Em janeiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou o decreto 10.935, que prevê a flexibilização da exploração de áreas com cavernas, grutas e cavidades em geral. A medida altera a lei que vigorava desde 2008 e que impedia qualquer forma de interferência nas unidades consideradas de máxima relevância.

O decreto aponta que empresas que pretendem atuar em áreas onde há cavidades listadas no nível de proteção máximo tenham de justificar a necessidade de interferir na caverna, não extinguir espécies e fazer compensações ecológicas. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski suspendeu parte da medida em fevereiro, mas o processo ainda não entrou na pauta da apreciação conjunta da Corte.

Mesmo com a suspensão de pontos do decreto, a iniciativa preocupa ambientalistas e, em especial no município de Pains, se soma a outra medida que traz impacto para a regulamentação da atividade minerária na região. Em 2021, a Prefeitura da cidade assinou um convênio com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) que municipaliza o serviço de licenciamento ambiental.

A justificativa era trazer agilidade ao processo de licenciamento, que passou a ser feito apenas por autoridades da cidade de pouco mais de 8 mil habitantes. Um engenheiro ambiental que já atuou em Pains e preferiu não se identificar disse à reportagem que a medida já trouxe impacto, com aumento no número de licenciamentos para empreendimentos que já atuam na região. A prefeitura foi questionada sobre o número de licenças concedidas desde a assinatura do convênio, mas não respondeu.

Desequilíbrio

A municipalização do licenciamento preocupa pela capacidade técnica do município de operar a função de forma eficiente. Pains abriga cerca de um quarto das cavernas e grutas do estado, de acordo com o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav), e, para o ex-secretário de Meio Ambiente da cidade, não tem um corpo técnico capaz de fiscalizar se elas sofrem dano da atividade minerária.

“Não tem fiscal na Prefeitura. Quando era função do estado, tinha um corpo técnico com geólogos, engenheiros de minas, biólogos, geógrafos… Um corpo técnico concursado. Fiscalizar é o grande gargalo que temos para resolver. Pode-se até licenciar, há normas definidas, mas não tem uma equipe para fiscalização na prefeitura. O único fiscal concursado é formado em contabilidade”, aponta Mário Oliveira. A Prefeitura de Pains foi procurada para se posicionar sobre sua estrutura de fiscalização, mas também não respondeu aos questionamentos.

Potência minerária e espeleológica

O setor de estatística do Cadastro Nacional de Cavernas do Brasil (CNC) aponta que Pains tem 422 cavernas. Isso significa que 5,1% das cavidades cadastradas no país estão no município, e que ele é o segundo maior no quesito em território nacional. Ao mesmo tempo, quem entra na cidade se depara com a inscrição “Capital Mundial do Calcário”, em placa que se refere ao potencial minerador da região.

A formação geológica da cidade é o que lhe confere destaque tanto no patrimônio espeleológico quanto na disponibilidade do polivalente mineral usado em etapas da fabricação de vários produtos, como cimento, itens de metalurgia, plásticos, borrachas, cerâmicas, fertilizantes para o solo e até na alimentação de animais e na purificação de água.

Professor titular do Instituto de Geociências (IGC) da UFMG, Allaoua Saadi aponta que a origem da formação geológica da cidade está ligada à existência de um mar na região, há milhões de anos. “Há 150 milhões de anos, aquela região era ocupada por um mar que tinha algumas centenas de metros de profundidade. Então, os sedimentos que tinham origem na erosão das serras, especialmente na Serra do Espinhaço, que estava se formando naquele momento, aportavam nesse mar”, afirma.

A decantação desse material resultou nas formações que se observam hoje. “Como o clima é sempre mutante, quando estava mais seco, os sais, principalmente o cálcio, ficavam ali em quantidades grandes, saturando a água. O depósito ia formando o calcário, que tem na composição basicamente carbonato de cálcio. Naquela região, o magnésio se depositava também, por isso lá tem o dolomito, o que chamamos de calcário magnesiano. Ao longo de milhões de anos, houve um soerguimento do solo, o mar foi para outros locais e se formou uma área composta de barro e grandes massas de calcário dolomítico no meio”, explica.

A concentração de calcário é o que explica também a grande quantidade de cavidades. Conforme explica o professor Saadi, a característica desse mineral faz com que as intempéries, ao longo de milhares de anos, deem forma a grutas e cavernas. “Quando a área fica emersa, a erosão vai retirando o material barroso e o calcário começa a chegar à superfície. Como o calcário é uma rocha química, formada por sais, esses sais se dissolvem, especialmente com a presença de água. A dissolução vai criando fraturas, que favorecem a formação de dutos que levam a água para o interior da rocha e formam as cavidades e cavernas. Essa é a origem do patrimônio espeleológico”, descreve.

Reconhecidas por seu potencial turístico, grutas e cavernas têm importante valor científico na observação de formações geológicas e também para a preservação de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção da fauna e da flora. Além disso, a região de Pains é reconhecida pelo valor arqueológico de suas cavidades. No fim da década de 1990, ossos fossilizados de um mastodonte, hoje no Museu de Ciências Naturais PUC Minas, em Belo Horizonte, foram encontrados na cidade.

A importância arqueológica do município é evidenciada pelo Museu Arqueológico de Pains, situado em um parque no Centro da cidade, que reúne artefatos, imagens de pinturas rupestres e informações sobre a riqueza histórica das cavernas da região.

Moradores se queixam de abalos em casas e na saúde

Além do impacto no patrimônio espeleológico, a intensa atividade mineradora traz também efeitos para o perímetro urbano de Pains. O trânsito incessante de caminhões da cidade reflete a polivalência do calcário como matéria-prima, já que há veículos de empresas dos mais variados ramos tomando as ruas do Centro e dos bairros adjacentes.

Essa poeira faz muito mal para a saúde, tem muita doença respiratória por aqui. Este período seco, por natureza já é complexo. Nós temos um tráfego de caminhões pesados muito intenso, você nem sabe o que aquilo está jogando para cima, porque eles passam em vários locais, carregam cargas diferentes”, destaca o ex-secretário de Meio Ambiente Mário da Silva Oliveira.

Moradores ouvidos pelo portal do Estado de Minas reclamam também do barulho das explosões e dos tremores causados pelas detonações utilizadas pelas empresas na extração mineral. Nenhum deles quis se identificar, mencionando o contato próximo com empregados ou empresários do setor minerário.

“Tem muito tempo que desativaram a mina aqui atrás, mas foi porque o pessoal reclamou. Quando eles estavam operando, sempre que tinha explosão, voavam pedras até no nosso quintal”, disse uma moradora do Centro da cidade, referindo-se a um ponto de extração desativado a poucos metros de sua propriedade.

Para o ex-secretário de Meio Ambiente, a aposta da cidade deveria ser em investir em um equilíbrio entre as atividades minerárias e o bem-estar da população. “As casas têm problema de estrutura, o município tem gastos com a manutenção de calçamento, tem a poluição sonora, atmosférica, além do risco iminente da interferência na qualidade das cavidades subterrâneas.” Para ele, mais de 70% da renda da cidade vem da mineração, mas 90% dos problemas também vêm da atividade sem o devido controle.

Fonte: Estado de Minas

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