Debaixo de chuva forte ou mesmo aos feriados, a menor desatenção ao estacionar na rua pode significar menos botijões de gás de cozinha na carroceria do caminhão do comerciante Amarildo Ronei de Andrade, de 54 anos. Há casos em que a perda da carga ocorre sob a mira de armas de fogo. “Revendedor e entregador de gás, agora, vão precisar de escolta armada”, ironiza. “O valor que o gás atingiu vai piorar ainda mais os bandidos que nos infernizem”, desabafa Amarildo, que está na profissão há quase 35 anos, entregando o insumo a clientes de Belo Horizonte e de Contagem, na Grande BH.

Furtos (quando o bem é levado sem violência) e roubos (quando há uso de violência ou ameaça em um assalto) sofridos pelo comércio e entregadores têm crescido com a disparada dos preços do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), o popular gás de cozinha, sobretudo na capital e entorno.

Na área metropolitana de BH, com o aumento de 16,1% anunciado no último dia 10 pela Petrobras para as distribuidoras, o botijão de 13 quilos passou a ser vendido a até R$ 135, com muita gente demandando das revendas a forma de pagamento em três vezes no cartão de crédito. Antes do reajuste, os preços variam entre R$ 100 e R$ 110. A polícia não dispõe de estatísticas, mas a reportagem do Estado de Minas ouviu empreendedores do setor que reclamam da multiplicação dos casos de furtos e roubos. O medo se espalha no comércio especializado e entre os entregadores.

Para o transportador, o botijão levado pelos ladrões custa mais caro do que o preço pago por quem compra o gás de cozinha. A despesa, considerando-se o valor do vasilhame, pode alcançar R$ 300. O prejuízo vai direto para o bolso do transportador, que vende o produto consignado e devolve o que não foi comercializado para a distribuidora. Essa é a situação de Amarildo Andrade.

Na rota que ele cumpre, de Contagem a BH, pela Região Oeste da capital, sofreu na mira de revólveres de bandidos várias vezes. “Geralmente, eles se aproximam em carros pequenos, em duplas ou trios, nos abordam, tiram dois a três botijões pequenos e somem. Não adianta pegar a placa. O carro é roubado e a polícia não consegue fazer mais nada depois. O prejuízo fica para mim”, lamenta. Apesar da recorrência dos crimes de que Amarido foi vítima, ele diz que a violência dos assaltos não o fará esquecer de nenhum dos episódios.

“Uma vez foi na comunidade da Ventosa. A gente, parado, desceu para levar para o cliente e foi roubado, assim como numa na rua do Bairro Nova Suissa, já me pararam e roubaram com revólver. Aconteceu também em duas ruas do Salgado Filho. Nesses casos, a gente tem de contar com Deus. Tenho orado muito e a situação só melhora para quem tem fé”, afirma Amarildo.

Táticas

Os furtos também têm sido frequentes, de acordo com o comerciante. Ele observa a frequência de dois tipos de ladrões. Um deles age usando carros pequenos, e acompanham os caminhões de longe. Quando o veículo contendo a carga estaciona, os bandidos agem, geralmente em dupla, levando dois botijões da carroceria. Em seguida, eles fogem.

“Eles estacionam em lugares um pouco afastados, em esquinas e procurando onde não há câmeras para os registrar. Uma vez, na Rua José Alencar (Nova Suissa), levei o gás para dentro da casa do cliente e deixei o caminhão estacionado. Quando voltei, tinha uma luva no passeio, ao lado da carroceria. Ali, já soube que tinha sido roubado, porque a luva ficava em cima dos cilindros. Levaram dois botijões de 13 quilos cheios. Devem ter sido dois ladrões, porque uma pessoa, sozinha, não leva dois botijões”, observa.

O outro tipo de furto frequente que Amarildo diz enfrentar é realizado pelos usuários de drogas. “Esses não disfarçam muito, contam com a sorte e sabem que não ficam presos. Um deles a gente teve de cercar correndo na Avenida Campos Sales (Calafate), gesticulando e falando para ele largar o botijão que a polícia estava vindo até ele soltar e ir embora. Outra vez, debaixo de chuva, no Jardim América, um nóia (usuário de entorpecentes) aproveitou a gente na casa do cliente e pegou o botijão, conseguimos ir atrás dele e ele também soltou. Já teve até nos paradeiros de feriados. Você acha que não tem ninguém na rua, deixa o caminhão e quando volta perdeu um botijão”, lamenta Amarildo.

Crime também lesa os clientes

O consumidor pode contribuir para a repressão ao roubo e à receptação de botijões de gás de cozinha, desconfiando da oferta de preços muito baixos pelo produto. Se da violência não há muitas formas de os transportadores e revendedores se defenderem, no caso dos furtos algumas estratégias podem retardar a ação dos bandidos.

Os receptadores de botijões roubados são encontrados, com frequência, por um distribuidor de BH que prefere não se identificar. A última vez, há uma semana, eles se depararam frente a frente no Bairro Belvedere, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, e a situação quase acabou em tragédia. “O cliente me comprou dois cilindros de 45 quilos, por R$ 480 cada. Quando cheguei lá, os piratas já tinham entregado para esse cliente e recebido o valor que eu tinha acertado antes, por que saem de casa em casa oferecendo, e dessa vez coincidiu de ser em uma casa que tinha pedido gás para minha distribuidora. Acharam que os piratas eram eu. Fui argumentar e os três vieram para cima de mim, um deles grandalhão, me ameaçando com uma chave de gripo (chave-inglesa), dando socos na minha pick-up”, lembra o distribuidor.

O cliente, então, entendeu que se tratava de golpe, e teve prejuízo, porque um dos cilindros dos piratas continha apenas a metade do conteúdo do botijão em gás. “Dá para ver que são criminosos. Eles não têm nem plotagem nos carros, ou endereço fixo do depósito e isso é proibido, mas ninguém fiscaliza. Desse jeito, além de roubarem os botijões, ainda os vendem para clientes que poderiam comprar outro de quem trabalha dentro da lei. E a gente sabe que eles vão migrando. Se venderem hoje no Belvedere, no outro dia vão para o Sion e descem até o Centro e os bairros para baixo”, afirma.

O aumento da violência e dos casos de entregadores e distribuidores de gás de cozinha roubados e furtados fez com que o comerciante Antônio Morais, de 44 anos, tomasse uma série de medidas de segurança na sua revenda na Vila Leonina. “Instalei câmeras, comprei cachorros, fechei tudo com grades e cadeados. Na moto, mesmo, fecho o botijão com corrente e cadeado. Não deixo a moto sozinha com o botijão na rua. Tem de estar sempre onde eu possa ver. Graças a Deus ainda não me levaram nada, mas há colegas que já foram roubados até no centro de BH, onde você acha que tem muito movimento e isso iria afugentar o ladrão. Acaba é fazendo ele se misturar na multidão”, conta o comerciante.

Os receptadores agem de várias formas. Segundo Antônio Morais, nas comunidades mais pobres, vendem o botijão a menos de R$ 100. “Ali, tem um mercado forte, porque as pessoas não têm condição de comprar pelo preço do mercado”, avalia. Nos bairros onde a população tem maior poder aquisitivo, a diferença é pequena entre os preços do botijão receptado e aquele vendido pelas empresas formalizadas.

Atrativos

“Se tirar demais do preço, o cliente desconfia, então fazem uns pequenos descontos, vendendo gás de 45 quilos de R$ 480 por R$ 470 ou um pouco menos. Fica disfarçado de desconto”, observa um distribuidor. “Já os noias (usuários de drogas) vendem para o receptador baratinho, por R$ 30 a R$ 50, porque querem vender rápido e precisam comprar a droga do dia com esse dinheiro”, observa o comerciante Amarildo Andrade. Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Revendedores de GLP, Alexandre José Borjaili, a violência de outros crimes que já ocorrem no Brasil está sendo sentida pelos revendedores de gás de cozinha devido ao alto preço do produto. “O botijão é um atrativo, porque o gasto é alto e o gás tem encarecido ainda mais. Acrescentou-se a isso a violência que tem ocorrido no país e que o setor teme piorar. Muitas questões de insegurança poderiam ser resolvidas com a rastreabilidade do botijão de gás, o que dependeria da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis)”, afirma Borjaili. (MP)

Estratégias

Veja como agem os bandidos, atraídos pelo aumento dos preços do gás de cozinha

  • No encalço das cargas: Usando, em geral, carros pequenos, dois ou três bandidos seguem os caminhões e motos que entregam os botijões. Quando motoristas e carregadores deixam o veículo estacionado para atender clientes nas residências, condomínios e comerciantes, os bandidos aproveitam para saquear a carga  
  • Abordagem e assalto: Quando os motoristas dos caminhões de gás ou motoqueiros de entrega estacionam ou param em cruzamentos ou sinais de trânsito, são abordados por ocupantes de carros armados que os rendem e levam quantos botijões conseguirem colocar no carro. Em geral, o veículo usado na ação criminosa é roubado 
  • Alvo de usuários de drogas: Sob chuva, em áreas consideradas vazias e mesmo quando os motoristas e entregadores estão por perto, os usuários de drogas tentam furtar os botijões. São de múltiplas tentativas até acertar, pois geralmente não acabam presos 
  • Oferta de casa em casa: Receptadores e integrantes das quadrilhas oferecem pelos bairros os cilindros que levaram, tocando os interfones de condomínios e casas. Fingem, muitas vezes, trabalhar para distribuidoras que foram mesmo chamadas pelos consumidores. Nem sempre os botijões ofertados estão cheios 
  • Distribuidores clandestinos: São donos de revendas que aceitam receptar os produtos roubados ou furtados, oferecendo preços menores, sobretudo, nas comunidades carentes

Fontes: Distribuidores e entregadores de gás de cozinha/Estado de Minas

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