Os impactos da falta de chuvas e das temperaturas em elevação recorde nas lavouras já se fazem sentir nas centrais de abastecimento, nos sacolões e feiras. A redução de oferta de alguns cultivos mais frágeis eleva seus preços, assim como as perdas de transporte e estocagem para venda que também são influenciadas pelo forte calor.

Com isso, nas Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasaminas), em Contagem, na Grande BH, a reclamação do grande volume de perdas se traduz em montes de produtos nos cantos ou esparramados sob os caminhões que chegam das plantações.

“As perdas estão muito altas e, com menos produtos, o preço sobe um pouco. O aumento das temperaturas e a chuva que está muito atrasada estão prejudicando demais. A alface, por exemplo, é muito frágil e perde em todos os lugares com o calor: na horta, no caminhão e na banca aqui para vender. De R$ 15 a unidade passou para R$ 20 a R$ 25. Couve e cebola também estão uma tristeza. Muita perda e preço subindo”, observa o vendedor Marcos Inocencio, de 47 anos. Ele compra as remessas de produtores das hortas da Grande BH, sobretudo Ibirité, Brumadinho e São Joaquim de Bicas.

O produtor e vendedor de batatas e de cebolas, Lucas Flávio Félix de Souza, também acusa grande perda nas lavouras que cultiva em Ouro Branco, na Região Central de Minas Gerais, a 100 quilômetros de Belo Horizonte.

“Estamos tendo perdas por causa dessas altas temperaturas até do que já estava plantado e colhido. Muita quebra e não é só isso, ocorreu perda de qualidade. De 20 mil sacas de cebola, a gente deve ter uma perda de 25%. Nunca vimos um calorão desses e nada aguenta. Os colegas que plantam tomate estão sofrendo também, com gente dizendo que perdeu quase metade da safra”, disse.

A ação do calor sobre as cebolas prejudica em todos os estágios do cultivo, colheita e distribuição. “A cebola fica dentro da terra que se desidrata. Perde os líquidos e diminui. Daí, a casca dela trinca e vai perdendo no tamanho. Quando vai para o separador, na esteira, muitas acabam perdendo a casca mais externa e fica um produto menor e inferior”, conta Lucas.

Tantas perdas já são sentidas pelos clientes nos sacolões e feiras, e precisam desembolsar mais pelos alimentos. Em dois meses (outubro e novembro), o preço médio dos hortifrutis ficou até 84% mais caro nos sacolões de Belo Horizonte.

Segundo o economista e proprietário do Mercado Mineiro, empresa de pesquisas de preços e ofertas do mercado, Feliciano Abreu, o aumento expressivo se deve à onda de calor extremo e ao final de ano, o que também amplia o consumo. De setembro a novembro deste ano, por exemplo, o quilo da batata inglesa aumentou 84,77%, o do chuchu 83,48% e o da cebola branca 63%.

PREÇOS EM ALERTA NO CEASA

Na avaliação do coordenador de Informações de Mercado da Ceasaminas, Ricardo Fernandes Martins, os preços ainda estão se mantendo na maioria dos produtos e 2022 chegou a ser até 3% mais caro do que em 2023 por causa das chuvas muito intensas.

“O hortigranjeiro convive muito mal com excesso de chuva, de calor e de frio, o que traz um prejuízo muito grande ao produtor. A alface e os demais produtos do grupo das folhas tiveram alta em torno de 60% e isso dá para atribuir a perdas pela alta temperatura e às chuvas. Os agricultores acabam tendo que aumentar custos, aumentar a irrigação e conseguem minimizar um pouco o problema. Mas nem todos têm bons sistemas de irrigação e dependem muito das chuvas. Esses sofrem bem mais”, afirma.

Outros movimentos de mercado e comportamentos dos próprios consumidores ajudam a manter a estabilidade dos preços ou pelo menos impedir uma disparada, mesmo com as condições do tempo desfavoráveis, disse Martins.

“Os municípios que não sofreram tanto estão suprindo o mercado com o excedente de produção e compensando aqueles com perdas mais expressivas. O consumidor também reduz quantidades e faz substituições de alimentos mais caros”, afirma.

‘CASTIGO’ TAMBÉM NOS PASTOS

As perdas no campo devido à estiagem e as altas temperaturas também castigam os pecuaristas e tendem a se agravar se o aquecimento global não for freado, afirmam especialistas e ambientalistas.

Utilizando o modelo de impactos pela temperatura média da Terra do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC) com a ampliação de 2ºC na temperatura até 2100 o que se vê são reduções de chuvas e aquecimento que podem prejudicar pastagens, reprodução e desempenho dos rebanhos e de seus produtos, como leite e ovos.

O índice de aquecimento é médio, sendo que pelo IPCC há configurações mais otimistas, de aquecimento da ordem de 1,5ºC e pessimistas de 4ºC. Para se ter uma ideia, na última década o aquecimento foi de 1,1ºC.

O aumento global de temperatura em 2ºC resultaria em mudanças climáticas drásticas no município com o maior rebanho do Brasil, a cidade de São Félix do Xingu (PA), com 2,5 milhões de cabeças. A média anual dos termômetros subiria de 26ºC para 28,5ºC e as chuvas sofreram redução de 8,1% segundo o modelo projetado pelo ICPP. Na cidade mineira que tem o maior rebanho bovino, Frutal, no Triângulo, com 1,3 milhão de cabeças, a temperatura subiria de 24ºC para 26,6ºC e as chuvas diminuíram 3,1%.

As chuvas também se reduziriam nesse cenário nos municípios paranaenses campeões nacionais na produção de leite (0,7% menos chuvas em Castro), suínos (Toledo perderia 1,3%), galináceos (Cascavel teria menos 1,3%) e peixes (menos 1.3% de precipitações em Nova Aurora).

Estragos que serão piores ainda entre os maiores pecuaristas mineiros com impactos na região leiteira de Patos de Minas (5,1% menos chuvas), suínos (4,9% menos precipitações em Uberlândia), galináceos (Uberlândia mais uma vez) e peixes (chuva reduzida em 5,5% em Morada Nova de Minas).

Para entender os impactos para os produtores desses índices de aquecimento e menos chuvas, quando um boi sente desconforto devido ao calor, ele passa a produzir uma quantidade maior de cortisol, hormônio diretamente ligado ao estresse.

De acordo com o pesquisador Alexandre Rossetto Garcia, da Embrapa, o aumento da concentração desse hormônio faz com que os animais se alimentem menos, o que prejudica significativamente a produção. Em um animal de corte, o crescimento é menor e consequentemente a produtividade também. Já o gado de leite passa a consumir uma quantidade maior de água para que aconteça a termorregulação corpórea (se refrescar). Como decorrência, o animal passa a apresentar maior sudorese e, com isso, perde líquidos e sais minerais fundamentais para a produção de leite.

Ainda de acordo com estudos da Embrapa, os suínos precisam de ambiente úmido para regular sua temperatura interna e passam a apresentar stress, comportamento agressivo e a se atacar abrindo ferimentos uns nos outros, sobretudo no transporte e confinamento. Frangos de corte e poedeiras também são sensíveis ao calor.

Acima de 30°C, os frangos podem começar a experimentar estresse térmico, afetando o crescimento e a produção de ovos. A temperatura também afeta a produção de peixes, mas a tilápia é um dos mais resistentes ao calor, suportando bem até 36ºC. A tilápia é a espécie que lidera a piscicultura nacional, representando 60,8% (R$ 3,5 bilhões) do valor da produção de peixes em 2022, segundo o IBGE. O maior produtor de tilápia foi Nova Aurora (PR), com 24,4 mil toneladas e R$ 190 milhões em valor de produção.

Fonte: Estado de Minas

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