O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu o ofício das tacacazeiras responsáveis pelo preparo e venda do tradicional tacacá como patrimônio cultural do Brasil. A decisão marca o reconhecimento oficial de um saber indígena que atravessa gerações e permanece vivo nas cidades amazônicas, onde a iguaria é presença obrigatória no fim da tarde.
O tacacá é preparado a partir de ingredientes típicos da região, como goma de mandioca, tucupi, jambu e camarão seco. Cada tacacazeira guarda segredos próprios, transmitidos dentro das famílias, para equilibrar a alcalinidade da goma, a acidez do tucupi e os temperos que variam de barraca para barraca, como chicória, alfavaca e alho. O reconhecimento do ofício implica que o Iphan deverá elaborar um plano de salvaguarda, que incluirá ações de divulgação gastronômica, gestão dos pequenos negócios, acesso a matérias-primas e melhorias nos pontos de venda.
Entre as trabalhadoras que preservam esse saber está tia Naza, de 71 anos, moradora de Manaus. Ela aprendeu a preparar o prato com a mãe e a avó e, há 15 anos, tem no tacacá sua principal fonte de renda. “O tacacá sempre existiu na minha vida. Formei dois netos advogados, dois médicos e um jornalista”, contou Maria de Nazaré, lembrando que todos a ajudaram na barraca. Em Brasília, onde participou da reunião do Iphan, celebrou o reconhecimento: “Ser tacacazeira é ter orgulho dos nossos ingredientes únicos. A culinária amazônica é viva, potente e merece ser celebrada”.
Com o tempo, o tacacá também ganhou novas versões: com caranguejo, pipoca e até opções veganas, com palmito ou azeitona. Hoje, além das tradicionais barracas nas esquinas de Belém e outras cidades da região, o prato pode ser solicitado por aplicativos de entrega. Ainda assim, muitos consumidores defendem que a cuia tradicional faz diferença no sabor. “Há quem diga que, se não for na cuia, não tem o mesmo sabor, e eu sou uma delas”, afirmou a feirante Jaqueline Soares Fonseca em vídeo exibido na reunião do Conselho Consultivo do Iphan.
O reconhecimento do ofício é resultado de um projeto de pesquisa desenvolvido pelo Iphan em parceria com a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). A equipe percorreu sete estados para documentar o processo de preparo do tacacá, desde a compra dos ingredientes até a comercialização, ouvindo tacacazeiras sobre a importância da tradição. No dossiê que embasou a inscrição no Livro dos Saberes, o Iphan destacou que os trabalhadores são “detentoras de saberes e segredos”, responsáveis por transmitir “um conhecimento exclusivo” e preservar formas de sociabilidade.
O tacacá tem origem indígena, e sua venda foi registrada ainda no fim do século 19, em meio à urbanização da Amazônia e à falta de oportunidades de trabalho. Muitas mulheres passaram a vender alimentos nas ruas como forma de sustento, conciliando as responsabilidades familiares e econômicas. O projeto da Ufopa teve apoio de emenda parlamentar do senador Jader Barbalho (MDB-PA), que celebrou a decisão do Iphan ao destacar: “O tacacá é muito mais do que um prato. É o sabor do Pará servido em cuia”.
Com o reconhecimento do ofício das tacacazeiras como patrimônio cultural, o Brasil oficializa a importância desse saber ancestral e reforça a necessidade de preservação de práticas que sustentam não apenas tradições culinárias, mas também histórias de resistência, trabalho e identidade na região amazônica. O plano de salvaguarda do Iphan deverá garantir a valorização e continuidade desse patrimônio vivo.
Com informações do Hoje em Dia











