Enquanto a sociedade acompanha com apreensão o julgamento de Antério Mânica, ex-prefeito acusado de ser o mandante da morte de auditores fiscais do trabalho – episódio que ficou conhecido como Chacina de Unaí -, Minas Gerais lidera, há dez anos, o ranking dos Estados com maior número de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão. As informações são do Radar SIT, da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia.

A dimensão do problema no Estado pode ser medida em números. Até o último dia 13 de maio, Minas era responsável por 368 dos 500 escravizados resgatados em todo o país em 2022, o que representa 73,6% do total. Isso já ultrapassa todos os trabalhadores resgatados em 2020. Naquele momento, foram salvas 351 pessoas nestas condições em municípios mineiros.

Entre 2013 e maio de 2022, MG registrou 5.346 resgates, enquanto, em todo o país, o número foi de 13.665. Portanto, nestes dez anos em que o Estado liderou o ranking, quase 40% dos trabalhadores foram resgatados em Minas.

Como chegamos a essa situação?

O coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT-MG), Waldeci Campos de Souza, acredita que a pandemia tem contribuído para o aumento dos casos de escravidão. “A inflação aumentou, muitas pessoas ficaram desempregadas, sem trabalhos formais, e caíram nessa situação”, observa. Outro ponto que favorece a alta dos resgates, segundo ele, é a quantidade de denúncias e a efetividade das fiscalizações.

“Em 2020, tivemos 457 resgates. Esse número subiu para 999, em 2021, conforme os dados da Detrae [Divisão de fiscalização para erradicação do trabalho escravo, do Ministério da Economia]. Praticamente duplicou. A fiscalização é fundamental, porque quem tem o poder de fazê-la não somos nós, são os auditores do trabalho. Se não tivéssemos como apurar, as denúncias virariam meros números”, diz.

Tipo de cultura

Além do aumento da vulnerabilidade socioeconômica, a retomada do plantio com uso de trabalho humano não mecanizado nos canaviais também influencia no grande número de resgates no Estado, na visão do auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Previdência, Humberto Monteiro Camasmie.

Ele afirma que a escravidão prevalece em Minas nos setores de cana de açúcar e produção de carvão vegetal, com 273 e 51 resgatados, atividades que “historicamente precarizam as condições de trabalho e fazem uso de grande volume de mão-de-obra sazonal”.

O auditor do trabalho destaca, ainda, que o número de pessoas pode ser ainda maior, tanto por fiscalizações que ainda estão em andamento, quanto “pelos períodos de safra na cafeicultura e culturas como alho e batata, cujas colheitas iniciam a partir de julho”.

Perfil e distribuição de casos

Assim como no Brasil, no Estado, a maior parte dos resgatados é homem, negro ou pardo, com idade entre 30 e 40 anos e ensino fundamental incompleto. As atividades desempenhadas são as rurais, especialmente em lavouras de café, corte de cana e carvoaria.

Entre as cidades com maior número de autos de infração por trabalho análogo à escravidão lavrados em 2022 estão Varjão de Minas e João Pinheiro, ambas na região Noroeste do estado, com 36 e 26 autos respectivamente. Em seguida, aparecem Patos de Minas e São Gotardo, ambas no Alto Paranaíba, com 21 e 18 infrações lavradas cada.

Ferros, na região Central, Piraúba, na Zona da Mata, e Nova Lima, na região metropolitana, aparecem em seguida com 12, dez e nove autos de infração lavrados pelo órgão fiscalizador.

Cenário ainda mais amplo

O coordenador da CPT-MG diz que há mais mineiros em condições análogas à escravidão do que os dados estaduais indicam. “Temos, além das pessoas resgatadas aqui, as que são de Minas Gerais e vão para outras regiões do país para trabalhar”, observa Waldeci Campos de Souza. Ele reforça que esse tipo de violência também não está restrito às fazendas.

“Ainda associamos muito o trabalho escravo ao trabalho rural e, de fato, em Minas essa modalidade é mais recorrente. Mas vale lembrar que esse tipo de exploração não está só ligado à agricultura. Há escravidão em todos os campos, inclusive no meio urbano”, destaca.

Fonte: O Tempo

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