contribuir para o aperfeiçoamento das ações em defesa da biodiversidade. Com esse objetivo, o Centro de Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) e a Coordenadoria de Estadual de Defesa dos Animais (Ceda) realizaram, nos dias 18 e 19 de agosto, a ação educacional “Ciclo de Direito Animal: Repercussões Jurídicas dos Maus-Tratos a Animais”, com palestras proferidas por especialistas de Minas, da Bahia, do Rio Grande do Sul e de Lisboa, pelo Zoom da Escola Institucional do Ceaf.
O evento contou com a participação do Coordenador da Fazenda Laboratório do Unifor-MG, Prof. Dr. Dênio Garcia Silva de Oliveira. Ele foi responsável pelo painel “Boas práticas: Protocolo de reabilitação de galos explorados em rinha”.
A promotora de Justiça Luciana Imaculada de Paula, coordenadora da Ceda, organizou o evento, em parceria com o Ceaf. O promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotoria de Defesa do Meio Ambiente (Caoma) presidiu a mesa no primeiro dia.
O promotor de Justiça Pablo Gran Cristóforo, do Ceaf, deu as boas-vindas aos palestrantes, destacando a experiência de cada um deles na defesa dos direitos dos animais e a relevância dos debates para o aprimoramento de quem atua na causa.
A professora Maria da Conceição Valdágua, da Universidade Lusíada de Lisboa, proferiu a Conferência Magna com o tema “O crime de maus-tratos a animais de companhia em Portugal”.
Em sua palestra, entre outros aspectos da legislação portuguesa, a professora abordou a classificação do crime, os maus-tratos por omissão, o conceito de animal de companhia e os maus-tratos graves.
Sobre os maus-tratos contra animais de companhia, Maria da Conceição Valdágua disse que alterações recentes na legislação portuguesa introduziram novos tipos de culpa para os maus-tratos em geral, para os maus-tratos graves e para os que resultam na morte de animais. “Uma das circunstâncias agravantes é, precisamente, o motivo torpe e fútil, que vai permitir abranger esses casos de extrema violência motivados por revolta, raiva e vingança de um companheiro contra o outro”.
Segundo a professora, várias outras agravantes, por especial gravidade e culpa, foram introduzidas na legislação. “Os tipos de crueldade praticados contra animais são inacreditáveis e ocorrem em muitos países, inclusive em Portugal, mas, no campo da violência doméstica, esses crimes contra os animais são mais visíveis”, destacou.
Citou dois casos de violência doméstica em que os homens mataram, com extrema crueldade, os cães de suas respectivas companheiras, por elas terem se recusado a reatar o relacionamento.
A professora disse, ainda, que, o crime de maus-tratos é, na maioria das vezes, cometido por omissão, não só dos tutores dos animais, mas também dos agentes policiais que, com frequência se recusam a atuar, mesmo em flagrante delito. “Cometem, então, nesses casos, maus-tratos por omissão”.
O juiz Leonardo Guimarães Moreira, em sua abordagem sobre “As diversas conformações do crime de maus-tratos conforme a espécie e o uso econômico e/ou social do animal”, lembrou que a Constituição Federal proíbe expressamente os maus-tratos aos animais. “Os constituintes partiram do princípio de que a dignidade não é um atributo exclusivo das pessoas, mas de todas as formas de vida”.
A atuação de Leonardo Moreira, no Juizado Especial de Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte, na defesa dos animais, por vezes gerou ampla repercussão na imprensa e recebeu grande apoio da sociedade.
O palestrante lembrou que, resguardando o direito de uma advogada que tentava, sem sucesso, viajar de avião com seu coelhinho Blue, o juiz determinou à companhia aérea que embarcasse o pet na cabine, sob pena de multa. A empresa cumpriu a decisão.
Em outra atuação emblemática, atendendo a denúncia oferecida pelo MPMG, o juiz enviou, para ser julgado por vara criminal da comarca, o caso de mutilação do pitbull Sansão, que acabou dando nome à lei federal recentemente sancionada em Brasília.
E, levando em conta o parecer técnico do MPMG, em ação movida pela ONG Princípio Animal, contra a prática de montaria em touros e de prova de três tambores, realizada com cavalos, Leonardo Moreira determinou que a organização do “Pedro Leopoldo Rodeio Show” não realizasse as provas, sobretudo com a utilização de sedém, um cinto amarrado na virilha dos animais, que faz o touro pular. “Conforme os laudos, a utilização do sedém provoca tortura, dor, sofrimento e martírio, pois comprime a região onde se alojam o intestino e o órgão genital dos animais”.
Leonardo Moreira alertou sobre a necessidade de se fomentar mais debates para mudar a mentalidade de pessoas que veem o animal como coisa, como propriedade para atender os interesses do homem. “Essa ideia precisa ser descontruída”, afirmou.
O juiz do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Orlando Faccini Neto, iniciou sua palestra sobre “A legitimidade e os fundamentos da incriminação dos maus-tratos contra animais” afirmando preferir chamar de “crueldade” os maus-tratos praticados contra os animais.
Destacou que o tema suscita paixões e é impregnado de ativismo, de pessoas que atuam muito fortemente na defesa dos direitos dos animais. “Isso é muito importante, mas, há um paradoxo que talvez nós ainda não saibamos resolver, pois, em termos históricos, a primeira lei de proteção aos animais foi instituída no regime nacional socialista, isto é, a lei de proteção aos animais surgiu numa época em que as pessoas eram tratadas sem nenhuma dignidade”, pontuou.
O juiz disse que analisaria o tema do ponto de vista da teoria do Direito Penal. “Nós estamos diante de um tema fraturante, porque temos dois caminhos quando tratamos de Direito Penal na atualidade. O primeiro deles é abdicarmos do conceito de bens jurídicos; portanto, ou nos agarramos a uma ideia de bem jurídico, ou entendemos que a necessidade de as incriminações aludirem a um determinado interesse é completamente desnecessária”.
Segundo Orlando Piccini, pune-se a violência contra os animais porque o legislador assim decidiu. “E qual é o bem jurídico nos maus-tratos aos animais? A primeira vertente diz que os maus-tratos aos animais dizem respeito ao interesse dos donos dos animais, o que é uma visão antropocêntrica. Meu objetivo aqui, é esse, apontar cada uma das correntes para verificarmos quais são as suas linhas de força e quais são as suas fragilidades”.
Conforme ele destacou, a visão que aponta o interesse dos donos deixa a descoberto os animais “errantes”, ou sem dono. “O segundo argumento é o interesse dos animais, e aqui, nessa perspectiva, os animais, de certa maneira, seriam eles próprios os titulares; isso resolveria o nosso problema, ou seja, a violência e os maus-tratos aos animais têm como bem jurídico o interesse dos próprios animais’.
Boas Práticas – O painel “Boas Práticas: Protocolo de reabilitação de galos explorados em rinha” teve como responsável o Prof. Dr. Dênio Garcia, do Centro Universitário de Formiga (UNIFOR-MG). O palestrante é doutor em Ciências Veterinárias e coordenador da Fazenda Laboratório e abordou o tema “Ressocialização e Reintrodução de Galos Combatentes”.
Falou sobre a experiência dele à frente do Centro Veterinário de Acolhimento e Guarda de Animais (CVAGA), que recebe galos apreendidos em rinhas, e é um projeto modelo para outros municípios. “Meu objetivo aqui é apresentar o projeto que desenvolvemos para minimizar o estresse causado aos galos vítimas dos organizadores de rinha”.
O professor expôs dados e gráficos, mostrando as mudanças de paradigma que estão ocorrendo, segundo ele, “saindo da visão antropocêntrica para uma visão em relação onde se conclui que, os animais não-humanos, são seres que têm consciência de si e experimentam os mesmos sentimentos que os humanos, como dor, prazer, estresse e ansiedade”.
Entre outros pontos, ele explicou o caminho percorrido pelo Unifor-MG para a ressocialização e a reintrodução, nem sempre possível, dos galos combatentes, já que alguns acabam sendo sacrificados, devido à mutilação sofrida nas rinhas.
Segundo o Prof. Dr. Dênio Garcia, em 2018, foram acolhidos na Fazenda Laboratório do Unifor-MG, por meio de mandados judiciais, 81 galos das cidades de Formiga, Arcos e Ipanema. Em 2021, foram acolhidos 567 galos, de 19 municípios.
Segundo dia – Na sexta-feira, dia 19, a mesa foi presidida pela promotora de Justiça da Bahia, Cristina Seixas.
O perito criminal da Polícia Federal, Sérvio Túlio Reis, apresentou a palestra sobre “Protocolo de perícia em bem-estar animal e a comprovação da materialidade do crime do art. 32 da Lei nº 9.605/1998”.
O tema “Valoração do dano animal” foi exibido na sequência, pelo servidor do MPMG, Gustavo de Morais Donancio Rodrigues Xaulim.
Encerrando a programação, a promotora de Justiça do MPMG, Monique Mosca Gonçalves, discorreu sobre “Aspectos práticos da persecução penal do crime de maus-tratos contra animais”.
Fonte Unifor-MG e MPMG