A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara aprovou, por 38 votos a 18, nessa terça-feira (19), um projeto que permite desmatar vegetações nativas não florestais em todos os biomas brasileiros.

O projeto foi analisado em caráter terminativo pela comissão, e seguirá diretamente para o Senado, se não houver recurso para análise no plenário da Câmara.

Parlamentares do governo já afirmaram que devem apresentar recurso para que a proposta seja discutida pelo conjunto dos deputados.

A proposta já havia passado pela Comissão do Meio Ambiente. Durante a tramitação na CCJ, o relator, deputado Lucas Redecker (PSDB-RS), ampliou o escopo do projeto, que terá validade para todo o território brasileiro.

Toda e qualquer área de vegetação nativa perde a proteção com a aprovação desse projeto”, afirmou o deputado Bacelar (PV-BA). Deputados da oposição rebateram as críticas dizendo que “nenhuma árvore será derrubada”.

O que diz o projeto?

Conforme o texto, que altera o Código Florestal, as formas de vegetação nativa predominantemente não florestais, “como os campos gerais, os campos de altitude e os campos nativos”, serão consideradas áreas rurais consolidadas e, com isso, poderão ser exploradas.

O texto também fixa o marco temporal de 22 de julho de 2008, a partir do qual a área será considerada “ocupação antrópica a atividade agrossilvipastoril”, ainda que não tenha ocorrido a mudança da vegetação nativa.

Para além de retirar a proteção especial à Mata Atlântica e a qualquer outro bioma, o texto, ao suprimir toda e qualquer proteção legal aos campos nativos, deixa partes muito significativas dos biomas Pantanal, Cerrado, Amazônia, Pampa e Caatinga completamente desprotegidas e suscetíveis à conversão agrícola descontrolada”, avalia a Fundação SOS Mata Atlântica.

Mata Atlântica

O relator incluiu no texto um dispositivo conflitante com a Lei da Mata Atlântica, o que provocou protestos de integrantes da base do governo.

Segundo a proposta, as regras estabelecidas para a regularização ambiental de imóveis rurais previstas no Código Florestal valem para todo o país e afastam “disposições conflitantes contidas em legislações esparsas”, inclusive aquelas que se refiram apenas à parcela do território nacional, como a área de predominância da Mata Atlântica.

O texto, na prática, revoga a Lei da Mata Atlântica, que justamente estabelece uma regra mais protetiva – conflitante com o Código Florestal nesse aspecto – para parcela do território nacional: a área de domínio da Mata Atlântica”, afirmou em nota a SOS Mata Atlântica.

Impacto

Os campos gerais, os campos de altitude e os campos nativos são regiões com vegetação nativa em que não há predominância de florestas.

Os campos nativos representam quase metade dos Pampa e Pantanal e cerca de 9% do Cerrado, além de enclaves da Mata Atlântica e Amazônia.

O texto flexibiliza a proteção ambiental de cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o país:

  • 50% do Pantanal (7,4 milhões de hectares)
  • 32% dos Pampas (6,3 milhões de hectares)
  • 7% do Cerrado (13,9 milhões de hectares)
  • Quase 15 milhões de hectares na Amazônia
  • O projeto passará a considerar essas regiões como “áreas rurais consolidadas”, caso tenham sido “utilizadas” para pastoreio.

Esse e outros projetos que permitem o desmatamento de excedentes em reserva legal, facilitam a exploração de madeira e ameaçam o pouco que restou da Mata Atlântica. E pior, amplia essa ameaça para todos os biomas brasileiros”, afirmou Bacelar.

A proposta foi articulada para favorecer os agricultores da região sul e permitir que eles explorem regiões de campos de altitude. O texto estava restrito à região sul, mas foi ampliado, o que provocou críticas dos parlamentares da base.

O projeto aqui acaba com a proteção dos campos de altitude em todos os biomas brasileiros, independente de estar antropizado ou não. O relatório antigo estava limitado ao Rio Grande do Sul e agora piora”, afirmou a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

O que pensam parlamentares contrários à proposta?

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), criticou o fato de o relator ter voltado atrás no parecer que estava restrito a áreas da região sul.

Resolver os problemas dos produtores gaúchos e produtores rurais é real, é legítimo. O problema é que o projeto avança, desequilibra e se torna extremamente grave. Na prática se retira a proteção de todos os biomas onde há áreas protegidas”, destacou.

A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), ressaltou que mais de 86% das áreas da Mata Atlântica já foram desmatadas.

O projeto ameaça 48 milhões de hectares. Precisávamos plantar árvores, mas somos impacientes e reflorestar demora (…) Em pleno século 21, quando o Brasil pretende sediar a COP. Não dá para pensar em economia enfraquecendo a legislação ambiental”.

O que afirmam os defensores do projeto?

Redecker negou que o projeto ataque áreas de preservação ambiental. Ele afirmou que o texto dá liberdade ao produtor rural de converter o campo em lavoura.

O que estamos fazendo aqui é justiça, corrigindo a possibilidade daqueles produtores rurais que já vem utilizando a sua propriedade há muitos anos poderem converter esse campo em área de lavoura ou cultivar qualquer circunstância que ache necessária”, afirmou o relator.

O deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) disse que o projeto é importante para o desenvolvimento da agricultura da região.

Não é para cortar árvore. É para plantar milho, soja. O campo que é mencionado nesse projeto não é para poder derrubar árvore, porque não tem árvore em cima do campo. Ele está lá jogado sem ter o que plantar”, declarou o parlamentar gaúcho.

Entidades criticam

Consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), Mauricio Guetta afirma que a proposta libera o “desmatamento generalizado” de vegetações nativas não florestais.

Trata-se de proposta que pretende revogar toda a proteção da vegetação nativa não florestal, em vigor no Brasil desde 1934, liberando-a para o desmatamento generalizado em todo o país. O impacto é abissal em biomas predominante não florestais, como Pantanal, Cerrado, Caatinga e Pampa, mas também afeta enormes áreas não florestais presentes na Amazônia e na Mata Atlântica”, disse.

Para o SOS Mata Atlântica, a proposta renega a “importância dos campos nativos ao considerar essas áreas estratégicas para segurança hídrica, climática e da biodiversidade”.

Com o falso argumento de que nenhuma árvore será derrubada com essa flexibilização legal, os parlamentares favoráveis ao projeto renegam a importância dos campos nativos ao considerar essas áreas estratégicas para segurança hídrica, climática e da biodiversidade, como áreas consolidadas aptas para conversão agrícola sem a necessidade de licenciamento e recuperação ambiental”, diz a fundação em nota.

 

Fonte: G1

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