O Ministério Público Federal emitiu parecer favorável à suspensão da implementação da nova carteira de identidade nacional, que substitui o RG (Registro Geral), até o efetivo afastamento de qualquer traço discriminatório em desfavor da população trans. A provocação que resultou na manifestação da Procuradoria foi feita por meio de uma ação civil pública assinada por Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).

Segundo as entidades de defesa dos direitos LGBTQIA+, o documento fere a dignidade de pessoas trans. Um dos motivos, afirmam, é a inclusão obrigatória do campo “sexo”, que abriria brechas para violações de direitos humanos daquelas pessoas que apresentarem um gênero de registro que não corresponda a sua identidade. A União, responsável pela emissão dos novos documentos, defende que o sexo a constar na identidade tem de ser o mesmo do Registro Civil das Pessoas Naturais, ou seja, o designado ao nascer. A justificativa é a padronização internacional.

O argumento não foi acatado pelo Ministério Público, que diz haver “documentos de identificação importantes que não requerem este tipo de informação: o Título de Eleitor, emitido pelo Tribunal Superior Eleitoral, o Cartão Nacional de Saúde e a Carteira Nacional de Habilitação. Destaca-se também que o campo ‘sexo’ não é um item requisitado na atual Carteira de Identidade“. Outro problema levantado pelas entidades é o fato do novo documento prever a exposição do nome civil na frente do nome social, quando houver. Isso afetaria pessoas trans que não fizeram retificação.

Nos autos, a União afirma ser a utilização do nome de registro precedendo o nome social mera casualidade que não revela nenhuma violação a direito fundamental. Sobre o tema, a argumentação do MPF, representada pelo procurador da República Pablo Coutinho Barreto, baseando-se em tratados internacionais de direitos humanos, é de que o nome pode individualizar e situar a personalidade no mundo, bem como produzir reflexos positivos no convívio e bem-estar social, de forma que se compatibiliza com a identidade de gênero.

A identidade de gênero não é determinada com o nascimento, pois as características morfológicas não são determinantes para o reconhecimento da identidade do indivíduo, e transcende o caráter estático do nome civil, de forma que não cabe ao Estado, ainda que indiretamente, constituir a autoidentificação“, completa. A Procuradoria ainda diz que a população LGBTQIA+ brasileira já enfrenta, por omissão ou não do poder público, inúmeras violências diárias. Sendo assim, afirma, não seria cabível que um documento se tornasse mais uma barreira.

Por fim, o órgão se manifestou pela determinação da suspensão da implementação da estrutura atual das novas carteiras de identificação e requereu a designação de audiência de conciliação para discutir uma reestruturação do documento. O decreto que institui a carteira de identidade nacional foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em cerimônia no Palácio do Planalto. O número único de identificação do cidadão será o CPF (Cadastro de Pessoas Físicas). No decreto, foi determinado que o prazo de adaptação dos estados será 6 de março de 2023.
Keila Simpson, presidente da Antra, disse à Folha que a nova carteira de identidade é um retrocesso que não pode ser aceito.

Passamos tantos anos para conquistar direitos básicos, como o de nos identificarmos como quem somos sem a obrigatoriedade da retificação. O RG antigo, apesar de não ser perfeito, trazia avanços importantes para a população trans, como o destaque para o nome social. Por que colocar o nome dado ao nascer agora? Isso é por puro prazer em constranger“, declara a ativista. (BRUNO LUCCA/Folhapress)

 

Fonte: O Tempo

 

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