O padre Bernardino Batista dos Santos, de 77 anos, preso pela Polícia Civil na quarta-feira (23), pode ter abusado de mais de 50 crianças e adolescentes desde os anos 1980. A Polícia Civil investiga os estupros e não descarta que novas vítimas apareceram. Bernardino era conhecido como “Santo do Paraíso”.
A Itatiaia conversou com duas vítimas do padre – que não serão identificadas e não terão os abusos detalhados. Uma delas foi atacada nos anos 1980, e a outra, na década seguinte. Elas encorajam outras vítimas a procurarem a polícia para registrar denúncia e reclamam da cultura de silêncio na igreja para acobertar os estupros.
Conforme a Itatiaia mostrou em agosto deste ano, pelo menos 60 mulheres já relataram episódios de abuso contra o padre, quando eram crianças, de 7, 8 e 9 anos. Os crimes sexuais teriam acontecido entre 1970 e 2000. No entanto, as denúncias, mesmo que investigadas pela Polícia Civil, não tiveram um desfecho na Justiça, já que os crimes de estupro de vulnerável, segundo a lei, já prescreveram.
Estupro nos anos 1980
Uma delas conta que foi abusada pelo padre Bernardino em 1980, quando tinha apenas sete anos. O primeiro crime aconteceu durante um evento em que estavam presentes outras meninas e suas famílias. “Ele passou pela mesa e pediu meus pais para que eu fosse com ele até o escritório da obra da Igreja para pegar uns papéis”. Como havia uma relação de confiança com a família, ela acompanhou o religioso.
Ele trancou a porta e começou a teatrinho dele assim: ‘o Fulano não para de me seguir. Vem aqui. Vamos abaixar aqui. Fica deitadinha aqui, porque assim ele acha que não tem ninguém’. Ele puxou um papelão, me pediu para deitar e deitou em cima de mim”.
No segundo abuso, a garota estava na catequese quando foi chamada na casa paroquial. “Ele me arrastou para dentro de casa e me levou para onde era a sala. Tirou a calça, ficou só de cueca, me fez deitar e ficou se masturbando. Dessa vez foi mais violento”, lembra. Ela se recorda que o padre encerrava os abusos dizendo: “eu preciso disso”.
Ela contou os abusos para a mãe, que procurou a igreja para denunciar. No entanto, um bispo teria ido à casa da família para pedir que não seguissem com a denúncia. A mãe ficou sabendo dos crimes em série durante um encontro em casa com outras meninas da paróquia – uma coleguinha perguntou à vítima o que ela foi fazer na casa paroquial. Quando ela contou, as colegas relataram ter sofrido abusos de modo semelhante.
A mãe, então, procurou pais de outras vítimas, que preferiram não seguir em frente com as denúncias. “As crianças ficavam em pânico com medo de os pais não acreditarem. Uma respondeu para minha mãe: ‘não posso contar para o meu marido porque ele vai lá dar um tiro nele’”, relata.
Ela ainda tentou ir à arquidiocese de Belo Horizonte, mas teria ouvido de um bispo que padre Bernardino “era doente e teria que ser tratado”. “Era tudo muito acobertado (pela igreja)”, revolta-se a vítima ao lembrar dos abusos cometidos pelo padre quando era criança.
A Itatiaia procurou a Arquidiocese de Belo Horizonte, que não quis comentar as denúncias nem a tentativa das famílias que tentaram registrar reclamações contra o padre. “O sr Bernardino Batista está afastado do sacerdócio desde 2021 – decisão definitiva a partir do Vaticano – instância final”, informou a arquidiocese.
Vítima de abuso nos anos 1990 aos oito anos
A segunda vítima do padre Bernardino Batista dos Santos com quem a reportagem conversou foi abusada aos oito anos na década de 1990. Atualmente, ela tem 33 anos. A mulher também teve a palavra desacreditada na época. “Se hoje a palavra de uma criança já é questionada, imagina naquela época. Cheguei a reportar para minha mãe, mas ela não tinha muito o que fazer”, lamenta. “Ele (o padre Bernardino) era muito persuasivo, fazia com que todo mundo acreditasse que as crianças mentiam”, revolta-se.
Mesmo com a prisão do religioso, ela diz viver com medo e pede que outras vítimas registrem denúncia. “Como uma pessoa que foi vítima, eu quero dizer para você se você passou por isso você não tem culpa de nada. Você era uma criança. Você era indefesa. A gente não tem culpa. O que a gente pode fazer é denunciar para que esse tipo de coisa não aconteça com outras pessoas”, pede a mulher.
Vítimas do padre Bernardino criaram a página do Instagram @vitimasdosantodoparaiso, que reúne relatos de vítimas.
Além dos casos relatados, a Polícia Civil investiga três casos de mulheres que teriam tirado a própria vida após os abusos. Duas chegaram a entrar em contato com o grupo de vítimas, mas morreram em 2022. Uma terceira garota que morreu teria, inclusive, descoberto estar grávida do padre.
Fonte: Itatiaia