Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) usado pela Polícia Federal em investigação que resultou no afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) nesta quinta-feira (24) mostra uso de dinheiro em espécie para compras de carros, dezenas de cabeças de gado, joias e imóvel para magistrados. A forma de pagamento dificultaria o rastreio das operações.
A equipe do jornal O Tempo em Brasília teve acesso à cópia do relatório feito pela PF e enviado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que concedeu os 44 mandados de busca e apreensão usados na operação desta quinta. O documento com mais de 100 páginas, em que há o levantamento do Coaf apontando movimentações financeiras atípicas de desembargadores do TJMS, também traz cópias de notas fiscais e de mensagens trocadas pelos investigados.
Um dos cinco desembargadores afastados por ordem do STJ é o presidente do TJMS, Sérgio Fernandes Martins. A PF destacou as aquisições de bens por parte do magistrado com uso de dinheiro em espécie. Entre outras, ele declarou ter comprado, de uma só vez, 80 cabeças de gado em 2017. Os animais pertenciam ao seu pai, o desembargador aposentado Sérgio Martins Sobrinho. “Não obstante, frente aos dados bancários disponíveis, não foram identificadas transações bancárias que indicassem o pagamento da referida compra”, diz a PF.
Já em 2023, também de acordo com o relatório da PF, Sérgio Fernandes Martins declarou à Receita um significativo aumento de dinheiro em espécie. “Ocorre que Sérgio declara que em 2022 teria R$ 38.770,00 em saldo em espécie moeda corrente e em 2023 relata o aumento do saldo para R$ 141.727,90, um acréscimo de R$ 102.957,90 em espécie”, ressaltou a PF.
Os investigadores também chamaram a atenção para o fato de os dados bancários do magistrado não indicarem saques em espécie que pudessem justificar o aumento dos valores em dinheiro vivo. Ou seja, não haveria como saber de onde veio o dinheiro.
Mais de R$ 3 milhões e arsenal apreendidos durante operação
Durante o cumprimento dos mandados, na manhã desta quinta-feira, policiais federais encontraram e recolheram mais de R$ 3 milhões em espécie nas casas dos investigados. Uma equipe da PF saiu com um cofre da sede do TJMS em Campo Grande.
Apenas na residência do desembargador aposentado, Júlio Roberto Siqueira Cardoso, os agentes recolheram R$ 2,7 milhões, em notas de R$ 50, R$ 100, R$ 200 e de dólares. Siqueira se aposentou do TJMS em junho, após 40 anos de magistratura.
O STJ permitiu a quebra de sigilo fiscal do magistrado. A PF disse haver suspeita de que ele foi “corrompido para favorecer indevidamente” uma advogada esposa de outro juiz em troca de R$ 5 milhões.
Ainda segundo a PF, o desembargador, “sem qualquer fundamentação concreta revogou sua própria decisão anterior que impedia o prosseguimento da execução e permitiu o seguimento mesmo ciente das alegações de falsificação dos títulos executivos”.
A PF ressaltou, ainda, “as transações imobiliárias de grande monta realizadas pelo desembargador com o emprego de recursos de origem não rastreável, ou seja, que não transitaram em contas bancárias de titularidade do investigado”.
Agentes também apreenderam diversas armas de fogo na casa de dois desembargadores alvos de mandados na operação desta quinta. O arsenal inclui cerca de 10 espingardas, revólveres de diversos calibres e pistolas automáticas, além de carregadores e munições.
Veja quem são os cinco desembargadores do MS afastados
Todos os investigados terão que usar tornozeleira eletrônica e estão proibidos de acessar as dependências dos órgãos públicos e de se comunicarem com outras pessoas investigadas. A equipe de O TEMPO em Brasília apurou que são os seguintes desembargadores afastados, conforme decisão do STJ:
- Alexandre Aguiar Bastos: juiz substituto do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul de 2010 a 2012 e empossado desembargador em 2016 em vaga da OAB.
- Marco José de Brito Rodrigues: iniciou na magistratura como juiz substituto, em 1988. Assumiu como desembargador em 2012, promovido por merecimento.
- Sérgio Fernandes Martins: presidente do TJMS, ingressou na magistratura como desembargador em 2007, em vaga do Quinto Constitucional.
- Sideni Soncini Pimentel: presidente eleito para comandar o TJMS a partir de 2025, é juiz de carreira e chegou ao cargo de desembargador em 2008 por antiguidade.
- Vladimir Abreu da Silva: ingressou na magistratura como juiz substituto em Campo Grande, em 1986, sendo promovido por merecimento ao cargo de desembargador em 2008.
O relatório apresentado pela PF ao STJ contém cópia de troca de mensagens entre uma servidora e uma juíza do TJMS. No diálogo em texto, elas falam sobre o desembargador Sideni Soncini Pimentel. Ambas dizem ser de conhecimento de parte do tribunal que o magistrado é envolvido em esquemas de corrupção, mas ele não é “pego” pela PF nem pelo CNJ.
“Todo mundo lá em cima fala negócio de SIDENI, de rolo disso, daquilo, do povo… até do *** e tal. Todo mundo fala: “ai não sei como que o CNJ não pega, a Polícia Federal não pega”, escreveu a servidora, que também é alvo da investigação que resultou na operação desta quinta-feira.
Dois filhos de Sideni Pimentel são investigados na mesma operação. O advogado Rodrigo Gonçalves Pimentel foi citado diversas vezes no relatório da PF, que destacou o crescimento de valores recebidos e declarados por ele à Receita entre 2017 e 2022, quando saltou de R$ 52,5 mil para R$ 9,2 milhões. Ou seja, em seis anos, a remuneração aumentou 174 vezes.
Rodrigo Pimentel, segundo a PF, é muito próximo do desembargador Júlio Roberto, o mesmo em que agentes encontraram cerca de R$ 2,7 milhões em espécie na casa dele durante cumprimento de mandado nesta quinta. Rodrigo Pimentel seria intermediador na venda de decisões judiciais de Júlio Roberto, de acordo com a PF.
Filha do desembargador Sideni Pimentel, Renata Gonçalves, também é investigada. A PF encontrou evidências de possível ocultação de patrimônio por parte dela. Agentes apontaram veículos que constam como adquiridos mas não informados em suas declarações à Receita.
“Foram ocultados mais de R$ 4,1 milhões em veículos pela advogada Renata Pimentel. Como a compra e venda de tais veículos não foi informada nas DIRPF, há possibilidade de que tenham sido adquiridos com recursos de origem desconhecida”, observa o relatório da PF.
Corregedor do Tribunal de Contas do MS também é alvo de operação da PF
Entre os outros servidores públicos afastados das suas funções estão o conselheiro e corregedor do Tribunal de Contas do Estado de MS (TCMS) Osmar Domingues Jeronymo e seu sobrinho Danillo Moya Jeronymo, que é servidor do TJMS.
Nomeado para o TCMS em 2015, Osmar Domingues foi um dos investigados pela operação Mineração de Ouro, em 2021. Na ocasião, a PF, a Receita Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) apontaram o uso de uma mineradora de cobre e a venda de imóveis em um esquema de lavagem de dinheiro proveniente da venda de sentenças.
Antes de assumir uma cadeira no TCMS, Domingues foi secretário estadual de Governo do MS. Nesta função, em 2014, ele teria emprestado R$ 3 milhões a um empresário para a compra da mineradora, avaliada em R$ 7,7 milhões. Recebeu como garantia um apartamento, repassado pela construtora a um assessor dele no TCMS. Um ano depois, o imóvel foi dado a Danillo Jeronymo, seu sobrinho, como pagamento pelo empréstimo, segundo a PF.
Fonte: O Tempo