O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública pedindo à Justiça Federal que proíba a vacinação contra o HPV (papiloma vírus humano) na rede pública em todo o Brasil. O argumento é o de que a prevenção do câncer de colo de útero é “especulativa” já que a imunização no Brasil teve início em 2006 e o tumor demora cerca de 10 anos para se manifestar. Além disso, o MPF alega não existir conhecimento científico disponível sobre os efeitos colaterais da vacina.
A decisão é motivada por uma ação movida pela mãe de uma adolescente de Uberlândia que desenvolveu problemas de saúde com sequelas definitivas, após receber a vacina contra o HPV. A ação também pede a anulação de todos os atos normativos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que autorizaram a importação, produção, distribuição e comercialização da vacina no país, além da suspensão de qualquer campanha de vacinação, inclusive por meio de propaganda em veículos de comunicação.
Presidente da Sociedade Mineira de Ginecologia e Obstetrícia (SOGIMIG), Agnaldo Lopes diz que apesar de ser importante que se investigue exaustiva e continuamente os efeitos adversos de qualquer tipo de vacina, a decisão do MPF pode impactar a saúde da mulher brasileira, já que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) atesta a segurança do medicamento. “Temos que considerar ainda que alguma intercorrência pode ser dar pelo acaso, como foi a situação de meninas em Bertioga, interior de São Paulo, que tiveram formigamento nas pernas depois de receber a vacina contra o HPV, mas que a relação foi descartada. A definição de casualidade é muito importante”, reforça.
O presidente da Sogimig destaca ainda que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e a Sociedade Brasileira de Imunização (SBIM) atestam e recomendam a vacinação contra o HPV. Para ele, a decisão do MPF vai diminuir a adesão à campanha de imunização que já está em queda. Em 2014, a adesão da primeira dose foi de 100% e da segunda, de 65%. Neste ano, a adesão da primeira dose foi apenas de 50%. “Associar vacina a efeitos adversos diminui a cobertura populacional”, salienta. Para ele, as investigações de efeitos adversos devem se dar no âmbito individual e não é motivo para impedir a vacinação para o país inteiro.
A vacina contra o HPV está liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2006. Existem dois tipos de vacina contra o HPV que são utilizadas no mundo todo. A quadrivalente (que protege contra os subtipos 6, 11, 16 e 18) e a bivalente (contra os 16 e 18). Os subtipos 6 e 11 são os que causam a verruga genital. Já os 16 e 18 são os que ocasionam o câncer de colo de útero.
No Brasil, a imunização foi incluída no calendário anual da população brasileira há dois anos e o país adota o padrão de duas doses para meninas de 9 a 13 anos (a segunda dose é aplicada seis meses depois da primeira). O padrão de três doses da quadrivalente é para meninas de 14 anos ou mais e se dá da seguinte maneira: a segunda dose dois meses depois e a terceira dose seis meses depois da primeira. Em julho deste ano, a Anvisa aprovou resolução retirando o limite de idade para a vacina, que poderá ser aplicada em todas as mulheres que tenham mais de nove anos.
A vacinação contra o HPV é uma medida do Ministério da Saúde complementar às demais ações preventivas do câncer de colo de útero, entre elas, a realização do exame Papanicolau e o uso de preservativo nas relações sexuais.
Transmisão HPV
A transmissão do vírus do HPV se dá por contato direto com a pele ou mucosa infectada. A principal forma é pela via sexual, que inclui contato oral-genital, genital-genital ou mesmo manual-genital. Assim sendo, o contágio com o HPV pode ocorrer mesmo na ausência de penetração vaginal ou anal. Também pode haver transmissão durante o parto. Não está comprovada a possibilidade de contaminação por meio de objetos, do uso de vaso sanitário e piscina ou pelo compartilhamento de toalhas e roupas íntimas.
Argumento MPF
Para o procurador da República Cléber Eustáquio Neves, autor da ação, “a decisão de fornecer a vacina contra o HPV é temerária, até porque desde que passou a ser aplicada em várias países, mais de dois mil efeitos colaterais foram registrados. O governo japonês, por exemplo, retirou seu apoio para vacinas HPV, em face do relato de inúmeros efeitos colaterais que vão desde de dor, paralisia, alterações do funcionamento do coração, alterações do sistema imunológico, dos sistemas de coagulação do sangue, dos sistemas respiratório, nervoso e digestivo, até dores musculares e infertilidade”.
O MPF ouviu um neurocirurgião da cidade de Uberlândia/MG, que relatou a ocorrência, em pacientes que haviam tomado a vacina contra o HPV, de quadros clínicos neurológicos, como esclerose múltipla, neuromielite ótica, mielites, paraplegias, tumor de medula espinhal, lesões oculares, déficit visual, déficit de memória e aprendizado, pseudotumor cerebral e trombose venosa cerebral.
Também em Nova Deli, Índia, o Conselho Indiano de Pesquisa Médica pediu a suspensão do programa de vacinação contra o HPV, devido a quatro mortes que estariam associadas à Gardasil, vacina distribuída pelo laboratório Merck no Brasil.
Na opinião do médico, a afirmação de que a vacina previne o câncer é “especulativa”, já que ela teve seu uso clínico iniciado em 2006 e o câncer de colo de útero demora cerca de 10 anos para se manifestar. Além disso, segundo ele, os estudos a favor do uso da vacina teriam sido realizados por pesquisadores que recebem honorários do fabricante, o que retiraria a imparcialidade científica dos trabalhos.
“Diante desses fatos, não vimos outra alternativa senão a de ingressar em juízo para impedir que a vacina continue sendo aplicada em todo o território nacional, na rede pública ou privada de saúde”, explica Cléber Eustáquio Neves. “Até porque também não existe comprovação cabal de que o HPV cause o câncer de colo de útero”.
Ainda segundo a argumentação do procurador, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) afirma que existem mais de 100 tipos diferentes de HPV, sendo que apenas 13 deles podem causar câncer. Ainda de acordo com o INCA, o câncer de colo de útero é um desfecho raro na presença da infecção pelo HPV.
O Município de Uberlândia, que é réu na ação juntamente com a União, o Estado de Minas Gerais e a própria Anvisa, deverá recolher todos os lotes do medicamento e devolvê-los ao Ministério da Saúde.
O MPF pede ainda a condenação da União e da Anvisa por dano moral coletivo, em virtude de terem disponibilizado “vacina que, de fato, não protege as mulheres contra o câncer de colo de útero”. Leia a integra da decisão.