O uso da maconha em tratamento de doenças, segundo a Associação Brasileira para Cannabis (Abracannabis), data de 2,7 mil anos antes de Cristo. E hoje há diversas aplicações para pacientes com epilepsia, bruxismo, glaucoma, dor crônica, esclerose múltipla, depressão, ansiedade, processos inflamatórios e síndromes raras.

No Brasil, a demanda pela cannabis terapêutica é crescente. A primeira autorização judicial para a importação de um produto extraído da Cannabis foi concedida em 2014, para uma menina que sofria de CDKL5, uma síndrome de origem genética que provoca convulsões de difícil controle, de acordo com a Agência Senado.

Atualmente, há apenas um medicamento à base de cannabis registrado no Brasil, o Mevatyl, além de 18 produtos à base da planta autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). E, apesar de empresas poderem fabricar, beneficiar e vender canabidiol em farmácias, o plantio é proibido, mesmo com fins medicinais.

Ciência

O professor e pesquisador de farmacologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabrício Moreira, explica que cannabis é o nome científico da planta, popularmente conhecida como maconha.

E é preciso fazer uma diferenciação quanto aos usos. Muitas pessoas a utilizam como droga para fins recreacionais, mas a partir da planta é possível a fabricação de medicamentos e produtos para o tratamento de doenças.

A cannabis tem diversos tipos de substâncias e quando a pessoa fuma a maconha, ela as absorve. Duas das principais são o Canabidiol (CBD) e o Tetrahidrocanabinol (THC), esta última a principal responsável pelo abuso da cannabis.

Os medicamentos e produtos à base da planta são formulados principalmente pelo canabidiol. Mas, dependendo do tipo de doença, é interessante associar o THC também, que tem efeitos terapêuticos úteis por seu efeito analgésico.

Início das pesquisas 

Segundo o professor, bem antes do início das pesquisas científicas sobre o uso da cannabis, por volta da década de 1960, já se sabia dos efeitos analgésicos dos princípios ativos da cannabis. Mas foi a partir destes estudos que os pesquisadores começaram a entender como a cannabis realmente atuava no cérebro. Foi quando as duas principais substâncias – o THC e o CBD foram identificadas.

Desde a década de 1970, continua Fabrício Moreira, o Brasil vem contribuindo de forma significativa para pesquisas nesta área, com destaque para a UFMG e a Universidade de São Paulo (USP).

Esta produção científica de entender como as substâncias atuam no organismo foi o que possibilitou o desenvolvimento de medicamentos e produtos à base de cannabis.

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), produtos à base de cannabis podem ser usados pela população, de acordo com orientação e prescrição médicas; já medicamentos passam por estudos clínicos que podem confirmar a eficácia.

O farmacologista da UFMG explica que a divulgação sobre o uso de canabidiol e THC terapêuticos gerou uma discussão maior na sociedade nos últimos 15 anos. E só mais recentemente é que a Anvisa mudou a regulamentação de forma que deixaram de ser proibidos no país. “Isso é um avanço muito grande para pacientes que têm doenças que não são tratáveis com a farmacologia convencional, como algumas formas de epilepsia ou doenças neurológicas, como a esclerose múltipla, que podem ter os sintomas aliviados”, completa o professor.

Moreira alerta que os produtos e medicamentos não são indicados para qualquer doença. “Nenhum medicamento é bom para todo mundo ou funciona para todo mundo. Mas isso não diminui a importância desta discussão e vale para qualquer tipo de medicamento”, explica o especialista.

Fabrício Moreira desenvolve pesquisas em laboratório na UFMG, para entender mais sobre como os produtos à base de cannabis funcionam no organismo, como atuam no cérebro, protegendo pessoas que tenham epilepsia, por exemplo. E também para otimizar o uso do CBD, para que pacientes portadores de outras doenças possam se beneficiar.

Por que tanta polêmica?

O pesquisador da UFMG destaca que ainda há muito desconhecimento e preconceito em relação à cannabis medicinal, neste caso motivado por um conservadorismo que não se justifica. “Se as pessoas doentes podem se beneficiar do tratamento, elas devem ter acesso a ele. Isso não pode ser argumento para evitar que o paciente tenha melhora”, explica Fabrício.

Um exemplo, segundo o pós-doutor em farmacologia, são os tratamentos à base de morfina, derivada do ópio. Com ela são produzidos medicamentos para alívio da dor, mas a substância também pode ser usada como droga. E, nem por isso, continua o especialista, o uso terapêutico do medicamento vai deixar de ser usado. “A diferença entre droga e remédio é o contexto do uso”, ensina.

No Brasil, muita gente ainda depende da importação, mas já existem produtos desenvolvidos no país. Um grande limitador do uso é o preço que é alto. E quem precisa do tratamento tem a expectativa de que com a produção no país os preços se tornem mais acessíveis.

 

 

Fonte: Hoje em Dia

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