anunciado. A secretaria municipal ressalta, no entanto, que as operações de urgência não estão com acesso restrito e que municípios podem repactuar suas demandas com outras cidades. 

SOBRECARGA Mas cidades que têm Belo Horizonte como referência têm enfrentado dificuldades para dar conta de suas demandas. Sabará, por exemplo, já tem recebido pedidos de Ribeirão das Neves, Jaboticatubas, Rio Acima e Desterro de Entre Rios para cirurgias eletivas. “Agora que BH fechou as portas para as cirurgias eletivas, os prefeitos têm de dar seus pulos para atender a população”, desabafa André Ferreira Torres, prefeito de Santana do Riacho, na região da Serra do Cipó. 

Ele conta que, há alguns dias, esteve pessoalmente no Hospital Cristiano Machado, em Sabará, para reivindicar um mutirão para atender em torno de 20 cirurgias represadas no município, entre elas a de uma criança de 9 anos com hérnia, que precisava ser operada dos quadris. “A demanda é infindável”, explicou o diretor hospitalar Henrique de Alencar Gomes, da unidade sabarense. A Secretaria de Saúde de Sabará foi procurada, mas ninguém foi localizado para comentar a situação. (Colaborou Sandra Kiefer)

Jornal Estado de Minas

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