Durante muito tempo, os brasileiros se orgulharam de viver em uma região livre de desastres naturais como ciclones. No entanto, esse cenário tem mudado, especialmente na Região Sul, onde a ocorrência desses fenômenos se tornou mais frequente nos últimos anos.
Entre os meses de agosto e setembro deste ano, rajadas de vento de até 100 km/h atingiram principalmente os litorais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Para cientistas ouvidos pelo portal Metrópoles, o aumento dos registros tem duas explicações principais.
A primeira é o uso mais frequente do termo “ciclone”, que passou a substituir descrições genéricas anteriormente usadas, como “fortes ventos vindos da Argentina”. A segunda é mais preocupante: o aumento real da ocorrência e intensidade dos ciclones como consequência direta das mudanças climáticas globais.
Segundo o oceanógrafo Edmo Campos, membro da Rede de Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO), o aquecimento global está diretamente ligado à intensificação desses fenômenos. “Resumidamente, o aquecimento global implica em maior frequência e maior intensidade desses fenômenos. Os meses da primavera, especialmente setembro e outubro, são mais favoráveis à ciclogênese, que é o processo de formação do ciclone”, explica.
Esses sistemas resultam da dinâmica natural da atmosfera. Ventos de grande escala se organizam em ondas com cristas e vales. Quando há instabilidade hidrodinâmica, os fluxos podem acumular energia e girar em redemoinhos, que evoluem para ciclones.
Diferença entre ciclones e furacões
Ao contrário dos furacões, que se formam sobre águas tropicais muito quentes — como os do Caribe —, os ciclones que atingem o Sul do Brasil se formam sobre o continente. Eles são gerados pelo contraste entre massas de ar quente e frio, fenômeno comum no outono e inverno da região. Conhecidos como ciclones extratropicais, esses eventos trazem ventos fortes, chuvas intensas e quedas bruscas de temperatura.

Foto: Arte/Metrópoles
O professor Micael Cecchini, da Universidade de São Paulo (USP) e apoiado pelo Instituto Serrapilheira, afirma que a frequência desses sistemas ainda é motivo de debate entre os pesquisadores, mas há consenso sobre o aumento da sua força. “Sabemos que os ciclones estão ficando mais intensos. Isso porque um planeta mais quente evapora mais a água dos oceanos, fortalecendo os ventos. Como eles estão mais fortes, isso também faz com que se tornem mais notícia”, diz.
Primavera e El Niño ampliam risco
O início da primavera é um período de risco elevado para a formação de ciclones, pois reúne características do inverno e do verão. Ainda há forte contraste térmico entre as latitudes, típico do inverno, combinado com o aumento da insolação, que intensifica a evaporação. Essas condições criam o ambiente ideal para a formação dos chamados vórtices ciclônicos.
Cecchini também destaca a influência do fenômeno El Niño, que aumenta a umidade e pode deslocar sistemas de alta pressão, criando bloqueios atmosféricos que intensificam as chuvas no Sul. Em contrapartida, a La Niña tende a empurrar essas frentes para as regiões Sudeste e Centro-Oeste do país.
Impactos urbanos e rurais
Os ciclones provocam diversos impactos, tanto em áreas urbanas quanto rurais. Entre os problemas mais comuns estão alagamentos, deslizamentos de terra, destruição de infraestrutura e interrupção no fornecimento de energia elétrica. Ventos fortes derrubam redes elétricas e chuvas intensas comprometem o transporte e o abastecimento de água.
Na zona rural, a instabilidade climática interfere diretamente na produção agrícola, seja pelo excesso de chuva, seja pela dificuldade de escoar as safras. Já nas cidades, os episódios extremos evidenciam falhas em sistemas de drenagem e falta de planejamento urbano adequado.
“Se os ciclones ficarem mais frequentes, haverá mais chuva. Se ficarem mais intensos, haverá mais desastres”, resume Cecchini. Para os especialistas, ambos os cenários se tornam cada vez mais prováveis diante do avanço do aquecimento global.
Com informações do Metrópoles