Foi tudo muito rápido. Em menos de 20 minutos, estava sacramentada a medida provisória com novas regras para acordos de leniência fechados entre empresas envolvidas em atos de corrupção e o governo. O texto assinado pela presidente Dilma Rousseff numa solenidade no Palácio do Planalto no dia 18 dezembro do ano passado mudava a chamada Lei Anticorrupção, em vigor há pouco menos de dois anos. A partir dali, as empresas não mais precisavam admitir prática de crime para aderir ao acordo. Quem assinasse passou a ficar liberado para voltar a contratar com o governo. Quinze dias antes da rápida cerimônia palaciana, o texto era diferente: tinha dois pontos importantes para assegurar punição dos envolvidos, mas eles acabaram desaparecendo da MP 703. A diferença dos textos foi mostrada pelo jornal “O Globo”, que conseguiu o texto original por meio da Lei de Acesso da Informação.

A versão original determinava que as empresas teriam que reparar integralmente o dano causado aos cofres públicos. No jargão oficial, essa era a “obrigação necessária” para a assinatura de um acordo de leniência em que a companhia envolvida em irregularidades pudesse pagar pelos atos de corrupção, e começar de novo a operar com o setor público. Também sumiu da versão final outro trecho estabelecendo que forma, prazo e condições da reparação deveriam constar dos termos do acordo.

Na solenidade daquele dia 18, a exigência de reparação integral chegou a ser citada no discurso de Dilma: “Nossa tarefa é garantir reparação integral dos danos causados à administração pública e à sociedade sem destruir empresas ou fragilizar a economia”.

Mas o texto que foi para o “Diário Oficial da União” diz apenas que a reparação – a palavra “integral” sumiu – considerará a capacidade econômica da empresa. A Lei Anticorrupção que a MP modificou continua prevendo que empresas são obrigadas a reparar o dano, mas a ideia de isso ser condição fundamental para assinatura de acordos de leniência foi guardada numa gaveta.

A versão da gaveta, que tem data do dia 3 de dezembro de 2015, tinha um segundo ponto relevante. Quando listava o que deveria estar entre os compromissos assumidos pela empresa, a MP ditava que “administradores ou dirigentes” das pessoas jurídicas poderiam ser afastados de seus postos por até cinco anos, contados a partir da data da assinatura da leniência. Esse assunto era grafado como o parágrafo 2º-A – que não existe na versão do “Diário Oficial da União”.

As duas exigências que desapareceram da MP não eram pontos desimportantes. Tanto é que o próprio governo destacou as medidas na minuta de Exposição de Motivos que foi assinada eletronicamente pelo então ministro do Planejamento Nelson Barbosa.

O texto explicava por que o governo iria propor tais regras: “Admite-se a reparação integral do dano como obrigação necessária para a celebração do acordo de leniência, resolvendo-se a questão da reparação, sua forma e condições no próprio acordo, dando maior celeridade ao ressarcimento do agente público lesado, e certeza jurídica nos efeitos da leniência”, dizia o texto ao se referir a uma regra que não vingou.

Procuradores ouvidos informaram, no entanto, que a MP abriu brecha para que o ressarcimento integral deixe de ser rápido, para se estender numa longa discussão judicial.

Posição

Nota. O Ministério do Planejamento diz que o texto da MP corresponde ao do projeto aprovado no Senado. “Não houve alteração na parte que estabelece que a aplicação de sanções não exclui a reparação integral”.

TCU critica possibilidade de anistia

Brasília. A MP da Leniência já foi descrita pelo procurador da Lava Jato Carlos Fernando dos Santos Lima como uma tentativa do governo de dar uma “anistia para a corrupção”. O Tribunal de Contas da União (TCU) também manifestou resistências ao texto.
Entre as críticas apresentadas está o fato de a empresa não ser obrigada a assumir participação nos ilícitos. Com a emenda que permite repercussão penal, poderia se ter um cenário em que a empresa não assume nada de ilegal e consegue liberar seus executivos da responsabilização criminal.

O projeto ainda deixa expresso que o acordo pode ser fechado com mais de uma empresa e prevê que a reparação do dano deve ser feita de acordo com a capacidade econômica da empresa. Também foi criticada a previsão de que ações de improbidade sejam paralisados pelo acordo, outra alteração que não pode ser feito por MP.

Justificativa de mudança sigilosa

Brasília. Boa parte dos documentos usados para justificar a edição de uma medida provisória está sob sigilo. O Ministério do Planejamento classificou os papéis sob argumento de que a divulgação de seu conteúdo poderia “oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do país”. Pareceres, ofícios e notas mantém a papelada longe de consulta pública até 2020. Uma pequena parte do processo, no entanto, pode ser consultada via Lei de Acesso.

Entre os papéis, há referência a uma nota técnica da Assessoria Econômica do Planejamento que traça um cenário sombrio sobre a situação da economia do país em 2015 que justificaria a edição de uma MP: consultores falando em queda do PIB acima de 3%, estimativa de nova queda no mesmo percentual em 2016, crise hídrica, elevação da taxa de câmbio e queda nos investimentos no setor de petróleo e gás.

Tentativa de livrar empreiteiros

Brasília. Nove parlamentares da base e da oposição apresentaram emendas à medida provisória que trata dos acordos de leniência para tentar incluir a possibilidade de livrar da prisão os executivos e acionistas das empresas.
As propostas foram apresentadas, mesmo a Constituição vedando expressamente que MPs tratem de “Direito Penal, Processual Penal e Processual Civil”.
O objetivo é acelerar a tramitação, uma vez que o projeto de lei que estende os benefícios aos dirigentes ainda está em comissão especial na Câmara e pode ter de retornar ao Senado.
A proposta tem recebido críticas por ser interpretada como uma tentativa de atender diretamente a investigados na operação Lava Jato.
As emendas são assinadas por políticos de PT, PMDB, PPS, DEM, PR, PMB e Rede. Para tentar driblar a proibição constitucional, o petista Walter Pinheiro (BA) argumenta que, quando o Congresso altera uma MP, ela passa a ser chamada de projeto de lei de conversão e, portanto, não haveria tal vedação.

 

Fonte: Reportagem: Portal O Tempo||http://www.otempo.com.br/capa/pol%C3%ADtica/governo-edita-mp-com-pena-mais-leve-a-empresa-corrupta-1.1234502

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