Enquanto o presidente Jair Bolsonaro parte para o confronto direto com o Supremo Tribunal Federal (STF), deflagrando novo capítulo da crise institucional, analistas do mercado veem um futuro cada vez mais sombrio para a economia em 2022. A inflação não dá trégua e os riscos fiscais estão de volta ao radar do mercado, que não descarta estagflação ou até mesmo recessão no ano que vem por conta, principalmente, do custo cada vez mais elevado de um Bolsonaro que sinaliza fazer tudo o que puder para ganhar na briga eleitoral.

O choque de realidade desse Bolsonaro populista está em curso, e, como consequência, as estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem estão em queda livre e nem mesmo os riscos de recessão ou de estagflação são descartados. O cenário desenhado pelos analistas para um ano eleitoral, que costuma ser atípico, é de uma economia cada vez mais fraca, com juros em escalada e inflação forte, corroendo o poder de compra dos brasileiros e mantendo milhões deles na fila do desemprego.


Esse pessimismo foi resultado dos sinais confusos sobre a responsabilidade fiscal do governo, que não revela o tamanho do novo Bolsa Família, nem como ele será custeado. Além disso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defende com unhas e dentes uma medida que dá uma rasteira na Constituição ao propor o adiamento no pagamento de precatórios – dívidas judiciais da União – por meio da Proposta da Emenda à Constituição (PEC) nº 23/2021, que também tenta burlar o teto de gastos – emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior -, para abrir um espaço maior para os gastos públicos em pleno ano eleitoral, de acordo com especialistas.


Não à toa, a confiança no governo piorou. Os juros cobrados para a compra de títulos públicos estão em dois dígitos, tanto para médio quanto para longo prazos. De acordo com o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o custo Bolsonaro está deixando a economia pior do que antes do impeachment de Dilma Rousseff, com a inflação de agosto podendo rodar no patamar de 2015, quando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 10,67%, e o dólar vai continuar valorizado com R$ 5,50 sendo o piso para os próximos meses e o ano que vem.


A mediana das estimativas do mercado para o PIB de 2022, de 2,5% no início do ano, está caminhando para 1,5%, mas alguns analistas não descartam uma taxa perto de 1% no PIB do ano que vem. Como o carregamento estatístico previsto para este ano está em torno de 1,4%, se essas novas projeções forem confirmadas, o crescimento do PIB será nulo, na melhor das hipóteses, enquanto a taxa básica de juros (Selic) deverá ficar acima do patamar neutro, de 6,5% a 7% até o fim do ano, conforme o sinal dado pelo Banco Central, o que ajudará a frear a atividade no ano que vem.


“Os fundamentos não são bons e estão se deteriorando ao longo do ano. Inflação baixa não existe e Selic deverá terminar o ano entre 7,5% e 8,5%, o que levará uma taxa real aos juros entre 3,5% e 4%, um patamar que poderá levar o país para uma recessão no ano que vem”, alerta o economista Simão Silber, professor doutor da Universidade de São Paulo (USP).


Ele prevê o PIB de 2022 crescendo apenas 1% no ano que vem, principalmente, pela crise institucional que está se formando. “O conflito entre os Poderes está muito acirrado e deverá colocar ainda mais desconfiança nas instituições. Esse mau humor aumentou com a possibilidade de calote dos precatórios, por meio de um pedido unilateral de reestruturação de uma dívida que tem que ser pago”, complementa.


Risco hidrológico


Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital, reconhece que o cenário é preocupante e destaca que o maior risco é o hidrológico, porque “poderá colocar o país em um quadro de estagflação se não houver chuvas no quarto trimestre deste ano”. Barros, por enquanto, mantém em 1,8% a estimativa de expansão do PIB em 2022, após um crescimento estimado por ele de 5,5% neste ano, mas admite viés negativo se a seca persistir.


Sergio Vale, da MB, reduziu de 1,8% para 1,4% a previsão de crescimento do PIB em 2022, mas admite que o viés é de novas baixas. “Teremos um cenário dramático no ano que vem, com juros elevados e crescimento muito fraco em meio a uma eleição bastante polarizada”, avalia.
Segundo ele, essa nova onda de revisões do mercado é resultado de uma conjugação da piora do mercado doméstico com o internacional. “Mas o pano de fundo central são os deslizes constantes da política econômica e o enfraquecimento do presidente às vésperas do ano eleitoral. Pelo temperamento de Bolsonaro, vai ser difícil acreditar em alguma conciliação. Esse permanente estado de conflito vai continuar tirando pontos do crescimento”, emenda.


Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, demonstra mais preocupação com a piora do cenário externo, que não deverá ajudar a recuperação da economia brasileira como vinha ocorrendo no início do ano. “O pessimismo vai continuar, porque os mercados emergentes, como o Brasil, sofrerão muita instabilidade com a perspectiva de como vai ser a alta dos juros dos Estados Unidos. E, internamente, ainda temos a incerteza dos efeitos da crise hídrica neste semestre, que ainda não sabemos se serão mais ou menos intensos. E essa crise hídrica se comunica com o ambiente político mais competitivo, e isso aumenta os riscos dos mercados e tende a forçar mais volatilidade”, explica.
Padovani também não descarta a questão fiscal nesse balanço de riscos maiores. “Existe um conjunto de ruídos que afeta o crescimento no próximo ano”, emenda.
As estimativas otimistas de curto prazo estão sendo dissipadas e não devem melhorar devido ao aumento das restrições fiscais, de acordo com a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), que prevê alta de 1,6% no PIB do ano que vem e também não descarta revisões para baixo.
“Há muito ruído sobre as alternativas do governo em achar espaço no Orçamento de 2022 em um ano eleitoral. Existe uma demanda legítima de gastos sociais, o problema é que a piora na questão fiscal tem contaminado o cenário cambial e o risco da inflação, que está elevada, e coloca mais lenha nessa fogueira. Mesmo com uma visão mais benigna de que o Banco Central vai fazer com que a política monetária ajude a controlar a inflação, o risco fiscal via câmbio desancora as expectativas dos agentes”, destaca.


“O pessimismo tomou conta do mercado com a investida do governo com medidas não muito claras em relação à questão fiscal. Isso colaborou para as revisões do PIB de 2022, com algumas abaixo do carrego estatístico de 1,4%”, alerta o economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria. Ele conta que o mercado sabe que Bolsonaro sempre foi populista, mas o ministro Paulo Guedes era o fiel da balança para conter, mas essa confiança está se dissipando. “A PEC dos precatórios foi a gota d’água e ainda tem o novo Bolsa Família que o governo precisa arrumar um espaço fiscal. Há bastante barulho, mas o cenário está se deteriorando mais por conta das expectativas do que por ações de fato”, afirma.


Ao contrário de Paulo Guedes, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que tem mais credibilidade junto ao mercado financeiro, admitiu preocupação crescente com o fiscal e com a persistência das pressões inflacionárias. Ele, inclusive, tem deixado bem claro que o BC vai fazer “o que for necessário” para manter a inflação dentro da meta. Contudo, os analistas admitem que, mesmo com os esforços do BC, os tetos das metas de 2021, de 5,25% – já foi para o espaço – e o de 2022, de 5%, podem não ser cumpridos por dois anos seguidos.
Por conta dessas pressões inflacionárias, Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, avalia que a taxa Selic poderá chegar a 9%, em março de 2022, ou até subir mais ao longo do próximo ano. “A inflação está persistente, mesmo quando tiramos os efeitos sazonais. Em julho, nossas estimativas já indicavam um IPCA acima de 4% no ano que vem, mas é possível que a inflação fique acima da meta em 2022, a não ser que ocorra uma grande mudança, com uma forte queda nos preços das commodities”, alerta Velho.


Cobertor curto
A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembra que a inflação, que ajudou o governo na correção do limite do teto, criando um espaço extra, está cobrando o seu preço antecipadamente. Pelas estimativas dela, o Índice de Preços Nacional ao Consumidor (INPC), que corrige as despesas, deverá ficar em 8% no fim do ano, e, com isso, a folga do teto, que foi corrigido com pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado até junho, de 8,35%, poderá não existir. Esse espaço extra era, inicialmente, estimado em R$ 30,4 bilhões pelo governo, considerando alta de 6,2% no INPC. “O cobertor ficou mais curto e o bônus inflacionário durou pouco. Aliás, a inflação nunca é boa. E para o fiscal será mais um desafio”, resume.


Humor azedo
O pessimismo que tomou conta dos agentes financeiros fez a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) ficar abaixo de 115 mil, mesmo que por um período curto, e o dólar encostar novamente em R$ 5,40, enquanto o governo insiste em defender a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios. Apenas no acumulado de agosto até sexta-feira (19), quando fechou em 118.052 pontos, a B3 acumula queda de 3,07% em relação a julho, taxa maior do que o recuo acumulado no ano, de 0,81%. De acordo com parlamentares da oposição, o governo não terá apoio nessa proposta de pedalada. Enquanto isso, os juros para os títulos públicos prefixados com vencimentos a partir de 2026 já ultrapassam 10% ao ano.

Fonte: Estado de Minas

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