As doenças inflamatórias intestinais (DIIs), que incluem a doença de Crohn e a colite ulcerativa, causaram mais de 170 mil internações no Sistema Único de Saúde (SUS) nos últimos dez anos, segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP). O estudo, baseado em dados do Sistema de Informações Hospitalares do Ministério da Saúde (MS), aponta ainda que houve um crescimento expressivo dessas internações: de 14.782 casos em 2015 para 23.825 em 2024, um aumento de 61% no período.
De acordo com a entidade, o avanço está relacionado aos altos níveis de industrialização, principalmente em capitais e regiões metropolitanas do país. A industrialização e mudanças no estilo de vida, como o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, são considerados fatores que podem estar contribuindo para esse aumento.
A cirurgiã geral e oncológica Fernanda Cardoso Parreiras, mestre em ciências aplicadas à oncologia e também docente da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (Faseh), observa que o aumento segue uma tendência global, principalmente em países em desenvolvimento, como o Brasil. “A estimativa em países ocidentais varia de 3 a 20 casos por 100 mil habitantes ao ano. No Brasil, embora os dados ainda sejam limitados, vemos um crescimento consistente. A doença costuma surgir entre os 15 e 35 anos, mas pode atingir qualquer faixa etária”, completa.
Apesar da doença de Crohn ser uma condição crônica, ela pode ser controlada, segundo a especialista. Doutora Fernanda disse que, com tratamento adequado, acompanhamento médico regular, uso de medicamentos, mudanças na alimentação e no estilo de vida, é possível conviver com a enfermidade mantendo qualidade de vida e rotina ativa.
O que é a doença de Crohn?
A doença de Crohn é uma inflamação crônica e autoimune que pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal, desde a boca à região anal. A condição ainda não tem cura e pode causar complicações graves, como estenoses (estreitamento intestinal), fístulas e desnutrição, especialmente quando não tratada de forma adequada. A condição alterna entre períodos de atividade inflamatória (fase aguda) com períodos de remissão, em que os sintomas estão ausentes ou controlados. A patologia não costuma ser fatal, mas pode trazer complicações sérias se não for bem controlada.
A médica explica que a origem da doença de Crohn é multifatorial. Envolve predisposição genética, alterações no sistema imunológico e fatores ambientais, como poluição. Também tem relação com alimentação, microbiota intestinal e exposição a agentes infecciosos. “Há também forte influência genética. Além disso, o tabagismo é outro fator de risco bem estabelecido. Embora a alimentação não cause diretamente a doença, ela pode influenciar no controle dos sintomas”, explica.
Fatores de risco associados à doença de Crohn:
- Tabagismo;
- Histórico familiar de doença inflamatória intestinal;
- Uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroides;
- Viver em áreas urbanas ou com maior grau de industrialização.
A condição é um fator de risco para desenvolver câncer de intestino
Pacientes com Crohn que apresentam inflamações prolongadas no cólon têm maior risco de desenvolver câncer colorretal. “Esse risco é mais elevado após 8 a 10 anos de evolução da doença”, alerta Fernanda Parreiras.
Sintomas mais comuns do Crohn:
- Fadiga;
- Dor abdominal;
- Perda de peso;
- Febre em alguns casos;
- Diarreia persistente (com ou sem sangue);
- Também podem ocorrer sintomas fora do intestino, como aftas, dores articulares e lesões de pele;
- De acordo com o Ministério da Saúde, sinais precoces incluem lesões anais, como hemorróidas, fissuras, fístulas e abscessos.
Sinal de alerta
O paciente deve desconfiar da doença quando há diarreia crônica acompanhada de dor abdominal e perda de peso. “Outro alerta é a presença de sangue nas fezes ou sintomas persistentes, que não respondem aos tratamentos convencionais”, orienta Fernanda Parreiras
Diagnóstico
O diagnóstico da doença de Crohn é clínico e se baseia na combinação de sintomas e exames. Os principais métodos incluem procedimentos:
- Laboratoriais;
- Endoscópicos (como a colonoscopia com biópsia);
- De imagem (como a tomografia ou ressonância abdominal);
- Marcadores inflamatórios (como a calprotectina fecal – feita com uma amostra de fezes e que mede a inflamação no intestino.
Tratamento
A especialista conta que o tratamento é individualizado e pode envolver medicamentos imunossupressores, antibióticos, biológicos (como anti-TNF, que é uma medicação que bloqueia uma substância chamada Fator de Necrose Tumoral) e, em alguns casos, cirurgia para tratar complicações como estenoses, fístulas ou abscessos. “O objetivo do tratamento é manter o paciente na fase de remissão pelo maior tempo possível, garantindo mais qualidade de vida e controle dos sintomas”, afirma Fernanda Parreiras.
Medicamentos utilizados no tratamento da doença de Crohn
- Aminossalicilatos;
- Corticosteroides;
- Imunomoduladores (como a azatioprina);
- Agentes biológicos (como a infliximabe e adalimumabe);
- Antibióticos em situações específicas.
Medicações disponibilizadas pela Farmácia de Minas
Em Minas Gerais, a Farmácia de Minas, programa integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS), disponibiliza gratuitamente os medicamentos para o controle do Crohn, como Adalimumabe 40 mg (injetável – seringa preenchida originador e biossimilar); Azatioprina 50 mg (comprimido) e Infliximabe 10 mg/ml (injetável-frasco-ampola originador e biossimilar). A medicação é disponibilizada por meio do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf), que faz parte da Assistência Farmacêutica do SUS.
Quanto ao abastecimento das medicações disponibilizadas pela Farmácia de Minas, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou por meio de nota que: “os medicamentos Azatioprina 50 mg comprimido e Infliximabe 10 mg/ml injetável-frasco-ampola (originador e biossimilar) encontram-se devidamente abastecidos”.
Quanto ao Adalimumabe 40 mg injetável-seringa preenchida, tanto as apresentações originador como biossimilar, encontram-se desabastecidas, devido ao atraso na entrega por parte do Ministério da Saúde. “Tão logo o estoque seja regularizado, a distribuição será realizada às unidades dispensadoras, conforme cronograma definido. Salienta-se que diversos fatores podem impactar a regularidade no abastecimento de medicamentos, como processos de aquisição, logística, disponibilidade de insumos farmacêuticos, desvios de qualidade e atrasos na entrega por parte dos fornecedores”, informou a SES em nota.
“A SES-MG reforça seu compromisso em atender com qualidade e pontualidade às necessidades da população. Para isso, tem envidado esforços contínuos para solucionar os desafios relacionados ao abastecimento de medicamentos, garantindo maior eficiência no atendimento aos cidadãos. Os usuários podem acompanhar a disponibilidade dos itens diretamente no aplicativo MG App, que é atualizado diariamente pelos estabelecimentos dispensadores, facilitando o acesso à informação”, concluiu.
Confira a tabela de medicamentos e pacientes cadastrados para retirada das medicações:
Medicamentos | Pacientes ativos |
Adalimumabe 40 (Biossimilar B) mg solução injetável (seringa preenchida) | 3.788 |
Adalimumabe 40 (Crohn/PSO/Hidra) mg solução injetável | 1.511 |
Adalimumabe 40 (Uveítes – Biossimilar B) mg solução injetável | 3 |
Adalimumabe 40 mg solução injetável | 5.375 |
Azatioprina 50.00 mg comprimido | 11.743 |
Infliximabe 10 (Artrite) mg/ml pó para injetável | 296 |
Infliximabe 10 (Biossimilar A) mg/ml injetável | 3.360 |
Infliximabe 10 mg/ml pó para injetável | 863 |
Mais informações sobre a doença de Crohn
- Alimentação dos pacientes: Não há uma restrição formal a um tipo de alimento, mas, em fases agudas, alguns alimentos podem piorar os sintomas. “Em geral, é recomendado evitar alimentos ultraprocessados, ricos em gordura e lactose. A orientação nutricional é essencial para orientar e individualizar a dieta do paciente”, reforça Fernanda Parreiras. O Ministério da Saúde também recomenda evitar o consumo de alimentos condimentados ou ricos em fibras durante as fases ativas da doença.
- Vacinação para imunossuprimidos: Fernanda Parreiras reforça que “os pacientes imunossuprimidos (que são pessoas que apresentam baixa imunidade ou enfraquecimento do sistema imunológico) devem evitar vacinas com vírus vivos. Fora isso, devem manter o calendário vacinal atualizado, pois estão mais suscetíveis a infecções”.
- Aposentadoria por invalidez: A especialista ainda pontua que em casos graves, onde exista impacto funcional significativo nas atividades, internações recorrentes ou necessidade de cirurgias frequentes, o paciente portador da condição pode ter direito à aposentadoria por invalidez, desde que comprovado por perícia médica.
Evaristo Costa e a doença de Crohn
O jornalista Evaristo Costa, de 48 anos, revelou que perdeu mais de 22 quilos em três semanas por causa dos sintomas da doença de Crohn. Em vídeo publicado no Instagram, ele afirmou ter consciência de que pode colocar a doença em remissão e viver normalmente.
“Mas ainda não consegui, ainda não aprendi a lidar com ela (doença de Crohn). Ainda tenho muita dificuldade, ainda não encontrei o remédio certo para estabilizá-la. Então ainda convivo com os sintomas, que são terríveis”, conta o jornalista.
Após o depoimento, que viralizou na rede social, internautas e seguidores do jornalista compartilharam nos comentários que também convivem há anos com a doença, mas que, após encontrarem o tratamento adequado, conseguem levar uma vida saudável.
Fonte: André Fernandes/ O Tempo