A passos lentos, o combate à violência física contra a mulher avança sob respaldo da Lei Maria da Penha. Mas, de forma silenciosa, outro tipo de opressão contra elas não ganha atenção devida em Minas Gerais: a violência psicológica.
Um ano depois de serem tipificados pela Lei 14.132/2021 como crime passível de prisão, danos emocionais ainda são encarados por muitos como “parte da relação”. Mesmo com legislação específica, Minas ainda está entre os cinco Estados que nem sequer têm dados sobre a violência psicológica contra a mulher no país, como indicou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022.
O relatório, publicado em junho deste ano, apontou que, em 2021, 8.390 casos foram registrados pelas autoridades nas 22 unidades da federação que apresentaram dados.
Para a advogada especializada na defesa da mulher, Maria Consentino, a existência da lei é um avanço, mas não garante a defesa das vítimas. “Essa violência sempre foi presente na sociedade, mas foi normalizada. As mulheres encontram muitos obstáculos para comprovar o crime e as condenações ainda são poucas”, avalia.
Desde o início
O descaso faz com que, por vezes, nem as vítimas percebam o abuso. Foi assim com a gerente de escritório Juliana*, de 40 anos. Nos três anos em que esteve casada com um policial militar reformado, entre 2015 e 2018, ela não enxergava os danos emocionais que sofria. Hoje, olhando para trás, ela diz ter ficado clara a violência psicológica.
Juliana vivia com o ex em Sabará, na região metropolitana de BH. Ela conta que foi influenciada a se afastar dos amigos e da família, além de largar o emprego. Após o nascimento da filha, a violência aumentou. O homem chegou a ser condenado por bater na mulher e na bebê.
Foi preciso Juliana ir morar nos Estados Unidos para tentar se livrar das agressões psicológicas. “Ele me fez abrir mão da minha carreira, me obrigou a pagar dívidas dele. Só entendi o que eu vivia um ano depois de me separar. Antes eu não assimilava o que estava acontecendo. Estava muito fragilizada”, relembra a vítima.
Um ano da lei
Em 29 de julho de 2021, a Lei 14.132 inseriu no Código Penal o artigo 147-B, que tipifica o crime de violência psicológica contra a mulher. A legislação torna crime a ameaça, a manipulação, o isolamento e a chantagem, entre outros danos emocionais. A pena prevista é de seis meses a dois anos de prisão, além de multa.
Sem dados
Não há informações consolidadas sobre ocorrências e prisões por violência psicológica em Minas Gerais. A Polícia Civil informou, em nota, “não haver, no Registro de Eventos de Defesa Social (Reds), campo parametrizado que permita filtrar essa informação”. A maioria dos casos acabam sendo registrados como “Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher”.
Registrar denúncia é um desafio
A advogada Maria Consentino avalia que ainda há um despreparo muito grande das autoridades para lidar com agressões psicológicas contra a mulher. “Quando elas vão denunciar, ouvem que devem voltar para casa, que isso não é crime ou que não vai fazer (o registro) se a mulher não está machucada”, lamenta.
No caso de Juliana*, ela denuncia que foi desestimulada a denunciar o ex-marido. Segundo ela, o homem era policial e teve apoio dos colegas para silenciar a mulher. “Foi quando ele teve o primeiro surto de agressão física. Eu consegui gravar, mas os policiais pediram que eu não desse continuidade”, detalha.
Mesmo nos Estados Unidos, Juliana* luta contra decisões judiciais que facilitam a reaproximação do homem com a filha e com a ex-mulher por meio de visitações à criança por videochamadas. “A violência continua. Como vou ficar cara a cara com meu agressor? Ele tirou meu direito de estar com a minha família. Destruiu meus sonhos”, conclui.
Fonte: O Tempo