Ex-aluno e ex-presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, que em determinado momento encampou posição controvertida de parte dos alunos do então professor Alexandre de Moraes, ouso desmistificar a crítica feita ao novo virtual Ministro do STF, no que tange à admissibilidade da tortura em situações limite ou extremas.

Não temos informações acerca de ter o professor Alexandre simplesmente proposto o tema, para meditação dos alunos, ou haver expressado sua posição.

Seja como for, são fortes os argumentos que justificam um ato excepcional em situação de excepcionalidade. O dilema de Kant quanto ao dogma da verdade é altamente ilustrativo. O grande pensador de Konigsberg sustentava que a verdade é um valor absoluto e que não permitia nenhuma exceção, sob quaisquer circunstâncias. Voltado a uma moralidade férrea, uma fábula deu um nó em seu pensamento. Kant está sentado num bar em sua mesa, pontualmente às 16 e tanto, em seguida ao lendário “passeio do filósofo”. Inopinadamente, ingressa no café um homem em correria, esbaforido, desesperado, diz que outro o persegue para matá-lo e se esconde no banheiro. Pede para o filósofo não dizer onde estava. Em seguida chega o homem, com a mão no gatilho. Pergunta se alguém entrou ali. Kant indica o banheiro e ouve o tiro fatal. Tranquilamente retorna a casa para dar continuidade a seus escritos transcendentais…

O exemplo levado aos alunos pelo professor Alexandre foi semelhante. Alguém, num teatro, num circo, num trem, num avião, anuncia que escondeu uma bomba, a explodir em trinta minutos, em algum ponto que se recusa a dizer. Segundo nossa Constituição, tem direito a ficar calado e a não se submetido à tortura ou tratamento desumano ou degradante. Respeita-se a Constituição, o artefato é acionado e um genocídio se consuma num mar de sangue.

Hipóteses como essas são raras e só servem para desafiar nossa lógica. Mas é um bom exercício acadêmico e essa é a função precípua dos mestres. Sobretudo no direito constitucional. Isso porque o constituinte originário – a sociedade, o povo, regra geral em ebulição revolucionária – termina por inserir na Carta preceitos contraditórios. A solução está na axiologia, teoria dos valores, para se pronunciar o princípio mais ajustado à vontade coletiva e aos fins da Magna Carta, obviamente com sacrifício dos postulados contrários.  Esse é o campo escorregadio da exegese constitucional, que não raro leva às dissidências entre os Ministros, pouco compreendidas na urbe.

Temos para nós que a tortura “in extremis”, como nos exemplos assinalados, resolve-se afirmativamente. Ela é consequência inevitável de um estado de necessidade. Estado de necessidade é excludente de criminalidade. O saudoso professor Basileu Garcia dava o exemplo do capitão e do grumete, ambos, únicas vítimas de um naufrágio e à beira da morte por inanição: o capitão acaba por comer o grumete e, por isso, não perpetrou ato ilícito. Comer pode. Torturar não…

Em verdade, a polêmica fica descolorida à luz da lei penal. “Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade.” “Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.” Vista a norma penal, dizer que o futuro Ministro defendeu tortura somente pode emanar de intensa má fé e bloqueio ideológico.

Imagine-se o que não fariam os “politicamente corretos” se o professor Basileu, hoje, fosse indicado ao Supremo. As Arcadas, nossa célula máter, ficariam estremecidas.

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