“É uma boa surpresa de fim de ano”, descreve a ambientalista, professora social do projeto Manuelzão da UFMG e coordenadora do movimento “Tira o Pé da Minha Serra”, Jeanine Oliveira sobre receber a notícia de que a licença para mineração na Serra do Curral foi suspensa. O sentimento é compartilhado com os moradores da região, que abrange as cidades de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará. A população local ainda teme ser prejudicada pelos impactos das atividades do minerário, há poucos km de suas casas, na qualidade de vida de suas famílias.
Desde abril, quando foi concedida a permissão à empresa Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) de instalar um complexo minerário na Serra do Curral, especialistas e grupos sociais de atingidos tomaram a frente de movimentos e entraram na justiça a fim de evitar a continuidade da ação. Só da parte que a ambientalista Oliveira acompanhou, foram dezenas de processos. “Ao longo de toda a negociação de licenciamento, antes até da concessão, nós já estávamos nos organizando para responder. Esse é um processo ilegal, a comunidade sequer foi ouvida”, explica.
De fato, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) suspendeu a licença da Tamisa exatamente por entender que o empreendimento afeta a comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango, um povo reconhecido pela Fundação Cultural Palmares desde 2007 e integrado por 37 famílias, compostas por 182 pessoas. Em 2017, a comunidade foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte.
Na decisão, o desembargador federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz afirma que “a Administração Pública, ao analisar licenciamento ambiental no qual as atividades examinadas possam impactar a vida dos povos quilombolas, deve consultá-los de maneira específica, conforme a particularidade do caso e das individualidades e tradições de suas comunidades”.
Para Makota Cassia Manzo, quilombola da comunidade Manzo, a suspensão imediata das atividades realizadas pela mineradora no local é mais um passo dentro da disputa pelo território. “Ainda comemoramos com cautela, já que sabemos que há possibilidade de recurso”, diz. “Mas é sim um avanço na valorização da forma de viver, ancestral, dos povos quilombolas”.
Makota explica que o quilombo fica ao pé da Serra, há 3 km da área de interesse do licenciamento ambiental. A proximidade já não é permitida, uma vez que a comunidade tem um decreto que garante proteção ambiental de até 8 km do seu entorno. “Nos estudos feitos pela empresa sobre a região, em nenhum momento é citado o quilombo. Nós vivemos na Serra desde muito antes, e é a nossa casa, sem ela, não existimos”, desabafa.
A quilombola explica que a forma de viver da comunidade é intimamente ligada à conexão com a natureza da região, e a ameaça dessa fauna e flora é a ameaça do próprio povo. De acordo com a ambientalista Oliveira, sempre que um território envolve a presença de qualquer tipo de vida, a empresa precisa produzir um plano de resgate desses que podem ser atingidos pelas atividades.
A decisão da Justiça ocorreu em âmbito federal, por envolver povos e comunidades tradicionais. Para Makota Cassia, o posicionamento do Governo do Estado em ter concedido a licença da Tamisa pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) é desrespeitoso. “Chega a ser violento. O argumento da justiça do Estado ignora as nossas práticas religiosas, que deveriam ser protegidas como quaisquer outras. É falta de compreensão. Para nós, o território é sagrado”, conta.
Tombamento da Serra do Curral
Em meio à toda negociação sobre o licenciamento para instalação do complexo de minério na Serra, segue também o imbróglio envolvendo o tombamento integral da região. Apesar desse valor já ser reconhecido tanto em nível federal quanto municipal, instâncias que a Serra é tombada como patrimônio, o processo em nível estadual não foi efetivado. “Já somam 10 anos que estamos tentando finalizar o procedimento de tombamento com o Estado. O dossiê ficou pronto, foi para o Tribunal de Justiça, mas o trâmite é muito difícil”, diz Oliveira.
Segundo a ambientalista, nesta quinta-feira (15) a Tamisa foi liberada para participar da negociação do Tombamento e deve reivindicar a sua parte. “É algo sério, a água para manutenção da região metropolitana depende da Serra do Curral inteira e livre do minério”.
Fonte: O Tempo