A morte de um bebê de 2 meses por coqueluche, o primeiro óbito no estado desde 2019, acende um alerta para a importância da vacinação de gestantes contra a doença, que registra um aumento expressivo de casos — o número saltou de 14 no ano passado para 121 no parcial de 2024. O médico epidemiologista José Geraldo Leite Ribeiro explica que, embora a primeira vacina contra a doença seja aplicada nos bebês aos dois meses, a única forma de garantir a prevenção adequada é imunizar as mães.

A vacina DTPa, que protege contra difteria, tétano e coqueluche, está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do Calendário Nacional de Vacinação da Gestante. “Mesmo quando tínhamos alta cobertura vacinal contra coqueluche, casos ocorriam abaixo de 4 meses de idade, o que levou o Ministério da Saúde a adotar a vacinação com DTPa na gestante”, explica.

O especialista avalia que os gestores públicos, frente ao aumento da circulação da bactéria, transmitida por gotículas expelidas por tosse, espirro ou fala, deveriam priorizar a busca por gestantes não vacinadas. “É a ação mais urgente para prevenir a doença na idade em que ela é mais grave”, explica.

Além da transmissão direta de mãe para criança, o especialista ressalta que a vacinação de adultos é recomendada porque “adultos podem contaminar crianças e grupos de risco”. Nesse caso, o imunizante aplicado é o DTPa, que pelo SUS só está disponível para gestantes a partir da 20ª semana de gestação, profissionais da saúde, parteiras tradicionais e estagiários da saúde que atuam em maternidades e unidades de internação neonatal, conforme o MS.

Na rede privada, o imunizante está disponível para qualquer adulto que queira se vacinar, e recomenda-se a aplicação da dose a cada 10 anos como reforço.

Dificuldade de diagnóstico

Amanda Torres Rolando, de 38 anos, motorista de aplicativo, conta que quase perdeu a filha devido à falta de diagnóstico. Quando Esther, na época com 6 meses, começou a apresentar tosse, febre e diarreia, a mãe a levou a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Belo Horizonte para atendimento, e a bebê foi diagnosticada apenas com virose. No dia seguinte, como não houve melhora, Amanda levou a criança novamente à unidade, onde recebeu o mesmo diagnóstico. No terceiro dia, ela decidiu levar a bebê a outra UPA, mas, mesmo com a piora dos sintomas, recebeu o diagnóstico de virose novamente. Ela relata que em nenhum dos atendimentos foi realizado qualquer exame antes da liberação.

O susto maior veio na madrugada seguinte. Amanda conta que a filha começou a engasgar com a própria tosse, ficando “roxa” e sem reação, e ela decidiu buscar ajuda na rede particular. “O médico examinou ela toda, garganta, ouvido, nariz… aí ele falou comigo: ‘olha, mãe, ainda bem que você trouxe ela aqui, porque ela não ia passar dessa noite. Sua filha está com coqueluche’”, conta. O médico receitou antibiótico, e, segundo Amanda, a criança melhorou em poucas semanas. “Ela ainda precisou usar ‘bombinha’ até quase 1 ano porque sentia falta de ar, mas deu tudo certo, graças a Deus”, diz. Hoje, Esther tem 12 anos e não guarda nenhuma sequela da doença.

Amanda lamenta a negligência médica. “Os médicos precisam olhar para as crianças de verdade, ninguém vai à UPA só pra ir. Se eu não tivesse dinheiro, se não fosse o médico que a examinou, minha filha tinha morrido, como esse bebê que morreu”. Amanda também alerta para a questão da vacinação. “Minha filha estava com as vacinas todas em dia, e aconteceu isso comigo. Não sei como pegou, não faço a mínima ideia. Vi as pessoas criticando a mãe da criança que morreu sobre a questão da vacinação, mas não é só vacina. A vacinação é muito importante, mas tem outras coisas”, afirma.

Esquema vacinal contra coqueluche

O ciclo vacinal da coqueluche em crianças é composto por cinco vacinas, sendo três doses com a pentavalente (DTP+Hib+Hepatite B), um reforço aos 15 meses e um segundo reforço aos 4 anos com a tríplice bacteriana (DTP) — que, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), está com estoque indisponível devido à sua falta no Ministério da Saúde (MS).

Segundo a pasta estadual, a previsão é de que o estoque esteja normalizado em setembro. “É uma falta pontual, em algumas unidades, mas nada estrutural. Minas já solicitou o envio de doses, e o ministério está se prontificando a enviar”, diz o subsecretário de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), Eduardo Prosdocimi.

Surto de coqueluche

O aumento de casos da coqueluche — que saltaram de 14 em todo 2023 para 121 nos primeiros meses deste ano — preocupa o governo de Minas, que, apesar do estado de alerta, garante que ainda não é possível falar em possibilidade próxima de surto da doença. “Preocupa, porque é uma doença imunoprevenível e pode ser evitada com o uso da vacinação. Vale nossa recomendação: vacine-se”, comenta o subsecretário Eduardo Prosdocimi.

“É um momento em que precisamos ficar atentos e pedir a compreensão para a vacinação. Ainda não vemos a possibilidade de surto, mas há necessidade de recomendação do cartão de vacinação. Estamos falando de coqueluche, mas também tivemos vários casos de febre amarela, que é imunoprevenível. Todas as doenças que podem ser evitadas precisam da adesão da população”, acrescenta o subsecretário.

Apesar de ainda preocupar, os indicadores vacinais, que amargaram queda progressiva desde 2015, voltaram a crescer, segundo o subsecretário. “Estamos melhor em 2024 do que estávamos em 2023”, afirmou. O médico epidemiologista José Geraldo Leite Ribeiro explica que movimentos antivacina e a desinformação prejudicaram a imunização nos últimos anos. Apesar disso, ele compartilha do otimismo do gestor estadual.

“O trabalho realizado em Minas Gerais nos dá muita esperança de que as coberturas elevadas anteriores voltem a ser atingidas”, destaca o especialista.

Entenda a doença

Os sintomas da coqueluche costumam aparecer em três fases:

Fase catarral (1 a 2 semanas):

– Nariz escorrendo (Coriza)
– Febre baixa
– Espirros
– Tosse leve e ocasional com aumento gradual que segue a próxima fase

Fase paroxística (2 a 6 semanas):

– Tosse intensa e rápida, que pode durar vários minutos
– Tosse com um som característico de “guincho” ao final
– Vômitos após os episódios de tosse
– Fadiga extrema após os episódios de tosse

Fase de convalescença (semanas a meses):

– Redução gradual da tosse
– Episódios de tosse podem reaparecer com a instalação de outras infecções respiratórias

Tratamento:

Após a confirmação do diagnóstico com exames clínicos e laboratoriais, o tratamento é feito com antibióticos. Além de repouso, hidratação adequada e medicamentos para aliviar os sintomas. É indispensável manter o paciente isolado até o término do antibiótico para evitar a propagação da doença.

Transmissão:

A transmissão da coqueluche ocorre, principalmente, pelo contato direto do doente com uma pessoa não vacinada por meio de gotículas eliminadas por tosse, espirro ou até mesmo ao falar.

Esquema vacinal:

Três doses da tríplice bacteriana: aos dois, aos quatro e aos seis meses de idade. Depois, uma dose de reforço aos 15 meses e um segundo reforço aos quatro anos. Gestantes também devem receber a vacina a partir da 20ª semana de gestação para proteger o bebê

A vacina para adultos não está disponível pelo Sistema Único de Saúde, com exceção de gestantes e trabalhadores da saúde
O imunizante pode ser adquirido no serviço privado, por cerca de R$ 200, e a imunização dura de cinco a 10 anos.

Fonte: O Tempo

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