Em um momento em que a inflação alta impacta todos os insumos no país, as escolas privadas vivem o desafio de definir um reajuste no valor da mensalidade tendo que considerar a planilha de custos, mas sem deixar de olhar para os pais dos alunos, tão impactados pela crise financeira. Uma balança que deve ser bem equalizada para dar conta de todos os gastos e não correr o risco de perder estudantes.

De acordo com a reportagem do portal O Tempo,  que entrou em contato com 15 conhecidas escolas de Belo Horizonte para perguntar sobre o preço da mensalidade em 2022 para o 1º ano do Ensino Fundamental. Oito disseram ainda não ter definido o percentual de reajuste e, das sete que divulgaram os valores, os percentuais variaram entre 7,8% e 11,8%. Há 22 anos, a lei estabelece que as escolas devem definir os reajustes conforme suas planilhas de custos.

Profissional que presta assessoria contábil a 150 escolas de BH e região, José Fernando Saraiva de Vasconcelos acredita que a maior parte das instituições deve adotar um reajuste entre 10 e 11%. Um percentual condizente com alguns indicadores de inflação – o INPC acumulado está em 10,78%, enquanto o IGP-M está em 21,73% –, mas que pode não ser suficiente para cobrir custos futuros se a inflação subindo. Na planilha, deve-se considerar reajuste nos salários dos trabalhadores e nas passagens do transporte público, além dos gastos com materiais, energia elétrica, água, entre outros.

“Talvez as mais tradicionais não sofram impacto tão grande da crise, mas a situação é crítica entre as muitas escolas pequenas. Entre elas, a lógica de cálculo é do preço para o custo. Primeiro se observa quanto a comunidade está disposta a pagar, para depois a escola fazer um planejamento sobre o que pode oferecer e quanto pode cobrar dos pais”, relata Vasconcelos, acrescentando que muitas escolas se endividaram durante a pandemia, sobretudo as dedicadas à educação infantil. Somente na capital, existem mais de 800 escolas privadas.

Segundo ele, quando a lei que rege o reajuste foi criada, a demanda era maior do que a oferta. Mas ao longo de 20 anos a história mudou e, especialmente nos últimos anos, passou-se a haver mais vagas do que estudantes no mercado – forçando uma competição de preços. “As escolas estão a cada dia achatando mais os valores das mensalidades para manter os alunos. Mas essa lógica é perversa, porque há um limite de valor”, diz.

Diretora do Colégio Conviver, que oferece turmas do maternal ao 5º ano do Fundamental, Márcia Ferreira explica que não é fácil definir um planejamento sobre a planilha de custos porque os valores estão variando muito desde o ano passado. “A lei diz que o reajuste deve ser em cima da planilha, mas a gente também fica de olho nos percentuais adotados pelas outras escolas e na realidade dos pais”, afirma.

A opção do colégio foi reajustar a mensalidade em 8% e manter um valor atrativo para os moradores do bairro Sagrada Família e região. “É preferível perder na margem de lucro, mas evitar a evasão escolar”, completa Márcia.

Fantasma da inadimplência de 2020

A presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Zuleica Reis, explica afirma que as escolas, de modo geral, vivem um momento financeiro complicado. “Algumas escolas não reajustaram os preços em 2021 por causa da pandemia e tiveram de lidar com inflação e alto índice de inadimplência. Pela primeira vez, muitas escolas fizeram renovação de matrícula com pais devedores e elas ainda têm passivos para receber”.

Zuleica explica que, aos poucos, a situação está melhorando para as instituições e a inadimplência vem caindo. Não há um levantamento do Sinep sobre um percentual de pais que não pagaram mensalidades em 2021, mas no ano passado a inadimplência chegou a 40% em algumas instituições. 

Para a presidente do Sinep, é fundamental que os pais compreendam que cada escola possui uma estrutura (seja de pessoal ou de equipamentos) e as planilhas de custos variam entre as instituições. “Mas nenhuma escola tem interesse em aplicar reajustes altos, porque todas sabem que pode ir além da possibilidade das famílias e acabar perdendo aluno. A tendência de mercado hoje não é somente buscar qualidade, mas também o preço”, diz.

Além da pandemia, mudanças de mercado também impactaram escolas bastante tradicionais de Belo Horizonte nos últimos anos. Desde o ano passado, fecharam as portas os centenários Instituto Metodista Izabela Hendrix e Colégio Imaculada Conceição.

Para sobreviver, as instituições de ensino tiveram de trabalhar a redução de custos, especialmente na folha salarial, que corresponde de 60 a 70% dos custos. “As escolas tradicionais buscaram parcerias com redes de ensino para o uso de material didático. Outra solução, vista sobretudo nas escolas católicas, foi trabalhar em rede, com serviços compartilhados, como de TI ou RH. Existe uma tendência nacional de escolas se unirem para equacionar os custos”, explica Zuleica.

Escolas são obrigadas a apresentar planilhas

O promotor de Justiça Fernando Abreu, que atua na área de Defesa do Consumidor, afirma que as escolas são obrigadas a apresentarem as planilhas de custos para as famílias dos alunos. Isso é fundamental para que a comunidade possa verificar se a instituição definiu de maneira adequada o percentual do reajuste.

“É importante que o gestor já faça o planejamento considerando a recomposição das perdas salariais dos profissionais. Não se deve olhar apenas o lado do pai e da mãe do aluno, mas também dos profissionais que merecem uma recomposição conforme a inflação”, afirma. Caso a escola se recuse a informar as planilhas, a família pode acionar o Ministério Público.

Coordenador do Movimento Pais & Avós – Sentinelas pela Qualidade na Educação, o educador Mario de Assis acredita que as escolas terão de se esforçar o máximo possível para oferecer baixos reajustes, para que a mensalidade caiba no bolso das famílias. “A situação está crítica e reconhecemos as perdas inflacionárias. O ideal é que o reajuste aconteça de forma consensual”, afirma o educador. “Se a cobrança for abusiva, vai ter muita evasão escolar a partir de abril”.

Fonte: O Tempo

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