O suco de laranja vendido em garrafa está mudando e pode ter conter cada vez menos da fruta na sua composição. Segundo reportagem da Bloomberg, a pior crise global de produção em quatro décadas, causada por eventos climáticos extremos e pelo avanço da doença conhecida como greening, tem levado a indústria a recorrer com mais frequência a compostos aromáticos e aditivos naturais para preservar o sabor e a consistência do produto.

O impacto é global, mas o Brasil, que concentra cerca de 60% da produção mundial de suco de laranja e 75% das exportações, é um dos países mais afetados.A estimativa de produção brasileira para a safra 2024/25 é de 8,8 milhões de toneladas, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), queda acentuada em relação às 12,5 milhões de toneladas da temporada anterior, de acordo com dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Se confirmada, será a pior colheita brasileira em três décadas.

A redução na oferta tem origem em uma combinação de fatores climáticos e biológicos. Estados como São Paulo enfrentam secas prolongadas e ondas de calor mais intensas, enquanto o greening, que compromete o desenvolvimento da fruta e torna o suco mais amargo, avança sobre os pomares. A situação é semelhante nos Estados Unidos, onde o estado da Flórida, maior produtor local, deve colher sua menor safra desde 1930.

Para lidar com a escassez e a perda de qualidade das frutas, as indústrias têm intensificado o uso dos chamados flavor packs, uma combinação de compostos aromáticos criada para padronizar o sabor.

A técnica não é nova, surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, quando os EUA buscavam formas de transportar vitamina C para soldados. Na prática, os óleos essenciais removidos no processo de concentração do suco são reaproveitados para reforçar aroma e sabor.

Com a crise atual, empresas como a irlandesa Kerry Group e a americana IFF (International Flavors and Fragrances) estão investindo no desenvolvimento de aditivos naturais para ajudar a reduzir os custos de produção. Em alguns casos, os flavor packs já nem utilizam mais derivados de cítricos, tamanha a escassez.

Na Europa, a holandesa PeelPioneers transforma cascas descartadas por restaurantes e supermercados em matéria-prima para a produção de compostos aromáticos para alimentos e produtos de beleza.

A elevação dos preços também compromete a competitividade do suco brasileiro no exterior. Na Bolsa de Nova York, a tonelada da laranja passou de US$ 1.119 em 2019 para US$ 5.364 em 2024, alta de quase 380%. No Brasil, a caixa da fruta saltou de R$ 58,70 em janeiro para R$ 136,51 em novembro de 2024, segundo dados do Cepea/Esalq.

A alta derrubou as exportações: na última safra, o Brasil embarcou 961 mil toneladas de suco, uma queda de 9,3%. A União Europeia, principal destino do produto, reduziu suas compras em quase 12%.

Com os custos elevados, marcas têm buscado soluções criativas, como misturas com suco de manga, diluição com água (criando bebidas do tipo néctar) ou redução no tamanho das embalagens. A Associação de Engarrafadores relata que algumas garrafas passaram de 1 litro para 700 mililitros, com o objetivo de manter o preço final mais acessível ao consumidor.

Apesar dos esforços, o consumo global de suco de laranja continua em queda. Segundo a Associação Internacional de Sucos de Frutas e Vegetais (IFU), o consumo recuou entre 15% e 20% na Europa em 2024. Nos Estados Unidos, a ingestão da bebida caiu mais da metade desde os anos 1990. O concentrado congelado, que custava menos de R$ 33 por quilo, chegou a quase R$ 55 em fevereiro deste ano.

Para especialistas, a principal preocupação do setor é que a perda de consumidores se torne permanente. Se a base de clientes se reduzir de forma estrutural, mesmo uma eventual recuperação da safra pode não ser suficiente para reverter a tendência. “O suco de laranja faz parte do estilo de vida saudável de muitos consumidores, mas precisa ser acessível e, no momento, não é”, afirmou Kees Cools, presidente da IFU, em entrevista à Bloomberg.

Fonte: Carolina Ingizza/Exame

 

 

 

 

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