Uma recente descoberta de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) desperta a preocupação por um problema que pode se tornar cada vez mais comum. Microplásticos foram encontrados no cérebro de oito pessoas que viveram ao menos cinco anos na cidade de São Paulo. As partículas foram localizadas em uma estrutura chamada bulbo olfatório, que fica no sistema nervoso central e é responsável por levar informações sobre os cheiros.
O estudo foi desenvolvido pela patologista Thais Mauad, o engenheiro ambiental Luís Fernando Amato Lourenço e a bióloga Regiani Carvalho de Oliveira e apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela organização não governamental holandesa Plastic Soup.
A questão do plástico chama atenção, porque o material está presente em boa parte do que o ser humano consome ou utiliza: cosméticos, alimentos e roupas. Um estudo de 2019, por exemplo, constatou que um saquinho de chá mergulhado na água a 95 graus Celsius libera 11,6 bilhões de partículas de microplástico e 3,1 bilhões de nanoplástico por xícara. Além disso, existe a contaminação por plástico que resulta da degradação de peças plásticas maiores por ação de luz, calor, umidade e abrasão – estes, segundo algumas estimativas, representam de 70% a 80% dos microplásticos que chegam à natureza.
Especialistas asseguram que as principais rotas de entrada no corpo são pela ingestão de alimentos e bebidas contendo micro e nanoplásticos, ou pela respiração, embora uma pequena proporção também possa atravessar a pele. No corpo humano, as pequenas partículas já foram encontradas em praticamente todos os órgãos e tecidos. Coração, fígado, rins, intestinos, pulmões, testículos, endométrio, placenta e, mais recentemente, cérebro. Também já foram achadas em diversos fluidos corporais: saliva, sangue, leite materno, sêmen e até mesmo no mecônio, as primeiras fezes do bebê, produzidas ainda durante a gestação.
Os efeitos na saúde humana
Diante disso, surge a pergunta: quais são os impactos disso para a saúde humana? As experiências com o material em humanos ainda são recentes. Faz apenas duas décadas que as pesquisas sobre os microplásticos ganharam impulso e só mais recentemente se começou a estudar seu impacto sobre a saúde.
O que mais se conhece dos potenciais efeitos sobre o organismo foi observado em dezenas de experimentos com animais, em particular ratos e camundongos, ou células humanas cultivadas em laboratório, vários deles mencionados em revisões recentes publicadas nas revistas eBioMedicine e Science of the Total Environment. Em quase todos os tecidos em que foram encontradas, as micro e nanopartículas provocaram reações semelhantes: inflamação, aumento das espécies reativas de oxigênio no interior das células, além de dano e morte celular. Alguns desses efeitos podem alterar a formação de órgãos em desenvolvimento ou prejudicar a capacidade de regeneração dos já maduros.
“Os estudos com animais dão uma pista do que pode ocorrer, mas é difícil saber quanto desses efeitos biológicos podem ser traduzidos para os seres humanos”, avalia Lourenço, primeiro autor do artigo da Jama Network Open, que atualmente faz pós-doutorado na Universidade Livre de Berlim, na Alemanha. Foi ele quem anos atrás sugeriu a Mauad iniciar as pesquisas com microplásticos na USP e, antes de detectar essas partículas no cérebro humano, já as havia identificado nos pulmões de pessoas que viviam em São Paulo.
Por ora, o que se conhece de efeito mais direto sobre a saúde humana vem de um estudo de pesquisadores italianos publicado em março de 2024 no The New England Journal of Medicine. No trabalho, o médico Raffaele Marfella, da Universidade da Campânia, na Itália, e colaboradores acompanharam por cerca de três anos a saúde de 257 pessoas que haviam passado por um procedimento cirúrgico para retirar placas de gordura (ateroma) das carótidas, as principais artérias que irrigam o cérebro. As placas de 150 participantes continham partículas de microplásticos (majoritariamente polietileno), enquanto as dos outros 107 estavam livres desses contaminantes. Ao final do estudo, a proporção de pessoas que havia sofrido infarto, acidente vascular cerebral ou morrido por qualquer razão era 4,5 vezes maior no primeiro grupo do que no segundo.
Embora o estudo seja associativo e não permita estabelecer uma relação de causa e efeito, os pesquisadores suspeitam que o aumento desses problemas se deva em parte à presença dos micro e nanoplásticos. “Nosso estudo sugere que os micro e nanoplásticos em placas de ateroma podem exacerbar a inflamação e o estresse oxidativo no endotélio vascular. Esses efeitos podem desestabilizar as placas, tornando-as mais vulneráveis a se romperem, o que pode levar a eventos cardiovasculares agudos, como infarto do miocárdio ou derrame”, afirmou Marfella a Pesquisa Fapesp.
Ele e os outros pesquisadores não descartam a possibilidade de que mais fenômenos expliquem o aumento dos problemas cardiovasculares. “Os mecanismos alternativos incluem a possibilidade de que os microplásticos sirvam como transportadores para outras substâncias nocivas, que podem contribuir ainda mais para a inflamação sistêmica e a disfunção endotelial. Além disso, condições preexistentes, como síndrome metabólica ou diabetes, podem predispor os indivíduos tanto ao maior acúmulo de microplásticos quanto aos riscos cardiovasculares”, acrescentou.
Na tentativa de descobrir se os microplásticos podem agravar a formação do ateroma, o cardiologista Kleber Franchini e sua equipe no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo, iniciaram em outubro a fase-piloto de um estudo que pretende acompanhar 2 mil pessoas ao longo de dois anos. O objetivo é verificar se a presença de micro e nanoplásticos no sangue – e em qual concentração – influencia a extensão das placas de ateroma nas artérias do coração. “Estudos recentes mostram que a formação das placas de ateroma tem origem inflamatória e, aparentemente, só o aumento do colesterol não seria suficiente para causar o problema”, explica Franchini. “Se os micro e nanoplásticos são inflamatórios, talvez aumentem ou acelerem a formação das placas”, pressupõe.
Como evitar
Enquanto não surgem mais estudos medindo o efeito dos micro e nanoplásticos sobre a saúde humana, o que cada um pode fazer é minimizar sua exposição a eles reduzindo os utensílios e objetos plásticos em casa, evitando as roupas de fibras sintéticas e o consumo de alimentos e bebidas embalados em plástico, que quando aquecidos liberam ainda mais dessas partículas.
Livrar-se totalmente deles é hoje – e talvez o seja por muito tempo – impossível. A produção global de plásticos cresce desde a década de 1950 e, nos últimos 20 anos, aumentou à taxa de 50% por década, alcançando os 460 milhões de toneladas em 2019. Uma estimativa recente da organização não governamental Earth Action estima que todos os anos 3,8 milhões de toneladas de micro e nanoplásticos cheguem aos mares e outros 8,9 milhões aos ambientes terrestres. Mesmo que a produção global de plásticos fosse interrompida por completo hoje, a quantidade de macro, micro e nanoplásticos que chega ao ambiente continuaria subindo por muito tempo. (Com informações da Revista Pesquisa Fapesp)
Fonte: O Tempo