Dores no corpo e de cabeça, febre e dias de cama. Muitas pessoas tiveram esses sintomas após contrair dengue. Mas uma pesquisa, publicada recentemente na revista Science, sugere que quem passou por esse transtorno pode, no final, ter tido um benefício: produzido anticorpos que neutralizam a ação do zika vírus, causa em potencial para o nascimento de crianças com microcefalia.

O estudo foi feito por brasileiros em conjunto com institutos norte-americanos. Para se chegar ao resultado, eles analisaram a reação de anticorpos no organismo de moradores do bairro Pau da Lima, em Salvador (BA), bastante afetado pelo surto de zika em 2015.

Inicialmente, o levantamento buscou entender os impactos da enfermidade no organismo de uma pessoa que já tinha previamente contraído dengue. Coordenador da pesquisa, o professor Frederico Costa, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), explicou que havia um receio de que uma segunda infecção, dessa vez por zika, piorasse o estado de saúde do doente.

O temor fazia sentido. Tanto a dengue quanto o zika são transmitidos por vírus “parentes” – os flavivírus –, com genéticas semelhantes. Por isso, uma nova contaminação poderia ser sinônimo de complicações parecidas com as de quem teve dengue mais de uma vez, evoluindo para a forma hemorrágica.

Esse resultado decorre de um processo chamado “potencialização dependente de anticorpos” (ADE, na sigla em inglês). “No caso da dengue acontece da seguinte forma: a pessoa contrai um dos quatro tipos do vírus e o corpo produz anticorpos contra ele. Mas, quando ela contrai a enfermidade novamente, de outro tipo, os anticorpos anteriormente produzidos não conseguem combatê-lo. Pelo contrário, acabam ajudando-o a entrar mais rapidamente nas células, gerando o quadro mais grave da doença”, explica Frederico Costa.

“O estudo permite compreender a associação entre a dengue e o zika, ambos transmitidos pelo Aedes aegypti. Outro ponto destacado é que os vírus causadores das doenças são de mesmas famílias, o que pode impactar nas estratégias de combate e prevenção a elas”.

 

Constatação

Entretanto, o que se observou na pesquisa foi o contrário. Segundo o virologista Ernesto Azevedo Marques, do Departamento de Doenças Infecciosas da Universidade de Pittsburgh (EUA), 73% dos moradores do Pau da Lima contraíram zika em 2015. Seis meses depois, a transmissão caiu a quase zero.

Os especialistas, então, foram atrás de respostas para a queda dos números, uma vez que a taxa de contágio da doença era extremamente alta na época. “Observamos que muitas pessoas que haviam contraído dengue não foram infectadas por zika. À medida que elas tinham mais anticorpos contra a primeira infecção, menor a possibilidade de contágio da segunda”, afirmou.

“A conclusão sugere que cada duplicação dos níveis de anticorpos contra dengue corresponde a uma redução de 9% no risco de infecção pelo zika”, disse Marques, que também participou do levantamento.

Estratégias de vacinação

O estudo pode impactar na estratégia de vacinação contra a dengue no Brasil. Uma vez que a doença é endêmica e há interesse nacional na produção do imunizante, especialistas estão ansiosos por resultados de novos testes envolvendo a associação do vírus com o zika.

Coordenador do grupo de pesquisa da proteção contra a dengue em desenvolvimento na UFMG, o professor Flávio da Fonseca reforça dois pontos. “Se antes havia um temor de que a manipulação desses anticorpos (da dengue) no paciente poderia ser maléfica em caso de contato com o zika, isso está sendo refutado”, frisa.

Outra questão levantada pelo especialista é que a conclusão da pesquisa pode aumentar o interesse do poder público na produção da imunização. “E, quem sabe, mais pesquisas indiquem, num futuro próximo, que uma vacina acabe ajudando a proteger contra outras doenças”, diz o docente.

Entretanto, tanto Flávio da Fonseca quanto os pesquisadores envolvidos no estudo pedem cautela na análise da descoberta. “Tudo ainda está no início. Precisamos de outros trabalhos e mais pesquisas para termos certeza dos resultados”, ponderou o professor Frederico Costa, da Fiocruz.

Em dezembro

Até lá, a expectativa está voltada para o início da produção de uma vacina contra a dengue pelo Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo, em parceria com um laboratório de medicamentos. A previsão é a de que a fabricação seja iniciada em dezembro deste ano.

De acordo com a instituição, atualmente os trabalhos concentram-se nos testes em humanos. O próximo passo já será o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a distribuição e comercialização das doses.

 

 

Fonte: Hoje em Dia ||

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