O número de focos de incêndios em Minas Gerais pode dobrar até o fim da atual estação de estiagem (de abril a setembro), caso o ritmo histórico médio dos últimos 45 dias desse período se mantenha, o que desperta alerta e preocupação entre especialistas e combatentes. As projeções de incêndios em vegetação, como o que atingiu ontem o Parque Estadual Serra Verde, na Região Norte de BH, são feitas com base nos registros de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e encontram respaldo também na avaliação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), que prevê menos chuvas do que nos últimos três anos até outubro.
A apreensão se agrava em meio a um cenário de alterações no clima e previsões de aquecimento das temperaturas globais, já alertadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar do risco, e da perspectiva de destruição que vem em seu rastro, bombeiros e órgãos estaduais de combate a incêndios se dizem preparados para as semanas mais críticas da temporada.
Segundo estatísticas do Inpe, a média de focos de calor – como são tecnicamente definidas as ocorrências captadas em satélite – entre abril e 15 de agosto nos últimos 10 anos (2013/2022) foi de 33,22% do total de registros do período de estiagem. Ou seja, nos 45 dias restantes, o número de focos representou 66,78% do total.
Mantido esse ritmo na atual estação, os 1.941 focos registrados entre abril e 15 de agosto de 2023 podem se multiplicar duas vezes, com a ignição de cerca de 3.900 novos focos, totalizando mais de 5.800 possíveis pontos de incêndio. Se essa projeção se efetivar, será o quarto pior quadro em 10 anos, perdendo para 2021 (9.932 focos), 2019 (6.560) e 2014 (6.179).
As mesmas estatísticas mostram que o mês de setembro é crítico para a ocorrência de queimadas e de incêndios florestais, tendo sido responsável pela média de 51,91% dos focos de calor registrados pelo Inpe nos últimos 10 anos no período de seca, muito à frente de agosto (21,72%) e julho (11,97%).
Temperaturas e risco em elevação
Responsável por avaliar e sintetizar o conhecimento científico sobre as mudanças climáticas e seus impactos, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) calcula cenários que podem intensificar os incêndios florestais no território mineiro. Nos quadros de modelagens, o indicativo é de alta probabilidade de elevação das temperaturas e de aumento da frequência de eventos de calor extremo na região. Isso amplia também, por outro lado, os riscos de inundações, transbordamentos e deslizamentos causados pelo despejo repentino de temporais.
Para se ter uma ideia dos impactos na área mais povoada de Minas Gerais, que é a Grande BH, com uma elevação global em cenário otimista de 1,5°C até 2030, as temperaturas na região poderiam ser ampliadas em 1,9°C. No caso mais pessimista, com as temperaturas do planeta sendo ampliadas em média 4°C, a região poderia ter um aquecimento de 4,8°C.
Na mesma linha que o Corpo de Bombeiros aponta, de que a quase totalidade dos incêndios é provocada por ações criminosas, o presidente da Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá), Gustavo Malacco, afirma que é importante conter essa devastação, e alerta para situações irreversíveis. “Temos de entender que um possível aumento de 1,5°C (nas temperaturas globais) não representará só isso em Minas Gerais e no cerrado; teremos até 2°C, e isso já é realidade”, adverte.
Ele destaca a urgência de mudança de comportamentos e práticas. “Temos também pela frente um super El Niño. Se nada mudar, se não pararmos com emissões de gases de aquecimento e degradação, essa será a nossa nova realidade. O caminho é conter desmatamentos e cessar as emissões, ou estaremos condenados”, avalia.
O presidente do Instituto Diadorim – organização da sociedade civil que promove estudos e projetos para recuperação de áreas degradadas e defesa do cerrado –, Gustavo Gazzinelli, afirma que, além das mudanças climáticas, é preciso estar atento às causas criminosas de incêndios. “Falta consciência das pessoas e existem práticas criminosas até de grandes empresas. Em áreas de interesse, por exemplo, minerárias, se ateia fogo e se diz que a vegetação não é mais nativa ou que a empresa é que precisa tomar conta, pois o Estado não consegue. Acontecimentos muito fortuitos, muito providenciais e que ajudam a descaracterizar um local de vegetação que tinha de ser preservada”, aponta.
O ambientalista também critica a utilização de queimadas como meio de abertura de terrenos, em atitudes que avançam para situações nas quais as chamas se alastram sem controle.
Fonte: Estado de Minas