Histórias sobre antigas figuras do crime organizado de Las Vegas estão vindo à tona depois que um segundo conjunto de restos humanos não identificados foi revelado, à medida que a seca faz cair o nível da água no Lago Mead.
O reservatório no Rio Colorado fica a cerca de 30 minutos de carro da avenida Las Vegas Strip, criada pela máfia.
“Não há como saber o que vamos encontrar no Lago Mead”, disse na segunda-feira o ex-prefeito de Las Vegas, Oscar Goodman. “Não é um lugar ruim para se desovar um corpo.”
Goodman foi um advogado de defesa que representou figurões da máfia, incluindo o malfadado Anthony “Tony Formiga” Spilotro, antes de cumprir três mandatos como o prefeito de martini na mão que aparecia em público com uma dançarina de cada lado.
Ele se recusou a especular sobre quem poderia aparecer no enorme reservatório formado pela Represa Hoover entre os estados de Nevada e Arizona.
“Tenho praticamente certeza de que não foi Jimmy Hoffa”, riu, referindo-se ao ex-chefão trabalhista que desapareceu em 1975. Mas ele acrescentou que muitos dos seus ex-clientes pareciam interessados em “controle climático” – gíria da máfia para manter o nível do lago alto e os corpos em seus túmulos aquáticos.
Em vez disso, o que há no mundo agora são as mudanças climáticas, e como resultado disso a superfície do Lago Mead baixou mais de 50 metros desde 1983. O lago, que sacia a sede de 40 milhões de pessoas em cidades, fazendas e tribos de sete estados do Sudoeste dos EUA, está reduzido a cerca de 30% da capacidade.
“Caso o lago recue muito mais, é bem possível que vejamos coisas interessantes emergirem”, diz Michael Green, um professor de história de Las Vegas na Universidade de Nevada, cujo pai foi crupiê de blackjack por décadas em diversos cassinos, incluindo os conhecidos Stardust e Showboat.
“Eu não apostaria que vamos descobrir quem matou Bugsy Siegel”, diz Green, referindo-se ao famoso gângster que abriu o cassino Flamingo, em 1946, no local que viria a se tornar a Strip. Siegel foi morto a tiros em 1947, em Beverly Hills, Califórnia. Seu assassino nunca foi identificado.
“Mas estaria disposto a apostar que haverá mais alguns corpos”, completa Green.
No mês passado, a queda do nível da água expôs a entrada mais alta de água potável para Las Vegas, que obrigou a autoridade hídrica regional a usar uma entrada na parte profunda do lago, construída em 2020, para continuar a fornecer água para cassinos, subúrbios, 2,4 milhões de habitantes e 40 milhões de turistas por ano.
No fim de semana seguinte, velejadores avistaram o corpo decomposto de um homem dentro de um barril enferrujado preso na lama da orla recém-exposta.
O cadáver ainda não foi identificado, mas a polícia de Las Vegas informou que ele teria sido baleado, provavelmente entre meados dos anos 1970 e começo dos anos 1980, em razão dos sapatos encontrados com ele. A morte está sendo investigada como homicídio.
Alguns dias depois, um segundo barril, não muito distante do primeiro, foi encontrado por uma equipe de reportagem da rede KLAS-TV. Estava vazio.
No sábado, duas irmãs do bairro de Henderson, no subúrbio de Las Vegas, estavam praticando stand-up paddle em um lago, perto de um antigo resort, e perceberam ossos em uma faixa de areia recentemente aflorada a cerca de 15 km dos barris.
Lindsey Melvin, que tirou fotos da descoberta, contou que inicialmente elas pensaram que fosse o esqueleto de um carneiro selvagem típico da região. Um olhar mais atento revelou uma mandíbula humana com dentes. Elas chamaram os guardas florestais, e o Serviço Nacional de Parques deu uma declaração confirmando que os ossos eram humanos.
Não havia indícios imediatos de ação criminosa, segundo informou a polícia de Las Vegas na segunda-feira, e por isso não há investigação em curso. Um inquérito de homicídio seria aberto caso o legista do condado de Clark determinasse que a morte era suspeita, dizia o comunicado da polícia.
Geoff Schumacher, vice-presidente do Museu da Máfia, disse que imagina que “muitos” dos corpos que estejam sob a superfície do lago acabem sendo de vítimas de afogamento. Mas para ele está claro que a pessoa que estava no barril teria sido um alvo.
Enfiar um corpo em um barril era “marca registrada de execução pela máfia”, diz Schumacher, cujo museu fica em um prédio reformado no centro de Las Vegas, que já foi um correio e uma repartição pública federal. Ele foi inaugurado em 2012 como Museu Nacional do Crime Organizado & Forças Policiais.
Tanto ele quanto Green mencionaram a morte de John “Johnny Bonitão” Roselli, um mafioso de Las Vegas de meados da década de 1950, que desapareceu em 1976. Poucos dias depois, seu corpo foi encontrado em um tambor de aço, flutuando na costa de Miami.
David Kohlmeier é um ex-policial que se tornou um dos apresentadores de um podcast e de um novo programa de TV de Las Vegas chamado “The Problem Solver Show”, o “Show do Resolvedor de Problemas”. Ele disse na segunda-feira que, depois de oferecer uma recompensa de US$5.000 (R$26.000) para mergulhadores qualificados que fossem procurar barris no lago, ele recebeu contato de pessoas em San Diego e na Flórida que se dispunham a tentar.
Autoridades do Serviço Nacional de Parques, porém, disseram que isso não é permitido, e que existem centenas de barris nas profundezas, alguns datados da construção da Represa Hoover nos anos 1930.
Kohlmeier disse que também foi contactado por famílias de pessoas desaparecidas, e em relação a casos como um homem suspeito de matar mãe e irmão em 1987, um empregado de hotel que desapareceu em 1992, e um pai de Utah que desapareceu na década de 1980.
Segundo Green, as descobertas fizeram as pessoas comentarem não apenas as execuções da máfia, mas também a possibilidade de trazer alívio e um final de ciclo para as famílias em luto.
“Elas pensam que vamos resolver todos os assassinatos da máfia. De fato, talvez vejamos alguns”, disse. “Mas também vale a pena lembrar que a máfia não gostava que as execuções acontecessem na região de Las Vegas, porque não gostavam de propaganda negativa envolvendo o nome da cidade.”
Não importa qual história venha à tona em relação ao corpo no barril, Goodman prevê que isso aumentará o folclore local da cidade que precisou da criação do Lago Mead, brotando no deserto coberto de arbustos de creosoto, para se tornar uma meca dos jogos de azar com uma região metropolitana de aproximadamente 2,25 milhões de pessoas.
“Quando fui prefeito, todas as vezes que ia a um evento de lançamento da pedra fundamental, começava a tremer, com medo de que alguém que eu tivesse conhecido ao longo dos anos fosse descoberto”, brincou.
Spilotro, ex-cliente de Goodman, representava a máfia de Chicago em Las Vegas na década de 1970. Ele liderava uma gangue apelidada de “Buraco na Parede”, porque perfuravam paredes para entrar em casas e estabelecimentos. O corpo de Spilotro e o de seu irmão, Michael Spilotro, foram encontrados em junho de 1986 por um fazendeiro, enquanto arava um milharal no noroeste do estado de Indiana.
Tony Formiga serviu de modelo para o personagem Nicky Santoro, interpretado pelo ator Joe Pesci, no filme de Martin Scorcese de 1995, “Cassino”. Goodman interpretou a si mesmo no filme.
“Temos um histórico muito interessante”, disse ele à Associated Press. “Isso certamente contribui para a mística de Las Vegas”.
Fonte: G1