Em 2024, os trabalhadores brasileiros que atuaram por meio de aplicativos — como motoristas, entregadores e prestadores de serviços — tiveram rendimento médio mensal de R$ 2.996, superando em 4,2% a renda daqueles que não utilizavam plataformas digitais (R$ 2.875). No entanto, essa vantagem vem acompanhada de jornadas de trabalho mais longas, menor remuneração por hora e alta taxa de informalidade. Os dados são do módulo especial sobre trabalho por aplicativos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgado nesta sexta-feira (17) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa mostra que, apesar do rendimento maior, os chamados “plataformizados” trabalharam, em média, 44,8 horas por semana, contra 39,3 horas dos não plataformizados. Com isso, o valor médio por hora trabalhada entre os que atuam por apps foi de R$ 15,4, inferior ao dos demais trabalhadores, que receberam R$ 16,8 por hora — uma diferença de 8,3%.
O estudo aponta que, em 2024, 1,7 milhão de pessoas tinham os aplicativos como principal forma de intermediação de trabalho. A pesquisa incluiu desde motoristas de transporte individual (Uber, 99), entregadores (iFood, Rappi) até prestadores de serviços digitais (como designers, tradutores e médicos que utilizam telemedicina).
No recorte por escolaridade, os trabalhadores com ensino fundamental completo ou médio incompleto que atuavam por aplicativos tiveram renda até 50% superior à média nacional. No entanto, a realidade se inverte para aqueles com ensino superior completo: entre esses, os plataformizados ganharam 29,8% a menos (R$ 4.263) do que os não plataformizados (R$ 6.072).
Segundo o analista do IBGE, Gustavo Fontes, esse dado pode indicar que muitos trabalhadores com formação universitária não encontraram vagas em sua área de atuação e recorreram às plataformas como alternativa de renda. “A gente sabe que tem pessoa formada em engenharia e que está dirigindo por aplicativo”, exemplificou.
Informalidade e falta de proteção social
A informalidade entre os trabalhadores por aplicativos é significativamente mais alta do que entre os demais ocupados. Cerca de 71,7% dos plataformizados atuam sem carteira assinada ou sem CNPJ, contra 43,8% dos não plataformizados.
A contribuição para a previdência social também é menor: apenas 35,9% dos plataformizados contribuem, enquanto entre os não plataformizados esse índice chega a 61,9%.
Motoristas e motociclistas por aplicativo
O levantamento também detalhou o cenário de motoristas e motociclistas:
- Motoristas: o Brasil tinha, em 2024, 1,9 milhão de motoristas ocupados, sendo 43,8% deles (824 mil) atuando por aplicativos. Esses profissionais tiveram renda média de R$ 2.766, R$ 341 a mais que os motoristas não plataformizados (R$ 2.425). Porém, trabalharam em média 45,9 horas por semana, cinco horas a mais do que os demais. O rendimento por hora ficou em R$ 13,9 — acima dos não plataformizados informais (R$ 13,7), mas abaixo dos formais (R$ 14,7). Apenas 25,7% dos motoristas por app contribuíam para a previdência, e a informalidade atingia 83,6% deles.
- Motociclistas: dos 1,1 milhão de ocupados com motos, 351 mil (33,5%) trabalhavam por meio de apps — um salto em relação a 2022 (21,9%). A renda média dos motociclistas plataformizados foi de R$ 2.119, 28,2% acima dos demais (R$ 1.653). A jornada também foi mais longa: 45,2 horas semanais, contra 41,3 dos não plataformizados. A hora trabalhada dos motociclistas por app foi avaliada em R$ 10,8, acima até dos formalizados fora das plataformas (R$ 10,6/hora). Apenas 21,6% contribuíam para a previdência, e a informalidade atingia 84,3% do grupo.
O estudo considera apenas pessoas que têm os aplicativos como atividade principal, não incluindo quem realiza bicos esporádicos para complementar a renda.
A alta informalidade e a falta de proteção social reacendem a discussão sobre o vínculo empregatício entre plataformas digitais e trabalhadores. Representantes das categorias, como motoristas e entregadores, defendem o reconhecimento do vínculo para evitar a precarização do trabalho — argumento rebatido pelas empresas do setor.
A questão está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que deve retomar o julgamento no início de novembro. A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contrária ao reconhecimento do vínculo formal.
A pesquisa do IBGE revela um retrato complexo do trabalho por aplicativo no Brasil: embora ofereça rendimento mensal superior em muitos casos, o modelo está associado a maiores jornadas, menor remuneração por hora, alta informalidade e baixa proteção previdenciária. O crescimento da plataformização do trabalho, especialmente entre profissionais com menor escolaridade ou sem alternativa no mercado formal, desafia políticas públicas e reacende o debate sobre direitos trabalhistas no ambiente digital.
Com informações Agência Brasil