Agentes penais do Grupo de Intervenção Rápida (GIR), que deveriam agir em casos extremos como rebeliões, são acusados de realizar torturas frequentes dentro das unidades prisionais de Minas Gerais.

Segundo denúncia enviada ao governo do Estado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, esses agentes estariam utilizando armas não letais, como gazes, balas de borracha, de forma indiscriminada contra detentos.

Além disso, há relatos de policiais penais desse grupo forçando presos a ingerir detergente e urina de outros detentos, trancando presos machucados por eles em celas de castigo, queimando pessoas com cigarro e vários outros tipos de abusos dos Direitos Humanos.

O documento de 280 páginas revela condições precárias nos presídios do Estado e mostra ações de policiais penais que resultaram em dentes quebrados, sequelas nas costelas, tratamento com socos e pauladas no peito, uso de balas de borracha, além de diversos tipos de xingamentos e humilhações.

Segundo relatório, muitos presos são chamados constantemente de “demônios” e ouvem que “não valem nada”. As punições incluem, segundo levantamento, inclusive a retirada de roupas e cobertores dos presos, submetendo-os ao frio.

Os homens chegam com toca balaclava (gorros que vão da cabeça ao pescoço escondendo o rosto), capacete, escudo, colete e armas não letais e impõem um regime de medo dentro das instituições, segundo denúncias.

“O GIR foi criado para atuar em situações de emergência, mas agora eles que passaram a levar as pessoas em privação de liberdade para o banho de sol todos os dias, por exemplo. Só que eles fazem todo tipo de abuso. Como eles não são identificados, usam do anonimato para espancar as pessoas e fazer o que querem lá dentro. Até outros agentes penitenciários têm medo dos caras do GIR. Na hora de liberar os detentos para banho de sol, eles os colocam em corredor polonês e batem sem dó. Tem gente que está preferindo nem sair da cela para não apanhar”, conta a presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, Miriam Estefânia dos Santos.

Dentro das unidades prisionais do Estado existem três tipos de policiais penais: o GIR que é formado por agentes de carreira e deveriam agir para prevenção e intervenção em motins e rebeliões e por isso usam armas não letais; os policiais penais de carreira designados para acautelamento de armamentos na chamada intendência; e os policiais penais contratados de forma temporária que são os responsáveis pela movimentação dos presos dentro das unidades. Esses últimos não usam armamento apenas algemas.

Conforme o relatório do MNPCT é a atuação dos integrantes do GIR a que mais preocupa. “O GIR tem feito a retirada para o banho de sol, um desvio de função considerando a finalidade do grupamento. Esse momento foi descrito como extremamente violento, marcado por agressões físicas e verbais contra as pessoas privadas de liberdade”, consta no documento.

Ainda segundo a denúncia, “foi descrito que, na movimentação de pessoas presas pelo corredor das alas, os policiais penais fazem um corredor polonês e vão batendo nas pessoas enquanto passam pelo corredor. Houve relatos de pessoas presas sendo retiradas da cela e levadas para o radial onde foram obrigadas a beber detergente e urina de outras pessoas presas que ficam nesse lugar aguardando a movimentação. Esse evento aconteceu entre fevereiro e março de 2022. As pessoas presas envolvidas estão com procedimento disciplinar aberto e os feridos foram atendidos na enfermaria da unidade, inclusive com caso de pessoas baleadas e com machucados na cabeça. Obtivemos declarações de que há isolamento de pessoas presas em celas de castigo, principalmente para esconder aquelas que ficam machucadas por agressões cometidas pelo GIR ou pelos policiais penais/agentes”, diz. Há relatos ainda, de uso de cães para amedrontar detentos.

Em um dos casos denunciados no relatório, uma professora que atua em penitenciárias no Estado teria passado mal ao ver sangue por um dos presos ter cortado os pulsos. Por causa disso, o detento apanhou de agentes penitenciários, levou três pontos na sobrancelha e ainda foi proibido de prestar queixa das agressões sofridas.

Além disso, em algumas unidades, seriam utilizadas as chamadas bombas urso branco. Elas seriam jogadas por agentes do GIR dentro das celas com até 20 pessoas, sem possibilidade de fuga, fazendo com que as vítimas fiquem desmaiadas. A bomba tem esse nome porque quando ela explode solta um pó branco que adere a toda superfície, exala um cheiro forte capaz de entorpecer as pessoas e levar a perda dos sentidos.

A medida fere orientação da Organização das Nações Unidas (ONU) que defende o não uso de irritantes químicos em presídios devido ao risco de morte ou ferimentos graves por asfixia. Por isso, o MNPCT defende que “o uso de irritantes químicos como o ‘urso branco’ em unidades de privação de liberdade, onde as pessoas não têm a chance de se evadir do local, é uma prática inadequada e potencialmente ilícita, que viola direitos fundamentais e que pode acarretar mortes e sequelas graves”, consta na denúncia enviada ao governo de Minas.

O presidente do Sindicato dos Policiais Penais de Minas Gerais (Sindppen), Wladmir Dantas disse que os casos relatados são pontuais e que a categoria convive com falta de estrutura e baixo efetivo.

O que diz a Sejusp

Em nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) afirma que não compactua com eventuais desvios de conduta de qualquer servidor e faz uma apuração célere e prioritária de possíveis casos de abuso. A secretaria ainda destaca que não considera que os relatos podem ser generalizados ao nível de todo o sistema prisional, já que o relatório está relacionado a nove unidades.

 Leia a nota na íntegra.

A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) recebeu nesta terça-feira, 23/8, o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, com sugestões e apontamentos sobre os sistemas prisional e socioeducativo de Minas Gerais. 

Vale ressaltar que o documento, bastante extenso, passou então, a partir dessa data, a ser avaliado pelas equipes técnicas da secretaria.

A Sejusp ressalta ainda que os apontamentos do relatório estão relacionados a nove das 224 unidades responsáveis pelo acautelamento de adultos e adolescentes no Estado — todas escolhidas pelo referido relatório, a partir da identificação prévia de algum problema. Portanto, a secretaria não considera que os relatos podem ser generalizados ao nível de todo o sistema prisional e o socioeducativo.

A pasta salienta ainda que problemas como superlotação em algumas unidades são realidade não só em Minas, mas em todo o país. E que, somadas as entregas e ampliações dos últimos dois anos, já são mais de 1.300 novas vagas geradas no prisional e socioeducativo — além de R$ 77 milhões assegurados para a melhoria das condições estruturais desses locais.

A Sejusp não compactua com eventuais desvios de conduta de qualquer servidor e tem uma postura de apuração célere e prioritária para casos relacionados a possíveis abusos com acautelados. A secretaria possui corregedoria própria e, o Estado, uma ouvidoria do sistema prisional e socioeducativo.

Fonte: O Tempo

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