A proteção das crianças com 5 a 11 anos contra o coronavírus enfrenta atraso e desconfiança de pais ou responsáveis diante de fatores como a contaminação acelerada pela variante Ômicron, desconhecimento sobre as descobertas e avanços da ciência, divulgação de notícias falsas e o medo predominante de que a vacina contra a COVID-19 provoque efeitos colaterais. Em Minas Gerais, 432 mil crianças receberam o imunizante, representando apenas 23,2% do público-alvo, segundo levantamento feito pela Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em dezembro passado, a utilização do imunizante produzido pelo laboratório Pfizer em crianças de 5 a 11 anos. Posteriormente, a agência também autorizou o uso da CoronaVac. 

Ontem, ao participar de um ato de vacinação infantil contra a COVID-19 em Maceió (AL), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pediu aos pais e responsáveis que levem suas crianças de 5 a 11 anos para tomarem o imunizante.  “Vamos disponibilizar as vacinas para os pais e eu exorto cada pai e cada mãe que levem seus filhos para a sala de vacinação”, disse o ministro, que vacinou duas crianças no evento. No ranking nacional, com dados do Ministério da Saúde, a cobertura pediátrica em Minas perde para cinco estados – São Paulo, Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e Espírito Santo – e o Distrito Federal. Na outra ponta, estão em maior desvantagem ao menos 13 unidades da Federação. De acordo com a SES-MG, a expectativa é de que a primeira dose chegue à parcela de 1,8 milhão de crianças nessa faixa etária somente até o fim de março. Na sexta-feira, das 14 macrorregiões do estado definidas pelas autoridades de saúde, o Sudeste, com 37,3%; Sul, 35%; e o Triângulo Sul, 30,4%, eram as áreas com melhor resultado proporcional da imunização do público infantil. A baixa cobertura vacinal traz problemas individuais e coletivos, como alerta a infectologista e pediatra Gabriela Araujo Costa, diretora de comunicação da Sociedade Mineira de Pediatria. De um lado, a vacina protege as crianças das formas graves da COVID-19, que levam à internação e podem deixar sequelas, e, de outro, a falta de proteção compromete a imunização coletiva. “Quanto mais pessoas a gente conseguir vacinar, menor vai ser a taxa de transmissão do vírus, e com isso a gente reduz a circulação e a chance de aparecerem novas variantes. Vacinando, a gente consegue sair da pandemia mais rápido”, destaca.

A dona de casa Érica Silva, de 41 anos, não tem dúvidas sobre as orientações da infectologista, mas teve de adiar a vacinação da filha Gabriella, de 7, depois do surgimento de casos de COVID-19 na família. Quando a infecção ocorre, é necessário aguardar quatro semanas após o fim dos sintomas para receber o imunizante, conforme determinação do Ministério da Saúde. “Estamos esperando o prazo para imunizá-la. Mas acho que a vacinação é algo muito importante, sem ser obrigatório. Nada que é obrigatório dá certo. Todos, no entanto, deveriam se conscientizar e tomar a vacina. Sempre tomamos vacina desde que nascemos e por que vamos deixar de tomar agora?”, diz Érica.

Discorda dela a motorista Shirley Gomes de Almeida, de 42, mãe de Emanuelle, de 6. “Não quero vacinar minha filha porque a vacina não é totalmente eficaz. Até então, não. Estamos num processo em que eles estão estudando e procurando entender se essa vacina vai combater a COVID-19”, argumenta Shirley. Além da autorização dada em dezembro pela Anvisa para a imunização de crianças de 5 a 11 anos, baseada em comprovação científica, a vacina é eficaz e segura para as crianças, segundo pesquisadores, agências reguladoras de diversos países e a Organização Mundial da Saúde (OMS). O temor de Shirley Gomes está associado à morte da mãe dela, aos 69 anos. “Ela tomou as duas doses e faleceu. Ela não morreu pela COVID, e sim de infarto fulminante, mas nunca teve problema de coração. Até quando eles vão provar que a vacina é eficaz e sermos cobaias, colocando em risco a vida dos nossos filhos?”, insiste. Sem mencionar números, ela desconhece casos de crianças que morreram com a doença. “E se de repente minha filha se vacina e depois morre? Portanto, não quero vaciná-la”, diz. Os cartórios de registro civil no Brasil anotaram 324 mortes no público de 5 a 11 anos desde março de 2020, quando surgiram os primeiros casos de contaminação pelo coronavírus, até o mês passado. Os dados constam do Portal da Transparência do Registro Civil.

Temor e fake news

A policial militar Luciene Cristina Lírio, de 46, também tem receio de imunizar o filho Samuel, de 7. “Por enquanto, não vou levá-lo. Até a vacina deixar de ser um experimento, não vou expô-lo a este perigo”, sustenta, citando informações às quais teve acesso de médicos que condenam a vacinação infantil. “Primeiramente, a necessidade de vacinação de crianças é praticamente zero. A gente tem dados do Dr. Paulo Porto, um dos grandes neurocirurgiões, formado em Harvard. Ele falou nas palestras dele que a chance de morte de uma criança com COVID-19 é menor que 1%”, completa. Estudo inédito divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indicou que quase metade das crianças e adolescentes brasileiros mortos por COVID-19 em 2020 tinham até 2 anos; um terço dos óbitos até 18 anos ocorreram entre os menores de 1 ano; e 9% entre bebês com menos de 28 dias de vida. Luciene teme ainda efeitos como miocardite, trombose e infertilidade, estes dois últimos desmentidos por especialistas, que alertaram sobre as fake news envolvendo o imunizante.

A policial conta ainda que, na sua residência, junto de seus filhos, tem adotado o tratamento precoce. “Tomamos ivermectina com frequência, vitamina D”, aponta. Ela, por exemplo, tomou a vacina de dose única, a Janssen, mas não voltou para tomar outra de reforço. “Eu tomei e me arrependi, porque eles mesmos estão tirando a vacina do mercado. Vão lançar um experimento que vai ser mais lucrativo para eles do que o da COVID, então a gente vê que estamos sendo usados como massa de manobra para enriquecer os laboratórios. Minha filha, que tem 19, se vacinou com a Pfizer e foi tomar a segunda dose contra a minha vontade”, acrescenta.

“Alguns médicos dizem que a carga viral de uma criança é tão pequena que não justifica a vacinação. Se os próprios profissionais da saúde não tomaram uma decisão unânime da vacinação infantil, como a gente vai confiar?”, finaliza. Possíveis reações adversas da vacina são raríssimas, como divulgou Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), órgão ao qual cabe a liberação dos imunizantes nos EUA, em revisão de dados levantados depois da aplicação de 8,7 milhões de doses nessa faixa etária no país.

A infectologista e pediatra Gabriela Araujo Costa explica que dos riscos citados por Luciene Lírio, o único evento adverso possível da vacina da Pfizer já relatado, mas em proporção muito menor do que, por exemplo, contrair a infecção por COVID, é a miocardite. Mas esclarece que o coronavírus tem muito mais chance de causar esse tipo de doença. Quanto à trombose e à infertilidade, não existe evidência científica desses relatos. 

Na frente

Algumas das cidades com maior cobertura vacinal infantil contra a COVID-19 em Minas Gerais são Juiz de Fora, na Zona da Mata, com 55,27%; Belo Horizonte (49,7%) e Contagem, na área metropolitana da capital, 43,7%. Por meio de nota, a Prefeitura de BH informou que até a última quarta-feira foram imunizadas cerca de 88 mil crianças de 5 a 11 anos. Até aquela data, a Secretaria Municipal de Saúde convocou cerca de 177 mil crianças com e sem comorbidade nessa faixa etária, nascidas de fevereiro a julho de 2016, e que ainda tenham 5 anos na data da vacinação. O Ministério da Saúde afirma ter distribuído mais de 15 milhões de doses de vacinas pediátricas e que mais de 3,2 milhões de crianças entre 5 a 11 anos tomaram a primeira dose, totalizando 15,7% do público-alvo até a última quinta-feira. Vale ressaltar que, assim como BH, muitas cidades não têm cadastrado os dados no SES-MG. Portanto, o levantamento não foi possível. Muitas delas constam 0%, mas só não houve o lançamento do quantitativo de crianças imunizadas no sistema estadual. 

Fonte: Estado de Minas

COMPARTILHAR: