Uma grande mudança na Lei dos Planos de Saúde está sendo orquestrada pela Câmara dos Deputados. E, pelo jeito, não será nada benéfica para os usuários de assistência médica. Uma comissão especial analisa, em regime de urgência, mudanças na legislação de 1998 a partir da junção de 140 projetos que tramitam no Legislativo. Quinze entidades ligadas à defesa do consumidor divulgaram um manifesto contra as possíveis alterações, afirmando que elas atendem apenas aos interesses das empresas.

Entre as alterações pretendidas – que tornam a aprovação um retrocesso, na opinião dessas entidades – está a liberação dos reajustes dos planos de saúde individuais, que hoje são sujeitos a um limite pela Agência Nacional de Saúde (ANS). A proposta também inclui a proibição da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações entre usuários e planos. Hoje, o CDC é usado para respaldar a maioria das ações judiciais contra planos em razão de exclusões de cobertura, barreiras de acesso para idosos e doentes crônicos e reajustes abusivos.

Outras mudanças são a autorização de venda dos chamados planos “populares”, que apresentam restrições de cobertura; transformar em máximo o rol mínimo de itens de cobertura obrigatória pelos planos; e acabar com o ressarcimento ao SUS toda vez que um cliente de plano é atendido na rede pública.

O dirigente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e pesquisador do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, José Antônio Sestelo, afirma que o usuário pode ter prejuízos. “Na prática, o que o governo propõe é um retorno à condição que existia antes de 1998, quando não havia uma lei de controle sobre o comércio de planos e seguros de saúde”, explica.

A nota das entidades, que inclui a Abrasco, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e mais 13 instituições, alerta sobre a proximidade dos planos de saúde com parlamentares. Conforme registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os planos investiram oficialmente R$ 54,9 milhões nas eleições de 2014, o que contribuiu para eleger 29 deputados federais e três senadores.

O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da comissão especial, diz que há necessidade de aperfeiçoamento da lei, e que as mudanças devem ser feitas preservando o equilíbrio econômico-financeiro, para garantir a saúde das empresas. “Não pretendemos reinventar o sistema, mas aperfeiçoar, racionalizar e permitir que funcione melhor”, disse ele, após audiência para discutir o tema, no último dia 20.

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) contesta a declaração do manifesto, de que os brasileiros estariam insatisfeitos com os planos de saúde. A entidade afirma que, conforme pesquisa do Ibope a pedido do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), 80% das pessoas estão satisfeitas ou muito satisfeitas com seu plano de saúde. (Com agências)

A Agência Nacional de Saúde Suplementar iniciou a consulta pública para atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde. As contribuições podem ser enviadas até 26 de julho.

O que pode mudar

Oficialmente
O relator, deputado Rogério Marinho, diz que, por enquanto, apenas um diagnóstico está sendo realizado.

O que o Idec adianta sobre a nova lei após participar de audiências:
Proíbe a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos contratos de planos de saúde;
Autoriza a venda de planos “populares”, segmentados e com restrições de coberturas;
Acaba com o ressarcimento ao SUS, previsto na lei 9.656/1998, toda vez que um cliente de plano de saúde é atendido na rede pública;
Libera o reajuste dos planos individuais, que hoje obedece a teto anual determinado pela ANS;
Transforma em “máximo” o rol mínimo de cobertura.

 

Federação vai propor plano de capitalização

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) vai propor à comissão especial criada para reformar a Lei dos Planos de Saúde a criação de um plano com capitalização. Nesse novo formato, as pessoas formariam reservas durante sua vida profissional para, mais tarde, usá-las no pagamento de despesas de planos de saúde com mensalidades mais elevadas.

“É uma proposta antiga, de acoplar o plano de saúde ao da previdência”, afirma o diretor executivo da FenaSaúde, José Cechin. Usuários teriam a assistência do plano enquanto trabalhassem. Ao se aposentar, parte dos recursos de capitalização seria usada para pagar a mensalidade.

Minientrevista

Ana Carolina Navarrete
Advogada
Pesquisadora em saúde do Idec

Qual a posição do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) com relação à possível nova legislação sobre planos de saúde? 

Para o Idec, é inaceitável o método de trabalho da comissão especial, funcionando em regime de urgência, com a realização de poucas audiências públicas sobre um tema que requer discussões aprofundadas e com ampla participação de todos os segmentos interessados. Importante ressaltar que a atual Lei dos Planos de Saúde tem muitas lacunas e brechas que favorecem o mercado. Ela precisa de mudanças, mas não essas que estão sendo discutidas.

Quais são os principais prejuízos que o consumidor pode ter se a proposta se tornar lei? 

Além de rasgar o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a comissão pode incluir outros pontos muito desfavoráveis ao consumidor, como a liberação do reajuste anual de planos de saúde individuais – hoje, o aumento é limitado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e, ainda assim, já tem sido acima da inflação. A comissão também pode transformar o rol mínimo de coberturas obrigatórias, atualizado a cada dois anos pela Agência Nacional de Saúde (ANS), em máximo – de modo que o que não estiver na lista não seria coberto pelos planos. Outros pontos aventados que beneficiam diretamente as empresas de planos de saúde são a autorização da venda de planos chamados “acessíveis”, com imensas restrições de coberturas, e o fim do ressarcimento pelas operadoras ao Sistema Único de Saúde (SUS) toda vez que um cliente de plano de saúde é atendido na rede pública.

O que o Idec pretende fazer? 

O Idec e outras 14 organizações divulgaram um manifesto denunciando o risco de aprovação no Congresso, a toque de caixa, de uma nova lei sobre planos de saúde com grandes retrocessos para o consumidor. As organizações alertam que, pelo teor das audiências públicas já realizadas neste mês, e a partir de declarações públicas de parlamentares integrantes da comissão e de empresários do setor, uma das mudanças pretendidas com essa reforma é afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde – proposta rechaçada no nosso manifesto.

 

Fonte: O Tempo ||

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