Um pouco sobre a história das telecomunicações no Brasil – parte 01; a 1ª válvula de transmissão brasileira

 

Há milhares de anos, um homem sem nome, carteira de identidade e título de eleitor, conseguiu passar uma mensagem para seu companheiro. Através de sinais, utilizando-se de signos até então desconhecidos… Este cidadão estabeleceu um código que trouxe uma possibilidade única em si mesmo: o ato de comunicação.

Daquele momento até os dias de hoje, o homem vem aperfeiçoando a arte de comunicar-se, criar laços, romper fronteiras, derrubar barreiras… Todos os povos, todas as nações, perseguem o mesmo objetivo – o emissor transmite sua mensagem codificada, o receptor decodifica a ideia e apreende o sentido… E assim, as estórias podem ser contadas, as tradições podem ser perpetuadas, a memória tem o seu arquivo…

Existem dois fatos curiosos ligados ao serviço de recondicionamento de válvulas de transmissões de RF (radiofrequências) e que merecem serem contados aqui.

O primeiro foi com relação a fabricação destas válvulas pela Standard Electric (idos de 1930/1940), lembrando que, até os anos de 1920, o Brasil era considerado um País agrícola, a terra e seus produtos eram a medida de riqueza e a industrialização era um sonho considerado por muitos, inatingível e, por outros, desnecessário, quando o seu diretor Forest Hudson Farmer Jr., satisfeito com o sucesso da fabricação da primeira válvula, resolveu levá-la para ser mostrada ao diretor do Departamento de Rádio da Marinha Brasileira, o almirante Guilherme Bastos Pereira das Neves, um dos pioneiros deste Serviço na Marinha Brasileira.

O almirante Neves fazia seus próprios cigarros de palha e parecia que tinha, com isso, tanto prazer como em fumá-los. Foi “pitando” o seu cigarro que o almirante Neves ia ouvindo o relato do Sr. Farmer, das dificuldades que tivera de superar para afinal ter chegado à primeira válvula de RF fabricada no Brasil. De vez em quando, o almirante interrompia o relato para pedir detalhes e perguntava:

E a placa, Sr. Farmer, como é que o Sr. conseguiu fazer a placa?

O Sr. Farmer, presunçoso, respondia:

Bom, Excelência, a placa foi cortada e prensada em nossa oficina, de uma chapa que recebemos dos Estados unidos da América.

O almirante Neves, continuando a ouvir o relato, ia tirando “gostosas baforadas” do seu cigarro de palha e novamente perguntava:

E o filamento?

O Sr. Farmer respondia, animado pelo interesse do almirante em conhecer os detalhes:

Como o Sr. sabe, Sr. Almirante, o filamento é feito de fio de tungstênio, que não é ainda trefilado no Brasil, mas, conseguimos receber de nossa matriz, na América do Norte, muitos carreteis de fio, o que nos assegura ter o fio por muito tempo.

E o almirante Neves atento voltou ao seu cigarro, continuando a ouvir o Sr. Farmer.

E assim, o Sr. Farmer, eufórico, contou, com entusiasmo, como resolveu os vários problemas da fabricação da válvula, graças à ajuda inestimável da matriz Norte Americana.

Quando terminou, ficou aguardando os possíveis elogios do almirante, que permanecia calado e pensati­vo, em um silencio constrangedor, sempre fiel ao seu cigarro, que já estava no fim; deu mais uma “baforada” e fez o comentário final:

Sr. Farmer, o Sr. colocou dentro dessa válvula todo o material importado e o ar, que é nacional, o Sr. o tirou, para fazer o vácuo, e vem aqui para me mostrar essa válvula, como sendo a primeira válvula brasileira???…

É de justiça declarar que o Sr. Forest Farmer era homem muito competente e grande amigo do Brasil. O episódio da válvula, citado acima, como “anedota”, serve apenas como um marco do pioneirismo da Standard Electric no Brasil, que, naquela época – 1943/1944, em plena 2ª Guerra Mundial, já iniciava seus esforços para a fabricação de válvulas de transmissão, o que efetivou, pouco tempo depois, em fins de 1945, com a fabricação de válvulas radio­transmissoras desde 25Watts até 50kW; em 1953, a Standard Electric do Brasil já produzia 32 diferentes tipos de válvulas de transmissão, inclusive as grandes válvulas 9C29 e 9C31, sendo nesta mesma época encerrada as atividades de fabricação de válvulas pela Marinha Brasileira, pois a Standard Electric já supria as suas necessidades.

 

Fonte: Adaptação pessoal por Alexandre Dezem Bertozzi do capítulo 05 do livro: História Geral das Telecomunicações no Brasil, Caderno I, Organizador Henry British Lins de Barros,  Edição patrocinada pela XEROX do Brasil. 1992.

 

Foto: Forest Hudson Farmer Jr.

 

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