O fim do isolamento social e a consequente volta da rotina das pessoas aos estudos e ao trabalho podem ser os motivadores para a queda em 14,18% dos divórcios em Minas Gerais no ano de 2022, se comparado com o ano de 2021, e para a queda de 13,3% em relação a 2020, quando houve o auge da pandemia pela Covid-19. Para especialistas, a convivência constante entre os casais dentro de casa e os abalos psicológicos causados pelo isolamento, podem ter resultado em brigas que levaram às separações. Por outro lado, a retomada da rotina no ano retrasado pode ter gerado as quedas nos números de divórcios. Em 26 de dezembro de 2022, a Lei do Divórcio no Brasil completou 45 anos.

Em 2020 foram registrados, de janeiro a dezembro, 7.979 divórcios em Minas Gerais, segundo dados do Colégio Notarial do Brasil (CNB). Já em 2021, foram 8.060, número que, em 2022, caiu para 6.917. “Com o cenário de pandemia, surgiu a necessidade de as pessoas ficarem mais dentro das próprias casas. Consequentemente, o desgaste das relações entrou em evidência, e muitos casais decidiram pelo divórcio. Além disso, o lançamento da plataforma e-Notariado permitiu a prática de diversos atos notariais em meio eletrônico, inclusive a escritura de divórcio, sem a necessidade de estar lado a lado com o ex-companheiro, de forma fácil, rápida e totalmente digital”, explica Victor de Mello e Moraes, presidente do CNB-MG.

Os registros de separação em 2022 são os mais baixos desde 2010, quando foram 5.102 divórcios no Estado. A psicóloga Vanessa Fernandes conta que percebeu uma maior intolerância dos casais durante a pandemia, mas que, no ano passado, isso mudou. “Não era só pelo isolamento social, mas também a questão da pandemia pela Covid-19 estava trazendo muito estresse e muita ansiedade para as pessoas. Elas ficaram à flor da pele, e as brigas de casais aumentaram muito. No ano passado, com a melhora da pandemia, a retomada das pessoas à vida social, o psicológico melhorou muito, e, consequentemente, as brigas e a necessidade de separação reduziram bastante”, ressalta.

A psicóloga considera ainda que os divórcios são muito importantes para livrar as pessoas de relacionamentos tóxicos. “Quando um casal já não está mais se fazendo bem, essa separação legalizada é muito importante. Principalmente quando se tem filhos e várias questões legais precisam ser resolvidas”, conclui. 

Vida nova

Mesmo não tendo ocorrido no período da pandemia, o divórcio da terapeuta ocupacional Heloísa Mendes, de 55 anos, significou a certeza de que o fim na relação era o início de uma nova vida. Heloísa se divorciou do ex-marido com quem ela esteve junta por 24 anos, em 2013. Na época, os filhos do casal tinham 12 e 13 anos.

“Comecei a namorar meu ex-marido antes de completar 15 anos. Namoramos por seis anos. Fui criada em uma família muito rígida e acreditava que casamento era pra sempre. Minha autoestima era péssima. Me achava muito feia e só via defeitos em mim. Quando ele surgiu, eu pensei: alguém gostou de mim, mas ele reforçava a minha baixa autoestima. Dizia que eu era esquisita, reforçava o que eu via como defeitos. Com maturidade, formação superior na área da saúde mental e terapia, fui percebendo os motivos que me levaram ao matrimônio e eu já não cabia naquela relação”, lembra.

Ela contou que, na época do divórcio, saiu de casa, já que o ex não quis deixar o imóvel. Ela tentou preservar a saúde mental dela e dos filhos. Heloísa conta que sempre trabalhou e, muitas vezes, em mais de um emprego. “O processo de divórcio é pesado e doloroso para o casal e para os filhos, quando se tem. Existe algo muito difícil de se entender, tipo: o que mudou para que isso acontecesse? Quem errou? É um misto de culpa e alívio. Depois que me divorciei, eu não queria ‘descer muito’ o padrão de vida por causa dos filhos. Mesmo passando por alguns perrengues, foi o melhor que fiz”, conclui.

Lei do Divórcio completa 45 anos com trajetória de flexibilizações para facilitar separação 

Desde que foi implementada em 1977, a Lei do Divórcio sofreu uma série de alterações que inclusive tornaram mais fácil promover a separação. Em 2020, foi implementado o divórcio online por meio da plataforma e-Notariado (www.e-notariado.org.br), onde o casal, por meio de um certificado digital emitido de forma gratuita por um Cartório de Notas, pode declarar e expressar sua vontade em uma videoconferência conduzida pelo tabelião.

O presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Rodrigo da Cunha, destaca que essas mudanças e facilidades não implicam necessariamente em um aumento das separações. “As pessoas tinham muito medo de que as facilidades fossem culminar no fim das famílias, mas isso não é verdade, tanto que a Lei do Divórcio foi flexibilizada e não houve aumento das separações. Isso quebra essas regras moralistas. O que faz as pessoas ficarem juntas não são essas regras, mas sim o desejo. O Estado se afasta cada vez mais de se envolver na vida privada.”, explica.

Saiba quais foram os principais avanços na Lei do Divórcio:

– Em 1977, só era possível divorciar uma vez. Eram necessários cinco anos de separação de fato ou três anos de separação judicial.

– Em 1988, o prazo foi reduzido para dois anos de separação de fato e um ano de separação judicial.

– Em 2007, a Lei 11.441 autorizou divórcios e inventários consensuais de maiores e capazes nos cartórios de notas. A Emenda Constitucional 66/2010 simplificou ainda mais o sistema de divórcio no Brasil: acabou com prazos para se requerer ou conceder o divórcio; acabou com a discussão da culpa pelo fim da conjugalidade; e extinguiu a separação judicial.

Sem apoio judicial, divórcio pode ser calvário para mulheres

A pedagoga Cláudia Souza, de 47 anos, conta que se livrou de um relacionamento abusivo ao se divorciar do ex-marido, mas, ao mesmo tempo, se viu diante de vários empecilhos judiciais para conseguir se manter e manter as filhas financeiramente. “Ele era o provedor da casa e não me deixava trabalhar. Ele me agredia física e verbalmente. Mandei ele embora de casa em agosto de 2019”, conta Cláudia. Na época, as crianças tinham 6 e 9 anos.

Ela revela que, com isso, as filhas precisaram deixar a escola particular e que teve início uma longa luta judicial para conseguir a pensão. “A Lei do Divórcio tinha que ter um amparo judicial melhor, você separa e a família fica descoberta. Meu ex-marido era o único provedor da casa, as filhas sempre estudaram em escola particular e faziam outras atividades. No momento do ajuizamento da ação de divórcio, ele ofertou apenas um salário mínimo para as duas filhas sob a alegação de que era sustentado pelos pais, sendo que exercia a advocacia criminal brilhantemente, tendo mais de mil processos ativos. A Justiça não apurou as inverdades, prejudicando imensamente as filhas, que tiveram suas vidas transformadas. Além do sofrimento emocional, a estrutura mudou completamente”, reclama.

Atualmente, Cláudia precisa se virar com trabalhos temporários para conseguir sustentar as filhas. “Acredito que muitas mulheres não se divorciam por causa dessa relação de poder nos relacionamentos. Às vezes, a mulher não tem como se sustentar e sustentar os filhos. A Justiça demora demais para deferir as pensões, às vezes não checa direito as condições do pai. Ainda há as ameaças que muitas mulheres sofrem caso pensem em se divorciar”, conclui.

A psicóloga Vanessa concorda com a pedagoga e conta que ela atende muitas clientes que têm dificuldades de se divorciar. “Apesar de atualmente termos um número muito maior de mulheres que são independentes e que trabalham, ainda temos hoje muitas mulheres que dependem dos homens, que criam uma relação de poder tão grande que não as deixa trabalhar. São homens que geralmente agridem as mulheres, se sentem donos delas, e o divórcio se torna um empecilho. Eu escuto mulheres verbalizarem que querem se divorciar, mas não têm coragem, não se sentem seguras”, complementa.

Veja a quantidade de divórcios em Minas por ano: 

2007 – 2.175

2008 – 2.515

2009 – 2.917

2010 – 5.844

2011 – 8.255

2012 – 8.649

2013 – 7.417

2014 – 7.550

2015 – 7.626

2016 – 8.034

2017 – 8.603

2018 – 8.230

2019 – 7.979

2020 – 6.917

2021 – 8.060

2022 – 6.226

Fonte: O Tempo

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