O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu nesta segunda-feira (29) o sigilo da decisão que autorizou mandados de busca e apreensão contra empresários bolsonaristas que debateram a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil em mensagens de WhatsApp.

O conteúdo das mensagens foi revelado pelo site “Metrópoles” e embasou ações judiciais e um pedido de investigação da Polícia Federal – que também estava sob sigilo até esta segunda. Na decisão que autorizou as buscas, Moraes diz não haver dúvidas da possibilidade de “atentados contra a democracia e o Estado de Direito“.

“[…] Não há dúvidas de que as condutas dos investigados indicam possibilidade de atentados contra a Democracia e o Estado de Direito, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia; revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa identificada no Inq. 4.874/DF e também no Inq. 4.781/DF, ambos de minha relatoria“, diz trecho da decisão.

Os inquéritos citados por Moraes investigaram a disseminação de fake news e ameaças contra membros do STF e autoridades federais; e o funcionamento de uma “milícia digital” com os mesmos objetivos.

Segundo Moraes, as condutas sugeridas pelos empresários nas mensagens trocadas pelo celular estão abarcadas por esses inquéritos, “notadamente pela grande capacidade socioeconômica do grupo investigado, a revelar o potencial de financiamento de atividades digitais ilícitas e incitação à prática de atos antidemocráticos“.

Moraes afirmou que a busca e apreensão na casa dos investigados se justificou pois havia indícios de que poderiam ser encontrados elementos que provem irregularidades.

Na espécie estão presentes os requisitos do art. 240 do Código de Processo Penal, para a ordem judicial de busca e apreensão no domicílio pessoal, pois devidamente motivada em fundadas razões que, alicerçadas em indícios de autoria e materialidade criminosas, sinalizam a necessidade da medida para colher elementos de prova relacionados à prática de infrações penais”, escreveu o ministro.

Na decisão, Moraes cita o posicionamento da Polícia Federal sobre o caso, em que os policiais afirmam que os investigados não negaram a autoria das mensagens. Por isso, seria necessário que fossem tomadas as medidas judiciais para esclarecer totalmente o caso.

Os envolvidos não negam a autoria das mensagens, o que demonstra a necessidade das ações ora propostas para que o Estado não se fie somente em informações de fontes abertas e consiga aprofundar”, escreveu a PF.

Portanto, segundo Moraes, é necessário o “bloqueio de contas bancárias que possam financiar a organização criminosa“.

Núcleo de financiamento

Em manifestação sobre o caso, o juiz Airton Vieira, magistrado instrutor do gabinete de Moraes, disse que provas e indícios das investigações de inquéritos correlatos apontam para a existência real de um núcleo de financiamento de atos antidemocráticos e de produção de “notícias fraudulentas.

Ele cita o nome de dois empresários do grupo de WhatsApp que aparecem como supostos financiadores em inquéritos anteriores: Luciano Hang e Afranio Barreira.

Diante disso, afirmou o juiz, as mensagens trocadas no grupo de empresários não podem ser ignoradas.

“Dentro do contexto das investigações, não é possível ignorar as mensagens trocadas por um grupo de empresários, incluindo os dois anteriormente citados, que repetem o mesmo modus operandi ilícito verificado desde 2019, fomentando o ataque às instituições e ao próprio Estado Democrático de Direito“, afirmou Vieira.

Os possíveis crimes

Na decisão agora tornada pública, Moraes afirma que os fatos noticiados até aquele momento apontam “relevantes indícios” da prática de uma série de crimes. O documento lista as seguintes possibilidades:

  • Incitação ao crime (Art. 286 do Código Penal):Incitar, publicamente, a prática de crime. Pena: detenção, de três a seis meses, ou multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.
  • Associação Criminosa (Art. 288 do Código Penal):Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes. Pena: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
  • Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Art. 359-L do Código Penal):Golpe de Estado (Art. 359-M do Código Penal): Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena: reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
  • Golpe de Estado (Art. 359-M do Código Penal):Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena: reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
  • Financiamento de organização criminosa (Art. 2º da Lei 12.850/2013):Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa. Pena: reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

Relembre o caso

A Polícia Federal cumpriu na última semana mandados de busca e apreensão em endereços de oito empresários que compartilharam mensagens golpistas em um grupo de mensagens virtuais. A operação foi deflagrada em cinco estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará.

Além das buscas, Alexandre de Moraes também determinou:

  • bloqueio das contas bancárias dos empresários;
  • bloqueio das contas dos empresários nas redes sociais;
  • tomada de depoimentos;
  • quebra de sigilo bancário.

Mensagens reveladas pelo site “Metrópoles” mostram que empresários apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, começaram a defender um golpe de Estado caso o ex-presidente Lula (PT), também candidato à Presidência, vença as eleições de outubro.

O que disseram os alvos

Os empresários alvos das buscas e apreensões divulgaram notas na última semana, quando os mandados foram cumpridos.

A defesa de Luciano Hang enviou a seguinte manifestação do cliente: “Sigo tranquilo, pois estou ao lado da verdade e com a consciência limpa. Desde que me tornei ativista político prego a democracia e a liberdade de pensamento e expressão, para que tenhamos um país mais justo e livre para todos os brasileiros. Eu faço parte de um grupo de 250 empresários, de diversas correntes políticas, e cada um tem o seu ponto de vista. Que eu saiba, no Brasil, ainda não existe crime de pensamento e opinião. Em minhas mensagens em um grupo fechado de WhatsApp está claro que eu nunca, em momento algum falei sobre Golpe ou sobre STF. Eu fui vítima da irresponsabilidade de um jornalismo raso, leviano e militante, que infelizmente está em parte das redações pelo Brasil.”

Daniel Maia, advogado do empresário Afrânio Barreira, disse que a operação é “fruto de perseguição política e denúncias falsas, as quais não têm nenhum fundamento“. Disse ainda que o cliente está “absolutamente tranquilo e colaborando com a busca da verdade, a qual resultará no arquivamento da investigação“.

A assessoria de Luiz André Tissot informou que a empresa e o empresário não irão se manifestar sobre o tema.

A defesa de Marco Aurélio Raymundo informou que o cliente “ainda desconhece o inteiro teor do inquérito, mas se colocou e segue à disposição de todas autoridades para esclarecimentos“.

A defesa de Ivan Wrobel informou que o cliente tem “histórico de vida completamente ligado à liberdade”. “Em 1968 foi convidado a se retirar do IME por ser contrário ao AI5. Nada na vida dele pode fazer crer que o posicionamento daquele momento tenha mudado. Colaboraremos com o que for preciso para demonstrar que as acusações contra ele não condizem com a realidade dos fatos“, informou.

 

 

Por Camila Bomfim, Fernanda Vivas e Márcio Falcão, TV Globo / Fonte: G1

 *Atualizado às 18h02

 

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